O presidente da Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM) ganha mais numa semana do que o ministro que o tutela ganha num mês. Os salários elevados da administração são uma das matérias em que prometem intervir as duas listas que querem tirar Tomás Correia da liderança (embora o rosto de uma das listas esteja há vários anos a beneficiar desses salários). Os associados da mutualista escolhem esta sexta-feira o líder que querem para os próximos três anos, ainda que a vasta maioria (da escassa minoria que vota) já tenha votado por carta. Quem são e ao que vêm os três candidatos a esta eleição, que não interessa apenas aos mais de 600 mil associados porque o primeiro-ministro já disse que “fará tudo para proteger as suas poupanças”?

A eleição que termina a 7 de dezembro disputa-se entre três listas: a recandidatura de António Tomás Correia, líder da associação mutualista há 10 anos e que procura o quarto mandato (a lista A, que se auto-intitula a “Lista Institucional”); a candidatura de um vogal da administração de Tomás Correia que se tornou dissidente, Fernando Ribeiro Mendes (a lista B); e a lista C, liderada por António Godinho, empresário que foi candidato e acabou a impugnar as eleições de 2015 e, agora, volta a candidatar-se, prometendo um “combate ativo ao compadrio e à corrupção” que diz ter tomado conta da centenária associação mutualista.

Lista A. Tomás Correia

Tomás Correia é presidente da associação mutualista há 10 anos e procura o quarto mandato.

O candidato incumbente, Tomás Correia, manteve algum suspense sobre se iria tentar a recandidatura, mas esta acabou por se concretizar. No mesmo ano da eleição anterior — 2015 — Tomás Correia foi afastado da liderança da Caixa Económica Montepio Geral, o “Banco Montepio”, e teve uma relação conturbada com o presidente-executivo que lhe sucedeu, José Félix Morgado, ao ponto de este último ter decidido sair antes de concluir o mandato.

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Hoje, a gestão da Caixa Económica está entregue a Carlos Tavares, ex-ministro da Economia (de Durão Barroso) e ex-presidente do supervisor do mercado de capitais português, a CMVM. Carlos Tavares tem uma carta de missão que o obriga a dar “particular destaque às instituições da economia social e empreendedores sociais, de base local, regional e nacional”, ao mesmo tempo que “remunera adequadamente o(s) seu(s) acionista(s) com caráter estável e sustentado” — o único acionista é a associação mutualista.

Até ao momento, depois de ter revisto as contas de 2017 (o lucro de 30 milhões passou para 6,4 milhões), Carlos Tavares já conseguiu reforçar o resultado positivo para um lucro de 22 milhões entre janeiro e setembro e anunciou um plano de abertura de agências em “zonas menos urbanas”, em parte aproveitando “oportunidades” que a redução de agências da Caixa Geral de Depósitos pode trazer.

Quem são os colaboradores ou apoiantes de Tomás Correia?

Mariza (fadista), José Eduardo Martins (advogado, antigo deputado pelo PSD), Adriano Moreira (constitucionalista), Maria de Belém Roseira (antiga ministra da Saúde do PS), Vasco Lourenço (coronel, presidente da Associação 25 de abril), Jorge Coelho (antigo ministro da Administração Interna do PS), Diogo Lacerda Machado (advogado, membro do conselho de administração da TAP e conhecido por ser amigo próximo do primeiro-ministro).

Tomás Correia já não controla a caixa económica, o principal ativo da instituição (além do que está definido na carta de missão) mas a sua candidatura quer levar a associação mutualista a ter uma palavra maior a dizer sobre a gestão não só do banco como, também, de outras unidades como a seguradora Lusitânia, que também pertence ao grupo.

A lista A defende, no seu programa, que deve caber ao putativo Comité Estratégico do Grupo “garantir o alinhamento de todo o grupo com a sua missão fundamental” e “aproveitar todas as sinergias estratégicas, operacionais e processuais que facilitem e potenciem o trabalho conjunto” entre as várias “sociedades instrumentais”.

Em respostas enviadas ao Observador, a lista A diz que “o futuro próximo será de grande exigência” e promete um “acompanhamento muito rigoroso” na adaptação à nova supervisão financeira da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), seja pela alteração dos Estatutos da Associação Mutualista, no enquadramento do Novo Código Mutualista, seja em termos de gestão global do Grupo Montepio, no sentido da melhoria da rendibilidade das empresas participadas, cuja recuperação importa consolidar”.

