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Um café já no estúdio, mesmo antes da entrevista começar. António Costa chegou à redação do Observador mesmo em cima da hora marcada para a grande entrevista “Sob Escuta”, na véspera de apresentar publicamente o programa eleitoral para a próxima legislatura. Em praticamente todas as áreas políticas e de governação o primeiro-ministro acabou por adiantar alguma novidade, como por exemplo na intenção de reduzir o IRS para a classe média.
Mas também sobre temas mais prementes de atualidade, como é o caso do surgimento do nome do seu ministro das Finanças, Mário Centeno, para a liderança do Fundo Monetário Internacional (FMI) — Costa deixou claro que esta não é uma prioridade para o Governo e deixou assente que nas suas contas para a constituição do próximo Governo quer repetir Centeno na pasta das Finanças.
Num momento em que há muitos cargos, nacionais e internacionais, em equação, o puzzle de António Costa é delicado. Outro exemplo: para o próximo Governo comunitário o primeiro-ministro quer Pedro Marques, mas é mais importante a pasta do que o nome. E Costa é claro nesse objetivo: quer uma pasta de peso, a do orçamento está no topo das prioridades. Ainda que — e baralhando e dando de novo — “se Centeno se mantiver no Eurogrupo, faria pouco sentido duplicar a mesma área na comissão”.
Está no centro deste jogo, ao mesmo tempo que está a quatro dias de fechar as listas do PS de candidatos a deputados. Um dos cuidados que assume vir a ter é o das relações familiares, dando sinal da delicadeza do assunto familygate para o partido que lidera. Também fala da lei de bases da saúde e afirma que quer que as parcerias público-privadas se mantenham, embora na regulamentação possa vir a travar a gestão clínica.
Veja aqui o vídeo com a entrevista:
Centeno está na “short list” do FMI, mas não “não era o nosso objetivo”
No início do mês, disse que tinha recusado a possibilidade de vir a ocupar um cargo de topo na União Europeia com a frase “Não tenciono desertar de Portugal”. Esta semana… está a falar-se na hipótese de Mário Centeno ser o próximo líder do FMI. Admite a hipótese de o ministro das Finanças poder — para usar as suas palavras — “desertar de Portugal” para ir para o FMI?
A meu respeito, essa frase é um compromisso que tenho com o país. Há cinco anos, quando me candidatei à liderança do PS, apresentei uma agenda para a década e é esse compromisso e esse horizonte que tenho para realizar o programa. Com isso não fiz nenhum juízo sobre o passado, e já tive oportunidade de esclarecer que não me referia à opção que o dr. Durão Barroso fez em 2004, nem falo obviamente de outras personalidades cujo desempenho de cargos internacionais é do interesse do país…
Seria bom, então, que Mário Centeno pudesse ser escolhido. A diplomacia portuguesa está a trabalhar para isso?
Não é um objetivo que tenhamos fixado. O objetivo que temos neste quadro situa-se no âmbito da União Europeia, e no âmbito de objetivos bastante precisos que serão objeto das minhas conversas com a senhora Von der Leyen. A hipótese que está em cima da mesa relativamente ao FMI é uma hipótese que não podemos deixar de considerar. Não era um objetivo que tivéssemos, nem um objetivo de vida pessoal, mas estando em cima da mesa… Vamos ver.
Que probabilidades há na sua cabeça para o Ministro das Finanças ser escolhido neste momento?
Neste momento é prematuro estarmos a fazer juízos de probabilidades. Quando apresentámos a candidatura do engenheiro Guterres [à ONU], por exemplo, fizemos essa avaliação e a eleição dele era um objetivo do país. Quando construímos a solução de Mário Centeno vir a presidir ao Eurogupo também era um objetivo que tínhamos. Neste quadro, é diferente. Como sabemos, a vaga no FMI surgiu no quadro das negociações para encontrar uma boa solução para o BCE com a saída da senhora Lagarde. Portanto, neste momento há um número limitado de ministros das Finanças da União Europeia que estão numa short list para poderem vir a desempenhar essas funções. Mas não fixamos isso como um objetivo.
Se vier a acontecer, criava-lhe um problema para a constituição do próximo governo, se tiver de vir a fazer um próximo governo?
Evidentemente teríamos de fazer um governo diferente daquele que temos. Visto que, ao contrário da presidência do Eurogrupo em que ser ministro de um dos governos da zona euro é requisito para o exercício dessa função, o quadro de diretor-geral do FMI é incompatível com essa função. Não vale a pena neste momento estarmos aqui a antecipar, mas seguramente não haverá um governo sem ministro das Finanças e teremos seguramente uma boa solução com um ministro ou uma ministra das Finanças.
Comissário europeu. Costa prefere pasta orçamental, mas “há variáveis a ter em conta”
Mas será Mário Centeno? Pergunto isto porque entrámos agora na fase da escolha dos nomes para comissário europeu de cada país, e o nome de Mário Centeno é um dos que corre nos bastidores políticos para uma pasta que tenha a ver com a gestão dos dinheiros da Europa. Mário Centeno é uma possibilidade para esse lugar?
Já tive uma conversa com a senhora Von der Leyen e o que ficou acordado é que cada país apresentaria sempre dois nomes, uma pessoa de cada género. O que lhe foi dito da nossa parte foi quais eram as nossas preferências em matéria de áreas na Comissão Europeia, e que os nomes que apresentaríamos eram em função dos pelouros que viéssemos a ter.
E quais foram as áreas que apresentou à presidente da Comissão?
Tenho visto na imprensa que muitos países têm apresentado nomes, a nossa lógica é diferente: decidimos que responsabilidades queremos ter no âmbito da UE, e em função dessas responsabilidades escolhemos quem são as pessoas adequadas para o exercício dessas funções.
E que responsabilidades disse à presidente da Comissão Europeia que gostava de assumir?
