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A evolução positiva da educação em Portugal, a defesa da autonomia das escolas e o reconhecimento do trabalho inestimável dos professores são três vetores que resumem a quinta conversa da série Observamos Mais. Com a moderação de José Manuel Fernandes, a conversa sobre Mais Educação contou com as intervenções de Nuno Crato, ex-Ministro da Educação e Ciência, Jorge Manuel Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Rui Lima, professor no Colégio Monte Flor e Isabel Almeida e Brito, Reitora do Colégio de S. Tomás.
Perante o auditório reunido no “Espaço Conversas Soltas” do Banco Popular, e com transmissão direta no Observador, os convidados partilharam visões e experiências acerca da problemática do ensino, desde o envolvimento das famílias aos aspetos relacionados com as diferentes metodologias pedagógicas, passando pelo papel que o Estado deve assumir na reforma do sistema educativo.
Os melhores resultados de sempre
“O sistema educativo português avançou muitíssimo nos últimos anos”, começou por dizer Nuno Crato, salvaguardando as várias etapas percorridas pelos sucessivos governos. Os resultados alcançados são o fruto de um conjunto de políticas adotadas ao longo dos últimos 15 anos, mais focadas nos resultados obtidos pelos alunos.
O professor catedrático foi Ministro da Educação e Ciência entre 2011 e 2015, mandato durante o qual o país viu reduzida a taxa de abandono escolar, de 25% para 13,7%. Naquele período as taxas de retenção também melhoraram e os estudantes obtiveram os melhores resultados de sempre nos inquéritos internacionais.
O PISA (Programme for International Student Assessment) é um inquérito internacional, realizado de três em três anos sob a égide da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que tem revelado uma tendência de melhoria contínua, com subidas constantes nos indicadores. No relatório de 2015, o mais recente, Portugal alcançou os melhores resultados de sempre. “Pela primeira vez Portugal está acima da média da OCDE, isto é um marco”, salientou Crato com entusiasmo.
A OCDE promove a avaliação de conhecimentos e de competências dos alunos, desde o ano 2000, nos domínios da matemática, da leitura e das ciências. Dirigido a alunos de 15 anos, o PISA também avalia a capacidade de transferir e aplicar os conhecimentos adquiridos na resolução de situações do quotidiano. Estes inquéritos fornecem informações preciosas, baseadas em padrões de desempenho, que podem ser aplicados na melhoria do sistema educativo.
Outro indicador positivo é dado pelos resultados alcançados no TIMMS (Trends in International Mathmatics and Science Study) que é outro instrumento de avaliação do desempenho dos alunos, do 4.º e do 8.º ano de escolaridade, nos domínios da matemática e das ciências. Em 2015, na 6.ª edição deste estudo, os nossos alunos do 4º ano de escolaridade em Portugal ficaram à frente dos alunos da Finlândia. Nuno Crato constata que aqueles jovens “estiveram num ensino mais rigoroso e exigente, com metas mais estruturadas e com uma avaliação no final dos quatro anos” que tornou possível superar o resultado dos finlandeses.
Lamentando que muitas pessoas não tenham consciência da importância destes resultados, o professor não esconde a satisfação com o facto de Portugal ser hoje “uma das estrelas nos inquéritos internacionais.” Segundo os técnicos da OCDE, foram tomadas as decisões certas que conduziram aos resultados positivos e subidas generalizadas de rendimento em toda a linha.
Atualmente a trabalhar como investigador sénior no Centro de Competências de Micro Econometria do Centro de Investigação Conjunta da União Europeia, Nuno Crato tem agora em mãos a avaliação estatística dos resultados produzidos pela políticas públicas.
Pais e encarregados de educação mais activos
Reconhecendo as melhorias registadas no sector, Jorge Ascenção destacou a evolução verificada também ao nível da perceção que as famílias têm sobre a importância da educação e da escola no futuro dos filhos, ao longo dos últimos 15 anos. O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais sustentou que, apesar dos resultados positivos, continua a sentir dificuldades ao nível da partilha de responsabilidade na educação dos jovens, entre as famílias e as escolas.
