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Entre burros com razão e patos orwellianos, CDU procura inspiração nos autores comunistas na Feira de Livro

Em visita à Feira do Livro de Lisboa, João Oliveira sugeriu Saramago aos opositores políticos. Em conjunto com Paulo Raimundo, encontraram nos livros infantis as mensagens mais marcantes.

Poucos minutos depois da caravana comunista chegar à Feira do Livro, João Oliveira tem já um objetivo em mente. O ponto de encontro até é à frente da banca das Edições Avante, mas é na Porto Editora que o candidato tem pensado o livro ideal para sugerir aos opositores na corrida a Bruxelas: Viagem a Portugal, de José Saramago. “Todos os candidatos que têm a pretensão de ir para o Parlamento Europeu ficam com uma boa referência daquilo que é mais importante, que é ter presente a realidade do país“. Esta edição que João Oliveira sugere até vem com imagens, para que não falte perspetiva a ninguém.

Sugerir” é a palavra chave na ação do candidato, até porque até agora, outros candidatos compraram livros para lhe oferecer mas ainda nenhum lhe chegou às mãos. “Políticos que fazem promessas que depois não cumprem estão ‘belissimamente’ com as referências que têm feito, até nos livros”, ironiza o comunista.

Nos últimos dias, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, que também passou pela Feira do Livro, comprou “A Conspiração do Kremlin“, de Joel C. Rosenberg, para dar a João Oliveira. Entretanto, também Pedro Fidalgo Marques, do PAN, se juntou à festa com a obra “Antes e Depois“, de Anne-Margot Ramstein e Matthias Aregui, explicando que os comunistas estão presos no passado. Com ou sem estes livros na prateleira, João Oliveira não mostra interesse em devolver sugestões individualizadas para ninguém. A “Viagem em Portugal” vai ter de servir para todos os membros deste clube de leitura onde nem todos parecem querer participar.

Viemos gastar o dinheiro do João. Alguém tem de pôr a economia a funcionar”. Por esta altura, João Oliveira já abriu cordões à bolsa para comprar 2 livros. Mas há sempre espaço para mais. Na passagem obrigatória pelas Edições Avante, são outras as obras de autores comunistas a serem sugeridas. Primeiro, “A União Europeia Não é a Europa” — o título fala por si só — de João Ferreira, último cabeça-de-lista da CDU a Bruxelas. Mas este João Oliveira já tem, até com direito a autógrafo do autor.

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Mais interesse gera o conto “O Burro Tinha Razão“, de Álvaro Cunhal, desta vez sugerido por Paulo Raimundo. “Até é apropriado para as circunstâncias em que estamos hoje. Resolve noites difíceis para as crianças mas também é capaz de despertar algum interesse para os adultos”, comenta o secretário-geral, sem querer especificar para que adultos está a falar. “Então querem quantos? Um de cada?“, remata o funcionário da banca.

Outro livro escrito para crianças que serve de inspiração para a caravana comunista na Feira do Livro é “O Pato Camponês“. José Oliveira, editor da obra, folheia um exemplar enquanto explica a analogia que se pode dali retirar: “Os animais que trabalham revoltam-se contra o explorador que não faz nada, e começam a produzir coletivamente“, explica. O enredo do livro acaba por se assemelhar à “Quinta dos Animais”, de George Orwell, tirando a crítica aos líderes soviéticos do século XX. “Os animais organizam-se, é como a gente precisa de fazer também”, nota um membro da comitiva, “mandam abaixo a burguesia, escorraçam-na“. O comentário gera a gargalhada geral, especialmente de Paulo Raimundo, entretido a ver os desenhos finais do pato camponês que agora comanda as massas organizadas na quinta.

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Um dos pontos principais da visita é o apoio aos pequenos livreiros. Na banca da livraria Ler, que se situa em Campo de Ourique e existia já durante o Estado Novo, João Oliveira ouve o testemunho de João Alves, que herdou a loja do pai. “Eu era um miúdo, e nunca me esqueci. O meu pai a chegar a casa destroçado porque lhe tinham fechado a livraria, tinham deitado os livros todos ao chão”, relata, descrevendo o que tinham de passar os livreiros para manter as lojas abertas durante o período da repressão salazarista. “Esses momentos são o que fica como referência para o que vem a seguir”, comenta o cabeça-de-lista da CDU. Todos os anos, nas semanas antes e depois do 25 de abril, João Alves dedica uma montra à memória do pai, reunindo livros e publicações proibidas na altura.

À procura de inspiração nos ideais, os comunistas acabam também por encontrar esboços de propostas futuras a apresentar para apoiar a cultura. Na banca da E-Primatur, é-lhes apresentada uma ideia inovadora: o crowdpublishing. A iniciativa passa por uma espécie de financiamento coletivo, orientada para a edição dos livros. Ou seja, “apoiar os livros antes que eles sejam editados”, descreve um dos funcionários. “Anunciamos os livros uns meses antes. Se as pessoas os apoiarem recebem-nos em casa mais baratos, e ao mesmo tempo ajudam a criar uma base económica para a edição”.

Raimundo elogia a criatividade. João Oliveira vai mais longe, sublinhando tudo o que o Estado teria a ganhar se reproduzisse esta política. Face às pistas que vão sendo deixadas para o futuro, o candidato admite até ele próprio dedicar-se à escrita de um projeto-lei com estes moldes.

Ao longo da tarde, entre subidas e descidas (o percurso parece ter sido feito em estilo livre), a caravana comunista é notada por todos, nem que seja pelas bandeiras que seguem o cabeça-de-lista e o secretário-geral. Alguns tiram fotografias, outros param para assistir ao espetáculo mediático que segue a CDU, entre fios, microfones, tripés e câmaras de televisão. Outros simplesmente ignoram a ação de campanha política que por ali passa. Entre essas pessoas está Mariana Mortágua, que tendo estado presente na visita do Bloco de Esquerda à Feira do Livro, que decorreu uma hora antes, chegou a passar por João Oliveira e Paulo Raimundo, enquanto prestavam declarações aos jornalistas. Aproveitando a distração, a coordenadora bloquista acabou por passar quase despercebida na descida do Parque Eduardo VII, e não teve oportunidade de cumprimentar os adversários políticos.

Felizmente, nenhuma das sugestões literárias de João Oliveira foi dirigida diretamente a Mortágua, tal como praticamente nenhum dos ataques do comunista têm sido dirigidos ao Bloco. À esquerda, e a apenas 4 dias do fim da campanha eleitoral, a paz continua a reinar. Faltou apenas a fotografia com o cumprimento entre líderes, em plena Feira do Livro, para o confirmar.

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