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Entrevista à atriz Beatriz Maia, protagonista da nova série da RTP "Emília". 12 de Maio de 2023 Jardim Gulbenkian, LIsboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Recentemente, a atriz esteve a filmar "Diálogos Depois do Fim", novo filme de Tiago Guedes, ainda sem data prevista de se estrear

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Recentemente, a atriz esteve a filmar "Diálogos Depois do Fim", novo filme de Tiago Guedes, ainda sem data prevista de se estrear

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"Emília" na televisão, "Catarina" no teatro e com Tiago Guedes no cinema: este é o momento de Beatriz Maia

Protagonizou uma série de televisão. Anda em digressão com uma peça-fenómeno que esgota por onde passa. Estará no próximo filme de Tiago Guedes. É hora de perguntar: quem é Beatriz Maia?

Beatriz está sentada no chão, os olhos pousados sobre as páginas que trouxe consigo. Chegou mais cedo, não fosse o diabo tecê-las. Desculpa-se por ser “novata nestas coisas”. Nunca deu uma entrevista a um jornal, o seu nome não está nas capas das revistas. Beatriz Maia, 29 anos, atriz, conseguiu a proeza de estar em todas as frentes sem ter sido, ainda, engolida pelo mediatismo.

No cinema, prepara-se para estrelar o próximo filme de Tiago Guedes, “Diálogos depois do Fim”, ao lado de Isabel Abreu. Na televisão, é a protagonista da série “Emília”, de Filipa Amaro, na RTP. No teatro, a passagem por “A Matança Ritual de Gorge Mastromas”, texto de Dennis Kelly que Tiago Guedes encenou no Teatro Nacional D. Maria II, ou as substituições no elenco de “Sopro”, de Tiago Rodrigues, levaram-na até um papel de destaque na peça-fenómeno “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, sobre uma família que tem por tradição matar fascistas, ritual que Catarina (Beatriz Maia) se recusa a cumprir.

Não lhe tem faltado trabalho, mas Beatriz sabe que a falta dele ainda a pode voltar a atirar para trás do balcão onde trabalhou durante o curso na Escola Superior de Teatro e Cinema e onde chegou a vender uma caneta à encenadora brasileira Christiane Jatahy, que espera reencontrar. “Tenho perfeita consciência que isso é a realidade de muita gente. Fazes um espetáculo de teatro, uma série, e a seguir tens de continuar a trabalhar numa loja, num café”.

Para esta entrevista escolheu a Gulbenkian, em Lisboa. Foi lá que se viu pela primeira vez no grande ecrã, enquanto protagonista da curta-metragem "A Minha Mãe É Pianista", de João Rosas

TOMAS SILVA/OBSERVADOR

Beatriz Maia não consegue precisar o momento em que soube que queria ser atriz. Talvez aos 10 anos, quando nos acampamentos de escuteiros fazia pequenas peças cómicas. Foi também por volta dessa altura que João Rosas, “irmão de uma grande amiga”, a escolheu para a curta-metragem “A minha mãe é pianista” (2005). “Achava-me muita piada por eu ser muito espevitada”, conta. A primeira vez que se viu num grande ecrã foi no local que escolheu para a entrevista com o Observador, a Fundação Calouste Gulbenkian, que, sendo produtora do filme, o exibiu. “Aquela criança estava tão tensa”, julga em retrospectiva.

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A curta-metragem não foi uma rampa de lançamento para uma carreira enquanto estrela infantil. Nascida e criada em Entrecampos, Lisboa, numa casa sem grandes hábitos culturais, Beatriz só “queria ser jogadora de futebol”. Andou com a bola nos pés até aos 13 anos, primeiro em Caselas, numa equipa de futsal mista — “Era mista porque eu lá estava”, troça —, depois em Carnide. Eram tempos em que “ainda não havia futsal no Benfica sequer”.

Era feliz em campo, não gostava da escola. Sobretudo, não gostava que a “forçassem a ler coisas”. “Mesmo hoje tudo o que me impingem rejeito”, adverte. Beatriz precisa do seu tempo. “Só comecei realmente a gostar de teatro quando comecei a estudar teatro. Até então queria ser atriz, toda a gente me dizia que tinha jeito, mas era um bocado desligada de tudo. Começar a estudar teatro alertou-me”.

Para encontrar uma atriz para o papel de "Emília", a protagonista da série, a realizadora Filipa Amaro optou por um casting aberto. Recebeu cerca de 1700 self-tapes.