Creio que neste momento era importante para Portugal ter uma função na área dos fundos europeus, na área do orçamento. Nós temos tido ao longo destes anos cargos muito generosos no exercício de funções de grande responsabilidade, mas sem defesa dos interesses específicos do país: o dr. António Vitorino por exemplo foi o fundador da área da liberdade, segurança e justiça, teve a pasta das migrações, que é de grande relevância política; o dr. Durão Barroso fez dois mandatos como presidente da Comissão Europeia, mas não defendia também um interesse específico do país. O que acho é que, nesta fase, é importante que assim seja. Claro que também depende muito: se o professor Mário Centeno continuar como ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, essa é uma área fundamental para o país onde já estamos fortemente presentes, por isso faria pouco sentido duplicar a mesma área na Comissão, e nesse caso seria vantajoso estarmos numa área distinta daquela que estamos no Eurogrupo. Se se concretizasse a hipótese de Mário Centeno ser diretor-geral do FMI, aí deixamos de ter uma presença nesta área da reforma da zona euro, que é para nós capital… por isso, há um conjunto de variáveis a ter em conta.
Qual é a área preferencial para Portugal, tendo em conta tudo isso?
Há muita gente que também entende que era importante para nós termos uma presença forte na área da Agricultura… há varias áreas que são interessantes. As alterações climáticas, a transição para a sociedade digital, também são muito importantes. Estamos relativamente abertos. Como já se provou, mesmo quando não são áreas de interesse específico do país, a presença de Portugal e um bom desempenho de um comissário português valoriza o país e ajuda o país nas negociações múltiplas. A forma como nos últimos 5 anos o comissário Carlos Moedas exerceu funções numa área onde, à partida, não tínhamos um interesse específico, obviamente ajudou muito em negociações difíceis para que a sua posição fosse particularmente relevante para Portugal.
Então, tendo em conta que há estas variáveis, isso significa que Pedro Marques não é necessariamente o nome que Portugal vai ter como comissário na União Europeia?
Não, é seguramente um excelente nome e para algumas dessas funções é seguramente a melhor pessoa para as poder desempenhar. Ou pelo menos, a melhor pessoa do género masculino para a poder desempenhar.
No seu discurso do Estado da Nação admitiu alguns problemas do governo e do país, mas não usou uma única vez a palavra “cativações”. Facto é que em 2018 teve cativações na ordem dos mil milhoes de euros e só descativou 300 milhões de euros e manteve cativos quase 800 milhões de euros. Em que tipo de despesas é que foi poupado este montante?
As cativações não são um problema, são como um travão de um automóvel. O travão é essencial para a condução, não é só acelerar, é preciso travar e diminuir a velocidade quando é necessário. Nós felizmente tivemos uma trajetória nestes quatro anos onde as cativações nunca foram um instrumento de corte na despesa, mas sim de controlo do aumento da despesa. Nós nunca usamos as cativações para gastar menos em nenhuma área. Foi para não gastar tanto quanto tínhamos autorização para gastar por parte da Assembleia da República. E essa gestão tem de ser feita ao longo do ano em função da concretização ou não da previsão das receitas, da evolução do conjunto da atividade económica, da necessidade de reorientar a despesa que em outubro pensamos que deve ser alocada a um certo tipo de atividade, mas que ao longo do ano, por fatores diversos, percebemos que é necessário reforçar outra área. Portanto, as cativações são basicamente um instrumento de gestão do orçamento, não são um problema.
Mas tiveram consequências em várias áreas. Houve vários serviços públicos com queixas dos utentes, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde.
Aí está um exemplo: as queixas relativamente ao SNS nada têm a ver com cativações, porque se há área onde nos últimos anos não houve cativação é relativamente ao SNS.
Houve cativações nos primeiros anos, e houve cativações na Direção-Geral de Saúde, e até houve um acordo com o BE precisamente para acabarem essas cativações.
Sim, mas vamos lá ver. Houve cativações em muitas áreas e nem todas as despesas que são realizadas no Ministério da Saúde têm a ver diretamente com a prestação de cuidados de saúde. A aquisição de papel, a aquisição de lápis, a aquisição de material informático para os serviços do Ministério da Saúde. Não estou a dizer que não são importantes, mas não é daí que depende essencialmente a qualidade da saúde e aí o Ministério da Saúde não é distinto dos outros ministérios. Quando se toma uma decisão como a de reduzir o consumo de papel, quer por razões ambientais quer por razões orçamentais, isso pode ser transversalmente aplicado. Não quer dizer que há um menor cuidado de saúde. Hoje felizmente grande parte das receitas médicas já são eletrónicas, o que além de ser mais cómodo tem ainda a vantagem de servir para controlar melhor a despesa e evitar a fraude. Agora, a área da Saúde, aquela que tem a ver diretamente com a prestação de cuidados de saúde, está fora do âmbito das cativações. Ao longo desta legislatura, ano após ano, a soma total de aumento da despesa com o Serviço Nacional de Saúde foi 4.600 milhões de euros. Este ano temos mais 1.300 milhões de euros na área da saúde do que tínhamos no OE de 2015. A área da Saúde foi uma área de claro reforço das despesas de funcionamento, das despesas de investimento e da contratação de pessoal — são mais 11 mil profissionais do SNS.
O caso das 35 horas semanais também foram uma pressão para reforçar a contratação?
Quando as pessoas são contratadas são-no com um horário de trabalho. Portanto, quando há uma alteração unilateral — que pode ocorrer em situações excecionais como aquela que o país viveu — não se pode transformar em regra. Aliás, o Tribunal Constitucional interveio por diversas vezes a dizer que não era aceitável que isso acontecesse. Por isso, a reposição das 35 horas foi uma necessidade. Mas não houve essa alteração em relação aos médicos, por exemplo. Quando ouvimos dizer que falta um anestesista ali ou ortopedista ali nada tem a ver com as 35 horas nem com as cativações mas sim com a forte concorrência que existe da parte do privado. Esse é, aliás, um grande desafio do Serviço Nacional de Saúde.
Então, em sua opinião, não houve nada de relevante que tivesse ficado por fazer por causa das cativações e portanto nada impede que o próximo Governo continue a utilizá-las ao mesmo ritmo que tem utilizado até agora?
As cativações são um instrumento de gestão orçamental e todos os governos o usaram.
Mas levou-o a um novo nível.