Ao contrário do que aconteceu no passado, “hoje a escola é para todos, mas nem todos gostam de lá estar” referiu o dirigente associativo, a propósito da necessidade de estimular o gosto pelo estudo nos jovens. “O maior sucesso que nós podemos ter na educação é quando os nossos filhos dizem “Pai, anda que eu estou atrasado, quero ir para a escola!”, acrescentou Jorge Ascenção. Isso exige um trabalho diário, quer da parte dos encarregados de educação quer dos professores, envolvendo todo o ecossistema escolar em torno do estudante.
A propósito dos resultados dos inquéritos internacionais, o dirigente associativo referiu-se também à crescente tendência de promover a avaliação dos alunos através de exames, modelo acaba por fomentar a ideia de que “muitos alunos estudam para o teste e esquecem a matéria no dia seguinte.”
É preciso pensar em estratégias de incentivo e motivação das crianças para fixar as aprendizagens, no sentido de fazer face às dificuldades que a vida lhes vai colocar, independentemente do percurso que venham a seguir. Houve evolução, o absentismo e o abandono escolar baixaram mas ainda há um longo caminho a percorrer no sentido de alcançar o pleno envolvimento com as famílias.
A CONFAP agrega as Associações de Pais e Encarregados de Educação, de qualquer grau ou modalidade de ensino (oficial, particular ou cooperativo), com o objetivo de facilitar a participação ativa daqueles atores no processo educativo dos filhos e educandos, atuando como parceiro social junto das autoridades competentes.
O dirigente lamentou que ainda não tenha sido possível estabelecer um compromisso estratégico relativo aos programas, cargas horárias e tempos letivos. De facto não é difícil constatar que, em muitos casos, os alunos não apresentam um rendimento condizente com o tempo que passam na escola. “Estar muito tempo numa sala pode ser contraproducente, é preciso inovar, criar formas inovadoras de estimular as aprendizagens”, concluiu Jorge Ascenção.
Inovar é uma atitude, não é rocket science
José Manuel Fernandes pegou na deixa da inovação e desafiou Rui Lima a entrar na conversa. O professor do Colégio Monte Flor , considerado como um dos mais inovadores do mundo pela Microsoft, começa por explicar que a inovação não depende da tecnologia.
De facto ela pode ajudar a inovação, mas esta não depende da tecnologia e Rui Lima conhece “projetos incríveis de inovação sem tecnologia nenhuma e projetos em que cada aluno tem um tablet à frente e isso é pouco inovador”. Substituir os manuais pelo tablet não tem nada a ver com inovação, num tempo em que o professor deve atuar como um facilitador das aprendizagens, afastando-se do registo expositivo e magistral.
Será que a exigência tem de corresponder à imagem clássica de um professor a falar durante 90 minutos em frente a uma turma e depois, no final, fazer um teste? Pelo contrário, este professor do 1º ciclo desenvolve projetos com alunos de seis anos, aplicando metodologias que já lhe valeram prémios da Fundação Ilídio Pinho em três ocasiões, além das distinções da Microsoft.
O colégio criou o Learning Lab, um laboratório de aprendizagens diferenciadas onde os alunos desenvolvem as competências críticas para o sucesso no mundo atual. Este trabalho de projeto permite que os alunos sejam atores na construção do seu próprio conhecimento, e quando isso acontece os resultados são mais visíveis e permanentes. Um dos exemplos interessantes é o da disciplina de História, em que os alunos fizeram “um projeto sobre a Batalha de Aljubarrota, com produção de vídeo em stop-motion, que fez com que os alunos andassem durante uma semana a falar no assunto e a interiorizar a matéria.” Rui salienta que o trabalho de projeto envolve aplicação de conceitos de gestão, o brainstorm, os diagramas em árvore, ferramentas de de planeamento e controlo. Não é o clássico “trabalhinho de grupo”. O mercado laboral exige competências de colaboração, de pensamento crítico e de criatividade que devem ser desenvolvidas nas escolas, mas que não são de fácil avaliação com os instrumentos tradicionais.
