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Pegue na agenda e verifique tudo o que programou para os próximos dias. O tempo é porventura o mais democrático de todos os bens. A cada madrugada temos sempre 24 horas “novinhas em folha” para gastar. Ele é constante, mas não infinito. E, no entanto, sem se darem conta, muitas pessoas estão a viver a vida como se o tempo fosse ilimitado.
O tempo é o que dele fazemos e reunimos cinco personalidades para refletir acerca da forma como estamos a usar esse nosso tempo, que por uma razão ou por outra – e há sempre uma razão qualquer – nunca sobra. Para a audiência que encheu o Espaço “Conversas Soltas” Popular, na terça-feira, os cerca de 80 minutos de conversa passaram a voar.
Com moderação de José Manuel Fernandes, publisher do Observador, esta sessão dedicada ao tema “Mais Tempo” contou com o psicólogo Eduardo Sá; Eliana Madeira, coordenadora nacional do Banco de Tempo; Isabel Vaz, presidente executiva da Luz Saúde; João Pedro Marques, historiador; e Manuel Caneira, cirurgião plástico, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética, que partilharam experiências e diferentes visões sobre a importância de gerir o tempo, por um lado, e sobre a constante falta dele, por outro.
A Diretora Central de Negócio, Marketing e Comunicação do Banco Popular, Carla Gouveia, deu início a esta Conversa, realçando a necessidade de aumentar a capacidade de escuta, de partilha e de colaboração. “Mais Tempo” significa “mais qualidade e melhor serviço para todos os clientes e stakeholders, apostando numa cultura de proximidade” realçou a gestora antes de passar a palavra a José Manuel Fernandes.
O Banco onde se ganha sempre
O tempo é um ativo em valorização crescente nas sociedades modernas, a tal ponto que faz sentido falar num Banco de Tempo. Já existe em Portugal e dispõe de 29 agências em todo o território, incluindo regiões autónomas. Neste banco apenas circula o tempo das pessoas que se inscrevem. Cada uma disponibiliza uma quantidade de tempo para dar a outra, pedindo em troca o tempo de que precisa, consoante a necessidade.
A lista de atividades é aberta e inclui o simples ato de fazer companhia a quem precisa, aulas de culinária ou trabalhos de bricolage, acompanhamento na ida a consultas médicas, entre muitas outras possibilidades. Se a tarefa durar uma hora, a pessoa recebe um cheque nesse valor para “creditar” quando tiver necessidade desse tempo. O princípio é o da reciprocidade, “todos os que doam tempo também têm de receber, e todas as horas têm o mesmo valor, independentemente do estatuto ou grau de especialização das tarefas”, explicou Eliana Madeira, coordenadora nacional do Banco de Tempo.
No perfil de clientes deste banco peculiar, as mulheres estão em larga maioria face aos homens, na faixa etária entre os 40 e os 50 anos de idade. A coordenadora do Banco do Tempo deixou o apelo a “todas as pessoas para participarem, mesmo as que julgam não ter tempo. A ideia é partilhar o que se tem, por pouco que pareça”.
Este projeto de reengenharia do tempo visa recuperar as ajudas que se encontravam, antigamente, junto dos vizinhos. Ir buscar as crianças ou tomar conta delas, ensinar música a alguém, passear o cão ou regar as plantas. Este banco pode ter um efeito paliativo e transformador que, segundo Eliana Madeira, ajuda as pessoas a (re)aprender formas de dar, cuidar e amar.
O melhor do tempo é sempre o futuro
Para o psicólogo Eduardo Sá, um banco onde os clientes investem e ganham tempo, é uma ótima ideia, sobretudo se permitir às pessoas ter algum tempo livre para namorar. “Quando desistimos de namorar, vamo-nos divorciando em suaves prestações” referiu, defendendo que o tempo de namoro devia ser um objetivo prioritário de todas as pessoas. Passar a vida a reclamar da falta de tempo só agrava ainda mais a situação. No meio dos compromissos profissionais e familiares, muitos não farão as escolhas corretas quanto ao uso do seu tempo, com quem, para quem e de que forma.
Quanto às crianças, “os pais precisam de namorar para serem melhores pais”, sublinhou o psicólogo preocupado com as “relações para sempre” que cristalizam, levando os pais a “adormecer em serviço e a deixar de namorar”. É preciso dizer aos pais que, mais importante do que os filhos, é o namoro dos pais. Os pais que se sentem bem-amados são sempre melhores pais.
A propósito das dificuldades de concentração das crianças, Eduardo Sá explicou que os pais devem conduzir uma estimulação adequada, “ajudando a legendar o que a criança sente, a realidade que ela vai intuindo naturalmente e sobre a qual não é capaz de se expressar. Isso faz com que no cérebro estabilizem as estruturas que vão permitir a regulação do ritmo”. As crianças estão a ser levadas a crescer demasiado cedo, mas elas não crescem mais depressa porque os pais, ou os adultos, querem. Eduardo Sá fala de uma “linha de montagem de jovens tecnocratas de fraldas que aprendem a ler e escrever no infantário quando deviam estar apenas a brincar”.