Levou-se a um novo nível por uma razão: é que a despesa esteve sempre a aumentar. Antigamente as cativações existiam para fazer cortes na despesa. Desta vez, as cativações existiram para permitir controlar o aumento da despesa. Felizmente, esta gestão orçamental permitiu reforçar a despesa e eliminar quase por completo o défice — chegaremos ao fim do ano com um défice de 0,2%. Há até quem já diga que é um exagero tanto corte no défice quando durante anos o país vivia com a aflição de saber como se chegava ao fim do ano sem que o défice aumentasse. E ao longo desta legislatura, que começámos com um défice de 4,4%, fomos reduzindo o défice sistematicamente e dando tranquilidade aos portugueses, porque as metas que fixávamos eram metas que sabíamos que podiam ser alcançadas. Antes havia poucas cativações mas, por exemplo, na legislatura anterior houve um orçamento retificativo por ano, pelo menos. Nós fizemos uma legislatura inteira, com um governo minoritário, com uma base parlamentar inovadora que muitos anteviam que fosse a guarda avançada do diabo e apresentámos apenas quatro orçamentos. E em quatro orçamentos cumprimos sempre as metas que tínhamos estabelecido e com mais tranquilidade. Se houvesse mais dinheiro fazíamos mais? Com certeza.
Também cumpriu esta legislatura com um Ministro das Finanças com poderes reforçados. Consegue lembrar-se de qual foi a última vez que tomou uma decisão contra a opinião de Mário Centeno?
Um Governo é uma equipa. E nesta equipa cada um tem de conjugar as suas próprias prioridades com as prioridades de todos. Se o Governo fosse só a Ministra da Saúde dir-lhe-ia que sem grande dificuldade que 70% do orçamento seria para a saúde…
“Eu e Mário Centeno muitas vezes estivemos em desacordo”
A pergunta é se se lembra de um exemplo que nos possa dar em que o ministro das Finanças tinha uma posição e o primeiro-ministro — porque também há uma hierarquia no governo — teve uma opinião diferente.
Houve imensas. Mas acha que num governo, por arte mágica, pensamos todos 100% a mesma coisa sobre todas as matérias? O que existe num governo é um trabalho de equipa, um esforço de concertarmos as diferentes prioridades que o Estado tem. O Estado tem de investir mais em saúde, mas tem de conseguir fazê-lo sem que isso signifique um aumento do défice. Tem de controlar o défice permitindo investir na saúde, mas sem que isso signifique aumentar os impostos sobre os portugueses. A conjugação de um conjunto destes objetivos é que é a governação. O que é a governação? É um exercício permanente da satisfação de necessidades que são por definição ilimitadas através de recursos que por definição são finitos. Essa é a opção. Estivemos em desacordo? Muitas vezes estivemos em desacordo. Umas vezes convenceu-me, outras vezes convenci o dr. Mário Centeno, outras vezes acordamos sobre qual era o ponto de encontro certo. A verdade é que não tivemos ao longo destes quatro anos — gostaria de sublinhar isto, ainda temos uns meses pela frente, as coisas ainda podem correr de forma diferente —, mas a verdade é que tivemos ao longo destes quatro anos um governo onde não houve uma única situação de rutura por divergência política. Estivemos sempre todos 100% satisfeitos? Não. Estar na governação comporta sempre um grau de insatisfação muito grande porque, obviamente, quem tem de fazer quer sempre fazer mais do que aquilo que efetivamente faz. Quer ter mais recursos do que aquilo que efetivamente tem.
E isso não é o que tem planeado agora para a próxima legislatura? Vai candidatar-se, as sondagens são lhe favoráveis, já sabemos que as contas certas mantém-se como um dos objetivos do Partido Socialista, mas também sabemos que uma das prioridades é o reforço dos serviços públicos. Isto não vai aumentar as situações de tensão dentro do governo? Ou acha que a estratégia vai ser diferente? Não passará tanto pelas cativações de que falámos até aqui?
Passa por continuarmos a poder produzir os recursos necessários para continuarmos a melhorar os serviços públicos, mantendo as contas certas. O maior esforço foi o de ajustamento — foi um esforço que o país fez —, mas isto é como a dieta. Agora temos as contas certas, vamos chegar este ano aos 0,2% do défice, para o ano esperamos ter o défice equilibrado, mas isto não pode ter sido um exercício de emagrecimento a que depois se regressa a uma situação de finanças públicas descontroladas. Temos de manter as finanças públicas controladas. Hoje o que o país criou foi hábitos de gestão dos seus recursos que não comprometem a melhoria dos serviços públicos. Pelo contrário, acho que hoje temos melhores condições para o fazer. Quais são as duas variáveis fundamentais para termos reduzido o défice? Não tem a ver com as cativações. A Primeira variável fundamental tem a ver com a criação de emprego — porque há diminuição da despesa com subsídio de desemprego e o aumento da receita, por via das contribuições sociais das pessoas que entretanto encontraram trabalho, explica praticamente 50% da redução do défice. A outra metade é praticamente preenchida com a redução da despesa com a taxa de juro. Nós hoje pagamos cerca de menos dois mil milhões de euros por ano de juros relativamente àquilo que pagávamos no início da legislatura. Isso deve-se a quê? Deve-se à reposição da credibilidade internacional do país, a termos retirado o país do procedimento de défice excessivo, a todas as agências de notação terem retirado a dívida pública portuguesa da notação de lixo. Hoje pagamos uma taxa de juro — ainda não a vi hoje —, mas que deve estar nos 0,4 ou 0,5 quando estava acima dos 4% ainda há três anos. Portanto, o que poupamos em juros é o que nos permite reforçar a despesa. Olhe, os dois mil milhões que poupamos em juros por ano é praticamente o que reforçamos na despesa do Serviço Nacional de Saúde. Esta margem de liberdade sobre o que queremos e onde queremos gastar os recursos ganhamos hoje e antes não tínhamos. Infelizmente. Felizmente temos e temos de fazer as escolhas certas.
Deixe-nos olhar para a frente, até porque amanhã vai apresentar uma convenção nacional do Partido Socialista e o programa eleitoral para a próxima legislatura. O que é que tem nesse programa que mais afetará a vida das pessoas? Quanto é que tem previsto para aumentar a função pública e para reduzir impostos?
