Na última vez que os professores fizeram greve na Finlândia, Kristina Kaihari era estudante. “Foi há 25 ou 30 anos”, diz a Conselheira da Educação daquele país, quase estranhando a pergunta enquanto puxa pela memória. Na Finlândia, não há grandes motivos para os professores protestarem. Todos os anos, há uma corrida de jovens aos cursos de Educação onde só entram os melhores e os mais motivados. É uma profissão bem paga, “mas não demasiado”, altamente valorizada pela sociedade e com um estatuto elevado. E é assim desde que o ensino público arrancou na Finlândia, em 1860: os professores eram a elite que partilhava conhecimento e a garantia de que todos, ricos e pobres, eram educados. Em mais de século e meio, pouco ou nada mudou na forma como são olhados pelos seus conterrâneos.
Hoje, Kristina Kaihari não tem dúvidas em apontar os professores, e a sua formação de excelência, como a pedra basilar de um dos sistemas educativos com maior sucesso do mundo, apesar de os dados mais recentes do PISA, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos que compara os resultados académicos de vários países, mostrarem algum declínio.
E se a subida ao topo do PISA em 2000 deixou a Finlândia boquiaberta — Kristina Kaihari conta que a autoestima dos finlandeses não é muita e que acreditam sempre que os outros são melhores — e pronta para dizer que os investigadores estavam enganados nos cálculos, a queda também não causa mossa a um país que “não gosta de se comparar com os outros, nem de olhar para rankings”.
Acima de tudo, conta, preocupam-se com o bem-estar dos alunos e esperam que todos consigam atingir o seu máximo potencial, ao mesmo tempo que não param de olhar para o sistema educativo, tentando melhorá-lo. Para que isso aconteça, “confiam nos professores”, já que acreditam que irão sempre fazer o seu trabalho o melhor que sabem.
A conversa com a representante da Agência Nacional Finlandesa para a Educação aconteceu durante a vaga de calor dos últimos dias de maio, com os termómetros a ameaçarem chegar aos 40 graus. A passagem de Kristina Kaihari por Lisboa, e pelo Pavilhão do Conhecimento, nada teve de turística, embora o tempo convidasse a umas férias balneares: a Conselheira da Educação encontrou-se com muitos outros especialistas, portugueses e estrangeiros, para debater “Educação, Cidadania, Mundo. Que Escola para que Sociedade?”. Com o Observador, pouco antes de o secretário de Estado da Educação fazer a sua intervenção na conferência promovida pela Organização de Estados Ibero-americanos, conversou sobre o sistema educativo finlandês e sobre a sua matéria-prima mais preciosa: os professores.
Quando se fala do sistema educativo finlandês, as pessoas suspiram, falam dele como um dos melhores do mundo. Este conto de fadas é real?
Onde quer que vá, deparo-me com essa ideia. Como viajo imenso, estou sempre a ouvir frases do género: “Admiro tanto o sistema educativo finlandês.” Para mim, claro, é tudo normal. É o contexto do sítio onde vivo, não tem nada de especial para mim. O que começou a acontecer, há 15 ou 20 anos, é que as comparações internacionais, como as do PISA, deram relevo a algumas coisas que fazemos de um modo diferente do resto do mundo. E, na verdade, nós nunca nos tínhamos apercebido de que o fazíamos.
Ou seja, ter o mundo inteiro a olhar para a Finlândia fez-vos ver que eram diferentes?
A pouco e pouco, foi isso que aconteceu. Há muitos países interessados nos resultados de estudos internacionais como o PISA. Quando a Finlândia apareceu no topo, alguns deles — principalmente aqueles que pensavam que estavam a ir bem e que, depois, não tiveram os resultados esperados — queriam perceber o que se passava no nosso país. E nós próprios começámos a analisar mais profundamente o nosso sistema educativo, a ver o que estávamos a fazer de diferente e a refletir sobre as conclusões com outros países.
E a que conclusões chegaram? O que é a Finlândia tem de tão diferente dos outros países?
Em primeiro lugar, os professores. A profissão é muito valorizada na Finlândia. Acreditamos que ser professor é uma profissão muito importante — e sempre foi assim no nosso país. Sempre. Os professores estão, normalmente, muito satisfeitos com o seu trabalho e, de acordo com a OCDE, são dos mais bem formados, ou seja, sempre tiveram altas qualificações. Na Finlândia, é muito difícil conseguir entrar nos cursos de professores e sabe porquê? Porque todos os anos temos imensos jovens que querem ser professores. Sei que somos uma exceção. Os nossos vizinhos noruegueses, por exemplo, têm muita dificuldade em encontrar quem queira ser professor.