O professor reconheceu a importância dos resultados, mas salientou que “os pais tiveram um grande papel, o medo dos exames também fez com que se pressionasse mais, a pressão da própria escola fez com que os alunos estudassem mais”. A argumentação em defesa dos exames costuma invocar a resistência à pressão como uma competência a desenvolver.
No final, Rui Lima deixou uma questão retórica: “Há maior pressão do que aquela que sente uma criança de 6 anos, em frente a uma plateia de 100 meninos, ao fazer a apresentação de um projeto?”
Educar é um acto de amor
Se no Colégio Monte Flor as crianças começam a trabalhar com ferramentas de gestão de projeto logo aos 6 anos, no Colégio de São Tomás aprendem latim a partir do 5º ano. Sendo a liberdade de educação um direito consagrado, Isabel Almeida e Brito explicou que tudo começou com um projeto de alguns pais que “queriam uma escola diferente para os filhos e decidiram experimentar uma certa maneira de educar que consideravam válida”.
Combinando realidades aparentemente antagónicas, o projeto educativo do Colégio de São Tomás engloba os aspetos mais inovadores da atualidade com a defesa do conhecimento clássico. O ensino do latim é apenas um exemplo de aproveitamento de um património linguístico, cuja riqueza pode estimular uma melhor compreensão da língua portuguesa e da história da cultura ocidental. O inglês, o alemão e o mandarim completam a oferta de formação disponível em termos de línguas estrangeiras.
Para a Reitora, a educação é “uma responsabilidade enorme porque tem resultados imediatos e, portanto, é muito visível a consequência das nossas ações e ideias”. Considerando que a diversidade de projetos educativos contribui para a riqueza do país, Isabel Brito defendeu a ideia de que “cada escola é uma comunidade, com um determinado temperamento e uma certa maneira de trabalhar”, mas sempre movida “pela mesma intenção, pelo mesmo entusiasmo de ver uma pessoa crescer diante de nós e, de alguma maneira, nos responsabilizarmos por contribuir para isso.”
Nesta perspetiva, é preciso entender a educação como um ato de amor pelas crianças através do qual os adultos dão o que têm de mais precioso. Esse é o catalisador que leva um grupo de pessoas a responsabilizar-se e a avançar com um projeto escolar autónomo. Do ponto de vista do prestígio da carreira, é essencial querer ser professor e compreender a importância desse papel em todas as dimensões da vida dos alunos, no presente e no futuro. Na vida profissional “não são as empresas que definem aquilo que as pessoas são, é aquilo que uma pessoa é, que faz boas empresas,” salientou Isabel Brito a propósito da questão das competências mais procuradas ao nível do “saber-ser” baseado na ética, que vai para além do “saber-fazer”.
A professora defendeu ainda a importância de avaliar constantemente se “aquilo que desejamos idealmente está a ser concretizado”, recorrendo sobretudo aos pais, que continuam a ser um dos principais interlocutores no processo. Inspirada no legado de S. Tomás de Aquino, a proposta educativa do colégio aposta no desenvolvimento das crianças logo a partir dos três anos, passando pela adolescência, acompanhando os alunos até à entrada no ensino universitário.
Nesta conversa solta foram ainda abordados temas essenciais como o da formação e colocação de professores, o estabelecimento de referenciais exigentes, incentivando a avaliação dos resultados. No quadro da autonomia, debateu-se a vantagem de ter equipas de professores escolhidas pela escolas. A par da representação das famílias nos órgãos de gestão, também a necessidade de promover a alteração de paradigma no acesso ao ensino superior foi considerada urgente. A formação, a avaliação dos docentes e as posições partidárias incoerentes que afetam a tomada de decisões estratégicas de longo prazo, foram outros pontos em análise. No final, todos estiveram de acordo na homenagem aos professores, enquanto profissionais de elevada resiliência, na defesa do papel crucial que continuarão a ter na formação de uma sociedade com mais conhecimento, portanto mais responsável.
Se não teve oportunidade de assistir em direto a esta Conversa sobre Mais Educação, veja aqui na íntegra.
Esta foi a quinta conversa da série Observamos Mais, uma parceria entre o Observador e o Banco Popular. Em outubro vamos observar e partilhar experiências sobre Mais Amor