Em matéria de impostos, aquilo que temos sempre dito é que iremos prosseguir a trajetória da redução da tributação sobre o trabalho.
Isso vai traduzir-se em quê?
Traduziu-se, nesta legislatura, na eliminação da sobretaxa, na criação de novos escalões que permitiram melhorar a progressividade. Acho que na próxima legislatura vamos continuar a aumentar a progressividade.
Próxima legislatura: mais escalões no IRS para aliviar a classe média
Mais escalões?
Mais escalões e, sobretudo em relação à classe média, desdobrar os escalões de forma a reduzir a tributação sobre a classe média. Posso dar um exemplo: vamos aumentar as deduções em função do número de filhos. Ou seja, a redução vai aumentando em relação ao número de filhos. Não em função do rendimento das famílias, porque as crianças são todas iguais, mas uma família com dois filhos têm obviamente encargos desproporcionalmente superiores a uma com um filho. Se tiver três filhos, a mesma coisa. Vamos aumentar as deduções em função do número de filhos o que é uma medida muito importante para apoiar as jovens famílias e criar condições para que o país possa ter uma inversão da sua trajetória demográfica que, como sabe, é particularmente negativa. Enfim, criações de maior estabilidade económica, de mais e melhor emprego permitiu, ao longo desta legislatura, aumentar o número de nascimentos. Este ano tivemos um novo aumento importante neste primeiro semestre, mas temos de prosseguir. Para que isso aconteça é fundamental continuar a ter essas medidas. O que fazemos em relação à primeira infância é concentrar um conjunto de medidas transversais: em matéria fiscal, que permitirá reduzir o IRS pago pelas famílias em função do número de filhos, a incorporação no abono de família do que chamamos o cheque de creche, o apoio ao financiamento das creches na primeira infância, prosseguir a avaliação do pré-escolar. São medidas que vão ter impactos concretos na vida das pessoas e que são muito direcionadas para este objetivo que tem a ver com o desafio demográfico e com a criação da oportunidade das famílias poderem ter os filhos que desejam ter.
E nos salários da função pública? Já admitiu que vai haver aumentos nos quadros intermédios, tem um número na cabeça para fazer face a esta despesa adicional?
Não tenho um número na cabeça, mas relativamente à administração pública temos um objetivo de política de gestão dos nossos recursos humanos que implica revalorizar o vencimento dos quadros superiores da administração pública e dos quadros técnicos. Hoje, felizmente, o setor privado superou a crise, os níveis de emprego estão já muito elevados e isso pressiona e tem contribuído positivamente para um aumento dos vencimentos no setor privado e o setor público tem de acompanhar, sob pena de ficar depauperado. Hoje temos muitos serviços na administração pública onde os quadros técnicos se esvaziaram porque foram anos sucessivos com limitações de contratação. Do que me recordo pelo menos desde 2000 que o Estado começou a criar limitações à substituição dos quadros que se iam reformando. Ao fim de 19 anos isso cria um gap geracional terrível. É por isso que começámos agora um dos maiores concursos de sempre de admissão de técnicos superiores da administração pública, para mil quadros técnicos, vocacionados sobretudo para as funções centrais nos ministérios, funções que têm a ver com planeamento, com análise prospetiva, com os gabinetes de estudos, que são áreas onde os ministérios ficaram muito depauperados. Estive oito anos fora do Governo, enquanto estive na Câmara Municipal de Lisboa, e uma das grandes surpresas que tive quando regressei ao Estado foi verificar o estado em que o Estado — passo a redundância — se encontrava, o estado de depauperação de quadros técnicos em que a administração pública central se encontrava. O que aliás contrasta muito com as câmaras. Como as câmaras têm um quadro de pessoal muito mais jovem, a câmara de Lisboa tinha — e presumo que ainda tem — um quadro técnico de grande capacidade e muito diversificado.
“Temos de retomar a normalidade da atualização anual dos salários”
A esse nível vai haver uma resposta salarial?
Sim. Agora que repusemos os vencimentos todos, que foi reposto tudo o que tinha sido cortado, temos de retomar a normalidade da atualização anual dos salários. Isso é uma regra de vida que tem de regressar à normalidade na administração pública e temos de ter uma reavaliação dos quadros técnicos.
Vai apresentar o programa eleitoral amanhã. Já se sabe que há coisas que poderão cair no dia seguinte às eleições como se viu em 2015. Há medidas que não estarão abertas a negociação?
Com certeza. Como em qualquer negociação. Quando se forma uma solução governativa que implica negociação, obviamente que implica que haja medidas que possam não ser executadas, como há medidas que são linhas vermelhas que não podem ser ultrapassadas.
Como por exemplo?
Vou dar um exemplo do passado, porque no futuro não sabemos que negociação vamos fazer nem quais são as linhas vermelhas…
Mas já sabe qual é o seu programa…
Há algumas linhas vermelhas que se mantêm: a participação na União Europeia, na zona euro, os compromissos internacionais de Portugal. São linhas vermelhas que estabelecemos e que cumprimos.
E a reforma do sistema eleitoral, por exemplo?
Aí está um exemplo de uma medida que caiu visto que foi condição quer do PCP, quer do BE, quer do PEV: que não houvesse uma alteração do sistema eleitoral.
Então também não vai fazer finca pé em relação a isso, se tiver de negociar?
Há muitos anos que acho que é desejável para o país, aliás, apresentei em 1997 uma proposta de lei de reforma do sistema eleitoral que compatibilizava um respeito estrito pela proporcionalidade com a criação de círculos uninominais que permitissem uma maior aproximação entre o eleito e o eleitor. Continuo a considerar aquilo que já considerava na altura e que infelizmente a experiência tem confirmado: temos um sistema eleitoral que tem tudo a ganhar com uma aproximação entre eleitos e eleitores para reforçar a confiança dos cidadãos no funcionamento do sistema político.
E essa medida vai voltar a estar no programa do PS?
Voltará a estar no programa do PS, mas presumo que continue a não gerar um consenso suficiente na sociedade portuguesa.
Ter constante medidas que depois podem cair, não põe em causa a credibilidade do partido? As pessoas vão votar num programa que pode não ser o programa que vinga.