Fazer mais com menos
Gerir o tempo faz parte do quotidiano de Isabel Vaz, à frente do grupo Luz Saúde, com 22 unidades de saúde, entre hospitais, clínicas e residências sénior. “As pessoas mais ocupadas também são as que gostam mais de fazer coisas”, referiu a gestora quando José Manuel Fernandes constatou que as pessoas mais ocupadas têm, quase sempre, mais tempo para fazer ainda mais coisas. De facto, o tempo investido numa tarefa varia em função da quantidade de tempo disponível, sugerindo nas pessoas uma tendência para a auto-inflação do tempo gasto. Quando têm muito tempo, correm o risco de perder o foco. Se tiverem pouco tempo, o stress da urgência encarrega-se de fornecer a energia necessária para alcançarem objetivos no curto prazo.
Para Isabel Vaz é muito importante “ser dona do tempo, é o que permite organizar de forma a não faltar aos acontecimentos significativos, aquilo que é verdadeiramente importante”. O tempo executivo leva muitas vezes a que as pessoas auto imponham limites que vão muito além das suas reais capacidades, ultrapassando o razoável. Em muitos casos as pessoas parecem esquecer-se que existe um amanhã. É fundamental nunca deixar de fazer o que é verdadeiramente importante, a nível profissional e pessoal. “Quando somos felizes e realizados a nível pessoal, fazemos felizes as outras pessoas e somos mais capazes de encaixar prioridades”.
A presidente executiva do grupo Luz Saúde lembrou os tempos em que trabalhava como consultora para identificar uma das áreas profissionais onde continua a imperar uma grande pressão sobre o trabalho, o cumprimento de metas e prazos.
A perceção do tempo na História
De fato, “não é preciso passar pela vida sem a viver”, máxima deixada por Isabel Vaz, antes do historiador João Pedro Marques ser convidado a explicar como seria percecionado o tempo antes da eletricidade e da tecnologia. É quando está na fase de pesquisa, a observar documentos originais como as Cartas do Sá da Bandeira, que perdeu o braço direito nas Guerras Liberais e passou a escrever com a mão esquerda, que o historiador consegue entrar na atmosfera da época, “uma caligrafia irregular que demora um mês a decifrar, os borrões, as formas de tratamento ajudam a penetrar nesse tempo”.
Além de imaginar como terá sido o advento industrial em Inglaterra, com tempos muito marcados pela produtividade aumentada, castigos e privações, João Pedro Marques apontou a música como exemplo comparativo da evolução dos tempos. Na Ópera do século XIX, “o tempo dos músicos favorecia a relação entre quem executa e quem escuta a música. Hoje a relação das pessoas com o tempo é instantânea, tal como acontece na música contemporânea”. O tempo é o mesmo para todos mas ganha elasticidade em função da personalidade de cada indivíduo. É por isso que “quando se está pressionado se consegue fazer muita coisa em pouco tempo”.
O autor de “Vento de Espanha”, recentemente editado, levou o auditório a viajar no tempo até às primeiras reivindicações feministas em Portugal, numa era em que apenas uma pequena parte da sociedade tinha acesso ao lazer e ao luxo. “As mulheres que podiam reivindicar eram as da classe alta, as burguesas que tinham tempo livre e não podiam participar numa série de coisas que eram ‘só para homens’. As operárias não tinham esse problema, o seu tempo estava totalmente absorvido”, contou o historiador.
Quantos anos é que me pode tirar?
É a pergunta mais frequente em cirurgia estética. Todos sabemos que ninguém ganha, objetivamente, mais tempo de vida por se submeter a uma intervenção. Mas, na prática, ganham na qualidade do tempo que passam a ter, ou seja, não ganham tempo mas passam-no melhor. “Ao melhorar a autoestima, todo o tempo da pessoa vai ser muito mais agradável” explicou Manuel Caneira, reforçando a ideia de que “todas as pessoas querem parecer melhor durante mais tempo”.
A interação social faz com que o bem-estar seja dependente da opinião dos outros. Por mais que haja quem defenda o contrário, o facto é que ninguém é indiferente ao que os outros pensam. A relação com os outros é influenciada pela forma como cada pessoa se sente. Se está melhor consigo mesma, então é certo que vai passar um tempo mais agradável.
Se pensarmos numa simples lipo-aspiração, “ganha tempo na medida em que num par de horas retira o pneuzinho e depois já não perde tempo no ginásio, podendo usá-lo para outras coisas”, ilustrou o clínico vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética,
O aumento da esperança de vida está a colocar novos desafios para a saúde, pela necessidade de investigar e conhecer melhor as doenças degenerativas. Do ponto de vista económico, viver durante mais tempo coloca também maior pressão em termos demográficos nos sistemas de assistência social. Ao nível do trabalho, devido à velocidade a que a tecnologia evolui, é urgente encontrar formas de conjugar as competências diferenciais das pessoas de diversas gerações, com diferentes níveis de conhecimento e experiência. A reforma da felicidade passa por reconhecer, tão cedo quanto possível, que mais importante do que “ganhar tempo” é saber como usar o tempo que se tem.
Se não teve oportunidade de assistir em direto a esta Conversa, veja aqui na íntegra.
Esta foi a segunda conversa da iniciativa OBSERVAMOS MAIS, lançada em abril pelo Observador em parceria com o Banco Popular. Em junho, vamos Observar Mais outras experiências. Desta vez, sobre Mais Cidadania.