Tomás Correia garante que nunca houve “lesados do Montepio”

Sobre o passado, a lista incumbente congratula-se por ter “mantido o Montepio nas mãos dos seus associados (…) sem necessidade de um cêntimo proveniente dos contribuintes, contrariamente ao que sucedeu na maioria das grandes instituições financeiras”. Mas as contas da associação mutualista há muito que são um tema delicado — desde o Presidente da República, que disse que a banca já não lhe tirava o sono, mas não quis comentar o Montepio, até ao ministro das Finanças, que recusou dizer que estava descansado em relação ao Montepio, preferindo dizer que estava “descansado com o [seu] trabalho].

As contas de 2017 apontariam para um prejuízo superior a 220 milhões mas foram tiradas do “vermelho” por um benefício meramente contabilístico (e não-recorrente) associado à perda de isenção de IRC que foi pedido pela própria associação mutualista. Além disso, cerca de 80% das poupanças dos associados estão garantidas por dívida e pela caixa económica de que continua a ser acionista único, o que tem levantado algumas dúvidas sobre a robustez financeira da associação. Mas, num debate parlamentar, e pressionado pelo PSD, António Costa deixou a garantia, para quem mostrou ter dúvidas: “faremos tudo para proteger as 600 mil famílias que confiaram numa instituição e que têm aí as suas poupanças”.

A “engenharia” contabilística que permitiu à dona do Montepio passar de prejuízos a lucros

Onde a candidatura de Tomás Correia não prenuncia alterações é na questão remuneratória. O próprio Tomás Correia recebeu, no ano passado, cerca de 430 mil euros. Numa entrevista, o homem de raízes humildes que diz ter-se tornado “banqueiro por acidente” disse, em sua defesa: “ganho muito bem” mas não há dinheiro que pague “tudo o que tenho sofrido”.

Mais recentemente, numa entrevista à SIC, Tomás Correia comentou: “não considero que ganhe demais nem de menos, não tenho relativamente a essa matéria um juízo sobre a minha remuneração. Ninguém está numa casa como esta, com as responsabilidades que têm, por dinheiro”.

O objetivo definido pela candidatura de Tomás Correia é elevar o número de associados dos 625 mil (no final de 2017, menos 7.000 do que um ano antes) para um milhão.

Lista B. Fernando Ribeiro Mendes

Fernando Ribeiro Mendes é vogal da administração, mas tornou-se dissidente da liderança de Tomás Correia.

Em terreno sensível sobre o tema das remunerações na mutualista, Fernando Ribeiro Mendes, o candidato da lista B, afirmou que “várias vezes [levantou] a questão” dos salários chorudos para a administração, mas não conseguiu “sensibilizar ninguém”.

O vogal da administração de Tomás Correia, cuja liderança passou a contestar, tem recebido um ordenado na ordem dos 24 mil euros mensais, mas diz que não faria sentido recusar esse valor porque tem de “cumprir as regras da instituição” onde está. “Posso é usar parte do meu salário para fins sociais”, admite.

O programa da lista B adianta que “importa reformular o modelo de remuneração dos órgãos sociais do Montepio, em linha com a redução de responsabilidades que ocorreu após a autonomização da caixa económica”.

Fernando Ribeiro Mendes e a sua equipa dizem que o “Montepio enfrenta uma crise de reputação fatal” e que “a confiança no Montepio, entre os seus associados e no público em geral, encontra-se profundamente abalada” pela “falta de transparência de algumas decisões e a insuficiente ponderação de alternativas de ação”, que são fatores que sustentam “essas suspeições”.

Quem são os colaboradores ou apoiantes de Ribeiro Mendes?

Álvaro Beleza (médico, ligado ao PS), Augusto Mateus (professor e ex-ministro da Economia de Guterres), João Costa Pinto (antigo vice-governador do Banco de Portugal), João Proença (engenheiro e ex-líder sindical, na UGT), António Menezes Rodrigues (presidente da ASFAC), Rui Leão Martinho (bastonário da Ordem dos Economistas) e João Carvalho das Neves (professor de Gestão no ISEG, membro do conselho geral e de supervisão da EDP).

A lista B promete “melhorar o modelo de governação com a adoção de um modelo de gestão em que o processo de tomada de decisões seja completamente transparente e o Conselho Geral assuma o seu papel na definição da estratégia do Montepio e no controlo da atividade do Conselho de Administração”. Além disso, quer promover o orçamento participativo, o voto eletrónico e a criação de núcleos regionais de associados.

Em contraste com a lista de Tomás Correia, Ribeiro Mendes, antigo secretário de Estado da Segurança Social de Guterres, quer mexer na estrutura para dar mais poder ao conselho geral para escrutinar a ação do conselho de administração — e João Costa Pinto, que foi vice-governador do Banco de Portugal, seria o principal rosto desse conselho geral com poderes reforçados. Estaria sempre salvaguardado, porém, o “respeito integral da autonomia” de cada entidade que compõe o universo Montepio.