Fez audição para a Escola Profissional de Teatro de Cascais. Preparou um diálogo de “Romeu e Julieta”, e um famoso monólogo de Hamlet com conselhos aos atores. Gostou do processo de decorar o texto, divertiu-se a fazê-lo. Ficou. A primeira reunião com Carlos Avillez deixou a mãe “um bocadinho assustada”. “Os vossos filhos vão mudar radicalmente, vocês acham que vão conseguir mudá-los de alguma forma, mas não vão conseguir. Aceitem isso”, recorda da conversa com o reconhecido encenador e diretor da escola. O aviso estava feito. “Cascais fez-me crescer de uma forma brutal. Foi violento”, admite Beatriz, que nomeia Beatriz Batarda como uma das professoras que mais a marcou. Só que a mudança foi além da aprendizagem sobre o ofício ou dos novos horários que a obrigavam a passar horas no comboio. “Ir para Cascais estudar implicava apanhar metro, mudar de linha, apanhar comboio, sair no Estoril, apanhar autocarro para a Amoreira, andar um bocadinho a pé”, enumera. “Era o meu escritório. Saía de casa às 7h30 da manhã e chegava às oito da noite. Era no comboio que estudava, decorava texto, dormia sestas, lia, ouvia música”.

“É a realidade de muita gente. Fazes um espetáculo de teatro, uma série, e a seguir tens de continuar a trabalhar numa loja, num café”

Filha do meio, com dois irmãos, “era a miúda louca que só fazia asneiras”, diz com o que resta de um sorriso traquina. “É curioso porque ao estudar teatro comecei a ficar mais introvertida. Acho que ganhei noção que às vezes tenho de ficar calada. Acho que comecei a ganhar mais respeito por mim e pelos outros ao estudar teatro”.

Mesmo mais introspetiva, não passava despercebida. Seguiu caminho para a Escola Superior de Teatro e Cinema, onde entre colegas contemporâneos é descrita como já então um talento evidente. Há quem se recorde dela quando gritou “CGTP, unidade sindical!” num exercício sobre uma senhora que deambulava com frequência pelo Rossio, que Beatriz atravessava para chegar à tal loja onde trabalhava – uma defunta Bairro Arte onde tropeçou em Christiane Jatahy sem ser capaz de lhe revelar que queria trabalhar com ela. “Não tenho coragem de dizer, não consigo fazer isso, não tenho essa lata”, diz prontamente. Timidez ou medo de rejeição? “Acho que estão ligadas”, confessa. “Ouço muitos nãos, mas o não ainda não me deixou no chão porque tinha outras coisas. O não bate mais quando estás mesmo a precisar de trabalhar. Acredito que seja muito mais duro”.

Entrevista à atriz Beatriz Maia, protagonista da nova série da RTP "Emília". 12 de Maio de 2023 Jardim Gulbenkian, LIsboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Tem 29 anos e começou a trabalhar profissionalmente na área aos 25. “Supostamente estou a começar tarde”, solta a meio da conversa. Não precisa de evocar Emília, a personagem que interpreta na série da RTP, que decide seguir o sonho de ser bailarina, já adulta. A realidade é a ficção, ou talvez seja ao contrário. “Sinto um bocadinho isso em relação a mim nesta profissão. Estou a começar tarde, mas ao mesmo tempo sinto-me muito pequenina ainda. Sinto que não me preparei para uma série de coisas. É um pensamento que me tem assaltado bastante. Todo o setor das artes, a sociedade, diz-nos que, nós, artistas, hoje, já não podemos ser meros intérpretes. De repente um ator não é só um ator, é também um criador, um encenador, um dramaturgo. Se calhar pela precariedade que há na nossa área, em que não podemos ser só uma coisa, temos de estar constantemente a reinventar-nos porque se não temos lugar naquele sítio temos de arranjar lugar de outra forma porque temos contas para pagar”.

Na voz de Beatriz ouvem-se as histórias de uma geração de atores que luta por um lugar ao sol, com as angústias de sempre, mas novas demandas. Perguntam-lhe constantemente: “Então e o que é que estás a fazer agora? E quando é que vemos alguma coisa criada por ti?”. “Tenho sentido alguma pressão para ser mais do que aquilo que eu quero ser, que é intérprete, que é atriz”. Cada coisa a seu tempo. “Quando crescemos compreendemos algumas coisas. A melancia para ser boa é só em Julho, Agosto e setembro”, ouvimo-la dizer em “Sagrada Família” (2023), curta de estreia de Diogo S. Figueira, em que desempenha a filha de uma freira excomungada.

"É o que nos inquieta, são as nossas urgências. As nossas urgências nem sempre estão totalmente resolvidas. No entanto, também é bom trabalhar sobre coisas boas. Agora, que coisas são essas?"

“Não tenho pressa. Estou a começar agora. Tenho muitos anos para viver, não quero apressar nada”, diz enquanto um ursinho cor-de-laranja se bamboleia pendurado na orelha direita. É o mesmo que já avistamos na personagem de “Emília”, série de seis episódios disponível na RTP Play. Deitada sobre a cama, Emília questiona-se. “E se nós não precisarmos de sofrer?”. “Isso seria a pior notícia de sempre. Queria dizer que foi tudo para nada”, respondem-lhe. Diz a atriz: “É o que nos inquieta, são as nossas urgências. As nossas urgências nem sempre estão totalmente resolvidas. No entanto, também é bom trabalhar sobre coisas boas. Agora, que coisas são essas? O que nos dá vontade de falar é o que está mal. É o que queremos que mude”. Perguntamos-lhe se um ator, um artista, está, dessa forma, condenado à infelicidade. “Eu ainda acredito que fazer um personagem, fazer teatro, é brincar, isso não me condena a estar nesse estado. Mas propõe-me a ir a esse sítio”.