Quem decide as condições de governação são os cidadãos quando votam. Se os cidadãos desejarem que o programa seja cumprido a 100% dão condições para que o programa seja cumprido a 100%. Mas se os cidadãos desejam, como aliás tendem habitualmente a desejar, que haja menos possibilidade de haver maiorias e mais necessidade de haver consensualização, nesse caso os acordos implicam necessariamente que eu tenha de fazer algumas coisas que não tinha inicialmente previsto fazer e que não possa fazer algumas coisas que tinha previsto fazer.
Só com maioria absoluta é que isso acontece.
O balanço que fazemos desta legislatura é que, tudo visto, manifestamente as pessoas estão satisfeitos com os resultados alcançados, e mais confiantes. No princípio desta legislatura havia pessoas que, não digo que tivessem pedido asilo político, mas que consideraram que a figura do diabo não era propriamente uma figura de retórica mas era algo que efetivamente anteviam. Acho que hoje está tudo mais normalizado, bastante mais tranquilo, e as pessoas compreenderam efetivamente que é possível haver compromissos, e que o PS é o garante de que qualquer compromisso não põe em causa a participação de Portugal na UE, nem a boa gestão orçamental, nem a atração do investimento, o crescimento económico, etc. Isso são garantias fundamentais para o futuro do país.
Fogos. “Os press release do Tribunal de Contas costumam ser bastante mais dramáticos do que aquilo que é a realidade efetiva”
Falando em confiança, hoje saiu um documento que pode abalar a confiança dos portugueses num ponto. Estou a falar da auditoria do Tribunal de Contas à forma como o Estado geriu os 7 milhões de euros em donativos para as vítimas dos fogos. O tribunal aponta falhas graves na distribuição do dinheiro, diz que não é claro se os apoios foram dados apenas a quem precisava, diz que não foram devidamente acauteladas as possibilidades de fraude e corrupção. Quem é o responsável político por isto?
Esse relatório só chegou ontem ao final do dia ao governo, irei analisar. Mas daquilo que pude ler, não vi uma única acusação concreta de má utilização dos fundos, vi suposições. Dizer que não foram definidos concretamente os objetivos não é correto: os objetivos de utilização dessas verbas foram claramente definidos, eram para apoios a primeiras habitações e equipamento das casas. A parte mais crítica é relativamente aos apoios agrícolas, mas isso é não ter mesmo consciência do que é que se passava no terreno nessa altura. É não ter consciência da quantidade de prejuízos que muitos pequenos proprietários tiveram na atividade agrícola, e não ter consciência de que os apoios disponibilizados por via do Ministério da Agricultura e das linhas de apoio da UE implicavam uma carga burocrática absolutamente gigantesca. Devem ser esses os mecanismos que o Tribunal de Contas acha que deviam ser praticados em situações de emergência. Para apoiar esses milhares de pequenos agricultores, decidimos criar uma linha de apoio para limiares inferiores aos que eram cobertos pelas linhas de financiamento no âmbito da Política Agrícola Comum, e que dispensavam esses mecanismos de controle.
Não é só uma extravagância do Tribunal de Contas, o Ministério Público também está a investigar a forma como foram atribuídos, nomeadamente o facto de não ter sido acautelada a possibilidade de fraude.
São coisas distintas. O que o Ministério Público tem estado a investigar, e ainda bem, tem a ver com os apoios fora do âmbito do programa Revita, relativos à atribuição de habitações. Felizmente os casos que estão sob investigação são uma ínfima parte do universo total dos apoios à reconstrução das habitações. Isso é um fator de segurança dos portugueses: saber que temos um Ministério Público autónomo, que ninguém está acima da lei, e que quando há uma suspeita essa investigação é feita. Portanto, aguardemos o final dessa investigação para tirar conclusões.
E o relatório do Tribunal de Contas?
Relativamente ao relatório do Tribunal de Contas, eu não quero estar aqui a comentar um relatório que ainda não li, porque só chegou ontem ao fim do dia. Mas do que vi ontem na comunicação social, para além de se dizer ‘não houve controlo e portanto isso pode ser um risco’, não vi que tivesse sido apontado um único caso de má utilização dos fundos. Se houve, seguramente o tribunal fará o que lhe compete que é informar o Ministério Público. Até agora, ainda não vi um único caso disso, o que vi foram dúvidas metodológicas sobre a situação. Outra realidade completamente distinta é quando há uma área agrícola completamente devastada, com animais que precisam de ser alimentados e não têm alimento porque as pastagens foram destruídas, e os animais não podem estar um mês à espera que o alimento chegue. Nesse caso, a atuação de emergência está obviamente sujeita a mecanismos de controlo que têm de ser distintos do que é a situação normal. Não podem estar sujeitos a cativações, por exemplo, porque a despesa de emergência não pode estar à espera da autorização do Ministério das Finanças. A despesa não pode estar sujeita a visto prévio do Tribunal de Contas, senão não é possível responder à emergência. Vou ler o relatório com serenidade, mas a experiência tem-me dito que os press release do Tribunal de Contas costumam ser bastante mais dramáticos do que aquilo que é a realidade efetiva do que consta dos relatórios.
Lei de bases da Saúde. “PPPs não vão ser proibidas”
Hoje será aprovada à esquerda a lei de bases da saúde, depois de uma negociação de última hora. Para si está claro que as PPP não vão ser proibidas nesta legislação e na regulamentação que se seguirá?
Acho que esse tema das PPP foi hipervalorizado neste debate da lei de bases da Saúde.
Mas é um tema que diferencia o PS dos seus parceiros da esquerda.