Em resposta a questões enviadas pelo Observador, a lista B defende que apresenta uma “equipa credível, com provas dadas do ponto de vista académico e profissional, que cumpre os requisitos de idoneidade impostos pela autoridade de supervisão”. Além disso, quer “retomar o primado da segurança na gestão dos fundos mutualistas e o regresso aos fins de proteção social que estão na génese do Montepio”, deixando implícito que isso foi algo que se perdeu nos mandatos de Tomás Correia.

No primeiro semestre de 2018 houve mais saídas do que entradas de novos sócios. Entre julho de 2017 e julho de 2018 perdeu, em termos líquidos, 2.300 associados, o que a lista B atribui a uma “perda de confiança na Associação, perda essa que está diretamente relacionada com as suspeitas que recaem sobre o líder da Instituição”, Tomás Correia, o presidente do conselho de administração que Ribeiro Mendes também integra, mas com quem está desavindo. “Retirado este obstáculo, poder-se-á iniciar um caminho de recuperação da confiança assente num projeto estratégico claro, calendarizado e com metas muito concretas”.

Lista C. António Godinho

António Godinho, empresário, saiu derrotado nas eleições de 2015, um resultado que tentou impugnar.

Não é o primeiro nem o último ponto que consta das prioridades do programa eleitoral — está ali pelo meio. Mas é o ponto onde se usam os vocábulos mais fortes: a lista C, liderada por António Godinho, promete um “combate ativo ao compadrio e a corrupção na avaliação e seleção dos ‘amigos’ em detrimento do mérito e das capacidades reveladas”.

António Godinho é um empresário que salienta o facto de a sua lista ter a média de idades mais baixa. Concorreu às eleições de 2015, perdeu para Tomás Correia e tentou impugnar o resultado. A desconfiança em relação à gestão de Tomás Correia é a principal ideia que se retém da leitura do programa eleitoral, desde logo porque o candidato promete, se ganhar, fazer “uma auditoria à associação e às principais empresas do grupo com o objetivo de dar a conhecer a verdadeira situação delas”.

Quem são os colaboradores ou apoiantes de António Godinho?

Luís Campos e Cunha (ex-ministro das Finanças do PS), Bagão Félix (ex-ministro da Segurança Social e, também, das Finanças em governos centro-direita), Rui Moreira (presidente da câmara do Porto), Eugénio Rosa (economista ligado ao PCP), Helena Roseta (arquiteta e política ligada ao PS), Ivan Lins (músico brasileiro), Alípio Dias (ex-deputado pelo PSD e com carreira ligada à banca).

A lista de António Godinho elege o combate à “corrupção” e ao “compadrio” como prioridades, mas também dá ênfase à “redução das retribuições dos órgãos sociais da instituição, diminuindo o fosso entre estas retribuições e os salários dos colaboradores de todo o grupo Montepio”. Em declarações dadas ao Observador, a lista C adianta que as primeiras medidas emblemáticas irão no sentido da “moralização imediata das remunerações, mordomias e privilégios da administração, demonstração concreta de que queremos servir o Montepio e não servirmo-nos dele”.

Numa entrevista à TSF e ao Dinheiro Vivo, no final de novembro, António Godinho lamentou que, na sua visão, o Montepio se tenha “envolvido em ligações perigosas e noutros créditos, noutras aventuras”, porque o “Montepio não tinha necessidade, nem tem necessidade disso”. O candidato esforçou-se por dar uma imagem de fixação com Tomás Correia, garantindo que “ele poderá estar inocente de tudo isto, não rejeito que possa estar inocente, e espero verdadeiramente que esteja, para bem dele e da Associação Mutualista”.

Porém, dada a sucessão de suspeitas e os casos em que já houve, mesmo, acusações e contraordenações do Banco de Portugal, “para defesa da associação mutualista, deveria sair”. A diminuição do número de associados “decorre da falta de confiança dos portugueses na gestão de Tomás Correia e da sua equipa, envolvidos em acusações e investigações que provocam danos reputacionais muitos graves na instituição”.

“Esta situação só mudará quando se criarmos a perceção na opinião pública, através de novas práticas de gestão, que o Montepio muda e inicia um novo ciclo de gestão, tornando-nos mais transparentes”, remata a lista de António Godinho, candidato que já comentou que para reabilitar a instituição todas as pessoas ligadas a Tomás Correia têm de sair — desde logo marcando um afastamento ao candidato da lista B (Fernando Ribeiro Mendes).

Afinal, em quantos processos é acusado Tomás Correia?