A atriz faz parte do elenco de "Catarina e a Beleza de Matar Fascistas", espetáculo de Tiago Rodrigues.

Ter o rosto plasmado no pequeno ecrã soa a finalmente para uma atriz que tem tentado, como tantos outros, singrar. “Sempre achei que por não corresponder a um estereótipo de beleza ia ser complicado entrar no mundo audiovisual”, solta. “Já a estudar tinha ideia que mais facilmente trabalharia em teatro do que em televisão ou cinema”. Não é uma apenas uma ideia, uma suspeita, concebida no calor do momento. É um pensamento que foi depurando com base na experiência. “Fiz vários castings para televisão, mesmo quando estudava em Cascais. Diziam-me sempre que era tudo perfeito, ia sempre à fase final e nunca ficava. Depois quando via a atriz que ficava percebia que havia claramente uma diferença a nível físico. Foi uma coisa que aceitei”.

Sobre a insegurança da personagem de Emília, formula: “Ela nunca pensa que essa estranheza pode ser interessante aos olhos dos outros”. Colocamos o discurso da atriz num espelho. “Se calhar a nível físico também penso um bocadinho isso”, admite. “A nível físico não correspondo àquilo [que é tido como interessante]”. Não deixa de ser curioso escutar a observação de alguém que é, no fim de contas, protagonista de uma série de televisão no canal público. Mas para Beatriz há um motivo muito claro para tal ter acontecido. “Tenho uma pessoa que acreditou em mim desde o início e que não olha aos números nas redes sociais. Encontrou uma beleza qualquer em mim que não está só na minha cara, nos meus dentes, nos meus olhos, no meu corpo, no meu não-desenvolvimento”, diz. Refere-se à realizadora, a também jovem Filipa Amaro. “Ela encontrou uma beleza numa outra coisa”.

Entrevista à atriz Beatriz Maia, protagonista da nova série da RTP "Emília". 12 de Maio de 2023 Jardim Gulbenkian, LIsboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Sem querer aprofundar muito o assunto, diz saber de forma “explícita” que não foi uma escolha consensual. “Sei que no mercado audiovisual isso não é uma coisa assim tão simples”. Porque, lá está, “é uma protagonista que é para um canal”. Falamos sobre diversidade, tema premente dir-se-á desde sempre, mas exaltado no presente. “Acho que se está a falar sobre isso”, confirma. Continua: “Estamos constantemente a ver as mesmas caras na televisão. O facto de de repente ser uma jovem a apostar em caras novas é engraçado. Fazemos todos parte dessa mudança. Espero que seja uma porta para apoiarem projetos futuros de pessoas jovens com ideias diferentes, como para apostar em pessoas diferentes que não são, aos olhos de quem manda nisto, o rosto que vende mais”.

A conversa sobre “o rosto que vende mais” tem sido recorrente no último par de anos. Em março, uma reportagem do jornal Expresso levantou o véu sobre a realidade já sabida nos corredores: o número de seguidores nas redes sociais é cada vez mais um fator no casting de novos atores. “Não preciso que me digam. Tenho consciência que isso é uma coisa que pesa. Mesmo para te inscreveres em algumas agências, na ficha de inscrição perguntam-te o número de seguidores que tu tens. Isso é claramente um requisito”, afirma Beatriz.

“Não quero compactuar. Não quero que isso seja um requisito para ter trabalho, para fazer aquilo de que gosto e para o qual me formei. Acho que não devia ser um fator de escolha o número de seguidores que nós temos. Mas infelizmente sinto que ainda é"

“Não quero compactuar, gostava de não ter de compactuar. Até porque, lá está, não vai ser fácil eu conseguir seguidores. Não me quero esforçar para isso e não quero que isso seja um requisito para ter trabalho, para fazer aquilo de que gosto e para o qual me formei. Acho que não devia ser um fator de escolha o número de seguidores que nós temos. Mas infelizmente sinto que ainda é”.

Até que o país (ou o mundo) a descubra, Beatriz espera que Emília possa “abrir portas” e não é alheia à importância de ter duas mulheres, uma a realizar e outra a protagonizar, à frente de um projeto televisivo nacional. “Não é uma coisa que diga ‘agora é que a minha vida vai mudar’. Não tenho expectativa em relação a nada, mas tudo o que vier agora será bom”, diz. Voltamos a Emília, e a uma frase que repete: “Estou sempre com fome”. “Eu também estou”, retorque com um sorriso. De que tem fome Beatriz Maia? “Neste momento de trabalho”.

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