É verdade mas esse tema foi hipervalorizado. Primeiro, porque as PPP representam cerca de 4% da totalidade da despesa com saúde. Em segundo lugar, porque o número de PPP é muito limitado e mais limitado ficará porque muitas delas não estão a ser renovadas — quer por opção do Estado quer por opção dos privados. Portanto, no futuro vão ter uma expressão menor do que aquela que têm. O que era fundamental na lei de bases era pôr termo ao equívoco que resultava da lei de bases de 1990, que dizia que era obrigação do Estado promover o desenvolvimento do setor privado para que o setor privado concorresse com o setor público. O que era essencial, e sobre isso nunca houve nenhuma divergência, é que a responsabilidade do Estado em matéria de Saúde se concretiza essencialmente com a constituição do SNS como um serviço de natureza pública, universal e tendencialmente gratuita. Depois, essa questão das PPP foi hipervalorizada, mais por razões eleitorais do que por razões de substância. A solução que foi encontrada é a solução que eu acho inteligente: permitir que a lei de bases da saúde seja aprovada com consenso amplo e que seja o que deve ser uma lei de bases, que é uma lei definidora de princípios, enquadradora, e que permite depois, na legislação de desenvolvimento e no respeito por esses princípios gerais, opções diversas.
O que é que são opções diversas? No caso das PPP, e temos de ser mesmo concretos nisto porque foi uma questão muito falada e que podia ter posto em causa esta lei de bases, vão ser proibidas ou não?
Não, não vão ser proibidas. O que esta lei de bases faz é o seguinte: revoga o decreto-lei de 2002 que regula as PPP e prevê que em 180 dias seja produzida nova regulamentação no desenvolvimento do que está previsto na Base VI. O que prevê essa base é que a gestão do SNS é da responsabilidade do Estado, permitindo-se depois, de forma temporária, excecional e supletiva, que possa ser objeto de contratação com outras entidades do setor social e do setor privado. E é preciso haver uma distinção: uma coisa é o que a lei de bases permite, outra coisa é a vontade política de um governo. O que eu já disse é que não é vontade política de um governo meu aumentar o número de estabelecimentos onde existam PPP.
Mas isso não chega para a esquerda.
Uma lei de bases não é a Constituição. Não precisa de dois terços para ser revista. É uma lei de valor reforçado que só é útil verdadeiramente se conseguir ter uma duração que transcenda a duração limitada de uma maioria. Enquanto a atual maioria existir é indiferente o que diga a lei de bases, porque basta decidirmos que não há mais PPP ou que não renovamos as PPP e não precisamos de lei de bases para as regular. O que é importante é que a lei de bases consolide um acordo político alargado.
Que permita que as PPP existam caso a maioria seguinte o pretenda?
Sim, mas nunca poderão existir como existiam até agora. Senão não tinha utilidade nenhuma.
Explique uma coisa para que fique claro. Em 180 dias vai haver uma nova regulamentação. Nessa regulamentação vai depender da maioria que existir.
Com certeza.
Então para o PS tanto faz ser mais público ou mais privado? Porque uma maioria de direita e uma maioria de esquerda teriam intenções diferentes.
Não. E é isso que estou a tentar explicar. Uma coisa é o programa de um governo ou o programa do PS. No programa do PS não está prevista a existência de nenhuma PPP. Outra coisa é uma lei de bases, que estabelece os grandes princípios e os grandes objetivos em matéria de política pública. Essa lei de bases não pode ser o meu programa, porque senão não preciso da lei de bases para nada. A lei de bases só tem vantagens se for uma lei que transcenda o âmbito de uma maioria e de um conjuntura política e que portanto possa ter durabilidade. A atual existe desde 1990 e já tivemos várias maiorias. Uma das grandes vantagens na Educação, por exemplo, temos tido uma lei de bases que tem durado décadas e isso tem permitido estabilizar aquilo que é o corpo fundamental na área da política educativa. E o mesmo relativamente à Saúde. A mim não me interessa ter uma lei de bases que, desde logo, seja vetada pelo Presidente da República. Depois regressa ao Parlamento e esta maioria tem poder para superar o veto. Muito bem, é uma grande vitória, uma grande bandeira, FRA, impusemos uma lei de bases ao Presidente da República. Mas o que é que acontece quando chegar uma nova maioria? Muda imediatamente a lei de bases. Nesse caso, a lei de bases só existiria para um quadro político onde não era necessária.
A lei de bases não proíbe as PPP. A regulamentação pode proibir?
Pode.
E quer que proíba?
Não.
Admite que essa regulamentação possa ser negociada à esquerda ou acha que vai ser difícil chegar a esse compromisso?
Depois de entrar em vigor a lei de bases, que entrará em vigor em 60 dias, teremos de proceder a essa regulamentação. Temos tempo para tratar dela. Acho que temos tudo a ganhar com a avaliação da própria experiência feita. A experiência feita demonstra que em alguns casos as poucas PPP que existiram tiveram uma avaliação positiva mas também não tiveram uma diferenciação em relação à gestão pública que tenha servido para encontrar a varinha mágica da gestão dos estabelecimentos do SNS. O que constará do programa do PS, que será aprovado este sábado, é que não iremos fazer noutros estabelecimentos onde nunca tenha havido PPP qualquer PPP. E manteremos a regra de avaliar em concreto os casos em que existem.
“Há uma certa tendência para uma hipervalorização mediática das posições do BE”
Admite que na regulamentação possa existir algo que permita as PPP para a construção de hospitais mas ter a gestão clínica exclusivamente pública?
Sim. Aliás, acho que a diferença não tem a ver com a construção. Tem a ver com a gestão. E não é bem divergência, porque eu não sou defensor das PPP na gestão clínica. A questão é saber se a lei deve proibir ou não. Não é se eu sou a favor ou não, até porque não sou a favor. Não encontrei ainda nenhuma vantagem diferencial na gestão privada dos hospitais públicos. Não é um modelo que me entusiasme.
Pode cingir-se à construção de hospitais?
Sim. Aliás é o que ficou estabelecido para esta legislatura. Dos cinco hospitais que estão a ser lançados, pelo menos um deles, o Hospital Oriental de Lisboa, será construído por via de uma PPP. A gestão clínica é distinta. Pessoalmente não tenho particular entusiasmo com as PPP. Mas há uma ideia que eu tenho firme na minha cabeça: há boa gestão ou má gestão e nunca encontrei evidência que por definição a gestão privada fosse boa e a pública fosse má mas também não encontrei evidência de que a gestão privada era necessariamente má e a pública necessariamente boa. Acho que depende. Temos de ter boa gestão, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a introdução num estabelecimento público de um mecanismo de gestão privada não tem cumprido com as expetativas que se anteviam quando se lançou o modelo. Nos casos que já existem, se tem corrido bem deixemos ir. Quanto à regulamentação, temos tempo para trabalhar sobre ela. Mas insisto: a grande mudança nesta lei de bases não tem nada a ver com as PPP, que teve um peso hipermediático.