Questionada pelo Observador, a lista A sublinha que “a Associação Mutualista Montepio cumpriu 178 anos de atividade suportada num modelo de democracia interna que nunca assentou em irregularidades. Prova disso mesmo são as várias decisões judiciais referentes a acusações que, agora e no passado, foram formalizadas a respeito do processo eleitoral e que sempre reconheceram a adequação, rigor e verdade dos processos que desenvolvemos nesta Instituição. Mais interessante seria debater ideias, propostas e projetos para esta que é a maior associação portuguesa. Infelizmente, tal não aconteceu e o caminho seguido pelas listas concorrentes foi de acusação, difamação e atentado ao bom nome da Associação”.

O candidato incumbente é, contudo, acusado pelas outras duas listas de ser um “obstáculo” para a associação mutualista pelo facto de ter processos no Ministério Público e no Banco de Portugal — uma matéria que ganhará importância redobrada agora que a supervisão financeira da mutualista passou para a entidade que escrutina o setor segurador, a ASF, que tem critérios de idoneidade mais apertados.

Mutualista Montepio passa para a supervisão dos seguros. Tomás Correia fica menos seguro?

Mas quais as suspeitas que existem sobre Tomás Correia e quais é que já deram origem a acusações concretas? Tomás Correia é acusado em pelo menos dois processos de contra-ordenação a correr no Banco de Portugal. Ambos dizem respeito à gestão na Caixa Económica Montepio Geral, não na Associação Mutualista.

O regulador da banca acusou Tomás Correia de não aplicar mecanismos de prevenção ao branqueamento de capitais, nomeadamente por não ter registado as contas de personalidades como Maria Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho e o ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos como “pessoas politicamente expostas”, consideradas de maior risco de ser alvo de corrupção. Segundo avançou o Diário de Notícias, as contas das Pessoas Politicamente Expostas (PEP) ficam sujeitas a um grau acrescido de vigilância, o que faz com que nos contratos de crédito, por exemplo, os bancos perguntem ao cliente se este um “PEP” ou se foi titular de um cargo político nos últimos 12 meses.

A outra acusação do BdP à gestão de Tomás Correia diz respeito a créditos concedidos em 2014 à Rioforte, e aos hotéis Tivoli, duas sociedade do antigo Grupo Espírito Santo. Os antigos administradores são acusados de terem aprovado os financiamentos quando já conheciam a situação instável do grupo liderado por Ricardo Salgado.

O Banco de Portugal também está a investigar — paralelamente ao Ministério Público — um aumento de capital do Montepio Geral, em dezembro de 2013 (ainda sob gestão de Tomás Correia), no montante de 200 milhões de euros, que foi financiado com mais de 30 milhões de euros do próprio banco, através do Finibanco Angola, filial do Montepio Geral.

O estranho negócio que começou nos milhões e acaba em tostões

A poucos dias do prazo limite do aumento de capital do Montepio Geral, a instituição bancária angolana concedeu três empréstimos, no total de 35 milhões de euros, que foram utilizados no aumento de capital do banco português: 20 milhões de euros a Paulo Guilherme, filho de José Guilherme; 12 milhões de euros a Eurico Brito, sogro de Paulo Guilherme; e três milhões a João Alves Rodrigues. “Os 35 milhões de euros dos três empréstimos foram depois transferidos para a conta do Montepio Geral junto do Finibanco Angola e utilizados na subscrição do aumento de capital do banco português, na véspera do prazo limite da operação de capitalização”, noticiou a RTP.

Sob a direção de Tomás Correia, e só no ano de 2009, o Montepio financiou em 8,5 milhões de euros o empresário da construção José Guilherme, exatamente os mesmos que este entregou a Ricardo Salgado. De 2009 a 2014 o Montepio concedeu 28,4 milhões de euros em empréstimos pessoais a José Guilherme, os quais estão quase na totalidade por liquidar. No sentido contrário, é suspeito de ter recebido 1,5 milhões de euros do próprio José Guilherme, para lhe aprovar um financiamento. Esta suspeita surge a partir da Operação Marquês, que envolve José Sócrates. Alegadamente, o antigo primeiro-ministro terá recebido dinheiro dos promotores do Grupo Vale do Lobo e do Grupo Espírito Santo através de Carlos Santos Silva.

O atual presidente da mutualista, e candidato à reeleição, é ainda considerado não idóneo por uma dos maiores bancos de investimento da Europa, o Banca IMI, de Londres, do grupo Intesa Sanpaolo, que recusou abrir conta à Associação Mutualista. Na altura, a diretora do Banca IMI enviou uma mensagem com uma análise realizada pela World Check, uma das mais conceituadas empresas mundiais de avaliação de idoneidade, na qual listava os casos em que Tomás Correia foi constituído arguido pela justiça portuguesa ou alvo de investigação ou processos pelo Banco de Portugal.