Porque ia comprometendo a aprovação da lei.
Porque ia comprometendo a aprovação da lei e porque há uma certa tendência para uma hipervalorização mediática das posições do Bloco de Esquerda. E, portanto, isso acaba por ter muitas vezes uma distorção relativamente àquilo que é a realidade. Muitas vezes é injusto, por exemplo, com o PCP que teve em matéria da Lei de Bases da Saúde uma posição altamente construtiva e, aliás, decisiva para que a Lei de Bases existisse.
Lei laboral. “Não percebo como PCP e BE não votaram a favor”
A questão da legislação laboral também foi uma hipervalorização daquilo que é a posição do Bloco, que veio dizer já que nada do que a esquerda quis ficou consagrado. É um exagero ou admite que as negociações para a legislação laboral foram o maior falhanço da chamada geringonça?
Não. Foi um sucesso da concertação social.
Estou a falar da geringonça especificamente. Do governo PS, apoiado por PCP e Bloco.
É uma área onde por razões que eu tenho dificuldade em perceber, o PCP e o BE não vão votar favoravelmente a primeira legislação que desde 1976 é produzida para reforçar os direitos dos trabalhadores, reforçar a contratação coletiva e combater a precariedade. Não percebo como é que é possível votar contra uma lei que relativamente aos contratos a prazo, elimina dois fundamentos dos contratos a prazo: ser jovem à procura de primeiro emprego e ser desempregado de longa duração. Que hoje determina, só por si, a possibilidade de inexistência de contrato a prazo, deixa de ser possível. Que diminui a possibilidade de renovação dos contratos a prazo. Que estabelece uma regra absolutamente fundamental que é que a totalidade das renovações não pode exceder o prazo da primeira contratação. Se tiver um primeiro contrato a prazo por seis meses, a as renovações seguintes não podem ultrapassar os seis meses. Significa que a situação de precariedade não pode durar mais de um ano. Que penaliza as empresas que abusam do recurso a contratos a prazo. E, portanto, acho a radicalização dessa posição e a incapacidade de compromisso de apoiar esta legislação, se deve única e exclusivamente porque querem ter uma corrida eleitoral a dizer que há uma diferença entre eles e o PS.
Na próxima legislatura admite recuar nestas matérias de que precisará. Ou esta é uma das linhas vermelhas?
Nós acreditamos na concertação. Eu sei que os parceiros à esquerda não acreditam na concertação social, mas nós acreditamos. É importante na sociedade que haja um esforço de entendimento entre os diferentes parceiros sociais. Aliás, a concertação social não vai mais longe do que aquilo que devia ir porque um dos parceiros fundamentais, a CGTP, tende a criar uma imagem de que haja o que houve nunca assina qualquer acordo e, portanto, a sua posição acaba por contar menos. E acabou por se estabelecer um princípio de que há acordo desde que as confederações patronais e a UGT se entendam. Eu acho que isso diminui o peso negocial das centrais sindicais. Se a CGTP tivesse uma outra postura em sede de concertação, isso reforçava a força dos sindicatos na mesa negocial. Se as pessoas percebessem tinham também de se entender com a CGTP, que a CGTP no final do dia estava efetivamente disponível para negociar. A ideia que se estabelece é que haja o que houver, nunca assinam. Portanto, acabam por não ter o peso negocial. Enfim, não me compete a mim definir a estratégia sindical. Agora, acho que numa sociedade equilibrada, decente, onde o mundo do trabalho está muito fragilizado é preciso dar força à ação e à atividade sindical. E por isso, uma das reformas importantes desta legislação e desta legislatura foi voltar a dar força à contratação coletiva. Hoje há mais um milhão de pessoas cobertas por acordos coletivos de trabalho do que havia no início desta legislatura. Agilizámos muitas portarias de extensão para alargar o efeito da contratação coletiva. Agora, é preciso que todos os parceiros apostem efetivamente na concertação social, no diálogo social e na contratação coletiva.
E isso é uma linha vermelha para si?
Isto não é uma questão de linha vermelha. Temos de perceber o seguinte: esta solução de governo, não foi uma coligação, como as coligações tradicionais. Há uma coisa que Jerónimo de Sousa costuma dizer bem é o seguinte: ‘O nível de compromisso depende do nível da convergência. E o grau de convergência que temos, permitiu fazer o que fizemos. E eu acho que isso é muito importante e tem muito haver com a autenticidade e com a confiança que os portugueses podem ter e cada um destes partidos. Nenhum destes partidos se predispôs a sacrificar elementos que são da sua própria identidade. Eu acho que isso foi muito pacificador.
E o ministro Vieira da Silva sai um pouco desgastado.
O ministro Vieira da Silva e o governo honraram o acordo de concertação social que assinaram.
Mas a negociação com a esquerda foi difícil.
Vamos lá ver, em muitas matérias nesta legislatura, nós não chegámos a acordo com os nossos parceiros parlamentares. Em 80% por cento das votações houve uma votação comum. Mas houve pelo menos 20% em que não houve. Vamos ver o que acontece nas votações de hoje, que são muitas.
Novo governo. “A democracia precisa de quem traga sangue novo”
Voltando ao ministro Vieira da Silva ele já conta com 13 anos de funções governativas. Augusto Santos Silva, onde ministro recorrente nos governos socialistas, já conta com 12 anos. É altura de renovar ou conta com os dois para as listas a candidatos a deputados e para a constituição do próximo governo?
As listas serão apresentadas na próxima semana e o governo há-de ser formado a partir de outubro, se os portugueses nos derem condições para formar governo.
Não me vai responder com calendário.
Quanto ao mais…
A questão era de renovação.
… temos uma composição de governo onde vimos uma esmagadora maioria dos membros do governo, incluindo os ministros, em que os membros do governo nunca tinham exercido qualquer função política e eu creio que isso é um fator muito importante de arejamento da nossa democracia. São muito poucos os ministros que são repetentes, no sentido em que já tinham tido experiência governativa anterior. E a democracia precisa disso, de quem transporta experiência, mas também de quem traga sangue novo e ajude a arejar e a respirar.
Estes dois experientes são para manter ou não?
Isso logo veremos. Primeiro, se os portugueses mantêm o atual primeiro-ministro e, em função disso, o atual primeiro-ministro, que também já tem uns bons anos de experiência governativa.
“Ninguém pode, em caso algum, ser nomeado por ser familiar. O nepotismo é inaceitável”
Já vi que não quer adiantar muito da composição das listas. Mas houve aqui um caso do seu governo, que tem a ver com o chamado ‘familygate’. Queria perguntar-lhe se, na composição das listas, e naquilo que terá na cabeça para a formação de um eventual governo vai ter em conta este problema?
Sim. Claro que vamos ter, sem que isso signifique necessariamente assinar por baixo um conceito que foi construído e que, muitas vezes, não corresponde à realidade.
Traduz-se em quê? Maridos e mulheres podem ir na lista ou vai ter cuidado para não ter maridos e mulheres nas listas? Pais e filhos?
Vamos ver o seguinte: nunca vi um único caso em que tivesse sido apontado que alguém foi nomeado por razões familiares. Não vi nenhum. Houve casos onde foram apontados coincidências de posições.
Houve um secretário de Estado que se demitiu.
Houve um secretário de Estado que se demitiu por ter nomeado um familiar. Não houve um único caso em que me digam: aquela pessoa está no governo porque é irmã, filha, prima, mulher de. Nunca ninguém disse isso. Tenho dois ministros que têm uma relação marital desde o início do governo que ninguém levantou nenhuma dúvida, ninguém tem dúvidas que o ministro Eduardo Cabrita não é ministro por ser casado com a Ana Paula Vitorino, ou a Ana Paula Vitorino ser ministra por ser casada com o Eduardo Cabrita. Ou por viverem juntos. Não sei qual é a natureza da relação, nem interessa muito. Aquilo que para mim é claro é o seguinte: regras. Primeira regra: ninguém pode, em caso algum, ser nomeado por ser familiar, o nepotismo é inaceitável. Segunda regra: ninguém pode nomear um familiar seu e, por isso, esse secretário de Estado saiu. Em terceiro lugar: registei um tipo de preocupação que existe na sociedade portuguesa, que devo respeitar e procurar ir ao encontro. Em quarto lugar, algo que para mim é absolutamente fundamental, não tenciono discriminar ou nem excluir da atividade política alguém pela simples razão que tem uma relação familiar. Na vida política, como acontece na generalidade da vida, as pessoas, para além das funções que exercem, têm a sua própria vida. Não sei quantos jornalistas são casados entre si, porventura muitos, porque as relações estabelecem-se como? As pessoas tendem a casar com colegas de trabalho ou com amigos de amigos. Só nos filmes é que duas pessoas que não se conhecem de parte nenhuma, não têm nenhuma relação, se encontram na mesma prateleira de supermercado e é amor à primeira vista. Essa situação é rara na vida embora dê filmes lindíssimos.
Conta com Ferro Rodrigues para ser novamente presidente da Assembleia da República? Já conversaram sobre esse assunto?
Não falámos sobre esse assunto. Sei que Ferro Rodrigues está disponível para se recandidatar e que, portanto, continuará a ser deputado da Assembleia da República.
Marcelo: “Seria incompreensível para 80% dos portugueses que o apoiam” que não se recandidatasse
E em relação à Presidência da República, admite apoiar Marcelo Rebelo de Sousa numa reeleição ou tem medo de que num segundo mandato ele se transforme no verdadeiro líder da oposição, como já aconteceu com Mário Soares, depois de ser apoiado por Cavaco Silva?
É tudo muito prematuro. A primeira questão fundamental é saber se o professor Marcelo Rebelo de Sousa se pretende recandidatar. Se me deixasse ser durante dez segundos analista político, diria que há 99% de probabilidade de ele se recandidatar, além de que seria incompreensível para 80% dos portugueses que o apoiam, iriam ver-se frustrados.
Que nota lhe dá? De zero a 20 para continuar como analista político?
Isso é que, apesar de tudo, já não posso nem devo fazer.
Mas não fuja à pergunta, apoiaria ou não Marcelo Rebelo de Sousa neste momento?
As perguntas não podem ser feitas em abstrato, têm de ser feitas em concreto.
É concreta. Ferro Rodrigues já tinha dito que o apoiaria.
As eleições para a Presidência da República serão no momento próprio. Depende de se é candidato ou não é, qual o programa que propõe, qual a visão que mantém, se pretende prosseguir o mandato como iniciou neste primeiro ou se pretende evoluir na forma como exerce a Presidência da República, quais são as condições políticas que existem no país. Se é uma situação com um governo maioritário ou minoritário. Como recordou, a experiência diz-nos que os segundos mandatos costumam ser muito diferentes, bastante diferentes, dos primeiros.
Há esse medo, imagino?
Não é uma questão de medo, é uma questão que tem de se analisar.
Analisar se ele vai ser o verdadeiro líder da oposição?
Tem de se analisar no momento próprio. Aquilo que queria registar neste momento, e isso é indiscutível, é que tal como aconteceu durante os poucos meses que partilhei o exercício de funções com o Presidente Cavaco Silva, e sobretudo ao longo deste anos com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, a relação do Governo com o Presidente da República foi sempre corretíssima. Digamos que com o atual Presidente beneficiando da sua própria — como diria? —, da sua própria personalidade que sendo talvez mais aberta e expansiva do que a do anterior Presidente da República permitiu, naturalmente, uma relação mais intensa, beneficiando também do facto de nos conhecermos há muitos anos. Tive o gosto, foi mesmo gosto, de ser aluno do professor Marcelo na faculdade. Ao longo da vida, fomos-nos cruzando várias vezes por motivos profissionais e a relação pessoal é muito boa. Como em tudo, uma coisa é a relação pessoal, outra coisa é relação de trabalho. Há aquela expressão de que não gosto muito mas que as pessoas percebem bem: “Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.”