Em Portugal acontece o mesmo e os cursos superiores de Educação têm cada vez menos procura.
Sim, é o que acontece em muitos países. Na Finlândia, os jovens querem ser professores: admiram a profissão, os salários são bons, apesar de não serem demasiadamente elevados, e tem muito a ver com o status da profissão. Ser professor tem um status muito elevado na Finlândia. Já em 1860 [data do início do ensino público] era assim. Nas pequenas vilas finlandesas, os professores eram pessoas muito bem formadas, eram eles quem criava as bibliotecas, quem dinamizava as atividades culturais.
Os professores finlandeses eram uma espécie de elite?
Sim, sem dúvida. Os professores eram uma elite, mas de uma forma agradável. Em 1860, já existia esta filosofia na Finlândia: todas as pessoas, as pobres, as ricas, as da cidade e as do campo, todas elas, sem exceção, deviam ter acesso à educação. Através da escola, conseguia-se que adquirissem competências de leitura, de escrita, de história. Este foi o fator mais importante para a Finlândia se ter tornado, em pouco tempo e através da educação, num país rico. Toda a gente tinha oportunidades.
A vossa ministra da Educação tem insistido muito nesta tónica de que o segredo da educação finlandesa são os professores. Não era possível chegar onde chegaram sem eles?
Não, de maneira nenhuma. Os professores, o facto de serem tão bem formados, são uma das pedras basilares do nosso sistema educativo. Para se ser professor, é preciso ter um mestrado e, na Finlândia, não se consegue ter um facilmente. É muito complicado conseguir entrar na universidade — as instituições escolhem apenas os melhores. É isso que acontece nos cursos de professores, só entram os melhores e os mais motivados.
Portanto, os professores na Finlândia são pessoas felizes?
Na sua maioria, sim, são felizes. Estão satisfeitos.
E não há greves de professores na Finlândia?
Talvez tenha havido uma greve de professores há 25 ou 30 anos…
Porque não há necessidade de os professores protestarem?
(Risos) Provavelmente, não há. Outro fator interessante, quando fazemos comparações internacionais, é o tempo passado na sala de aula. Mesmo nos últimos anos, quando os nossos resultados do PISA não foram tão bons, os nossos professores passaram muito menos horas na sala de aula do que outros países que tiveram resultados superiores.
Os professores passam muito menos horas a trabalhar?
Sim. Penso que somos o país que tem o menor número de horas na escola.
Como é que é possível conseguir resultados tão bons com menos horas de trabalho?
Acho que há três palavras: motivação, motivação, motivação. Os professores são tão competentes que são capazes de escolher, em diferentes contextos, os melhores métodos para motivar crianças diferentes. São capazes de distingui-las. Outra coisa, muito diferente de outros países, é o nosso sistema de avaliação: não temos testes nacionais, nem testes estandardizado. Encorajamos as crianças a encontrarem a sua motivação, a fazerem o seu melhor, vamos vendo se estão a trabalhar bem, corrigimos quando e se há algo a melhorar. Chamamos-lhe avaliação formativa. Os miúdos pequenos já são capazes de fazer este tipo de avaliação sobre o seu próprio trabalho e dizer onde é que estão a ir bem e onde é que precisam de ajuda. Acima de tudo, não queremos castigá-los. O importante é que cada um encontre o seu potencial.
Portanto, o sistema finlandês não está focado na avaliação?
Claro que há avaliação da aprendizagem e essa é feita constantemente. Usamos métodos para aprender a aprender, para haver alegria na aprendizagem. Os alunos mais velhos, mais tarde, terão exames, mas os pequenos não. Queremos dar-lhes espaço para aprenderem, para serem criativos, para brincar. No pré-escolar, aprendem através da brincadeira. A escola primária só começa aos 7 anos.
Por que motivo aos 7 anos?
É uma boa pergunta. Tem sido assim desde sempre…
Pelo que conta, os vossos professores são muito autónomos na sala de aula. É por isso que precisam de uma formação de excelência?
É a autonomia que motiva os professores. Eles são livres de escolher materiais, métodos, pedagogias e conteúdos do currículo na sala de aula. Claro que há decisões que são tomadas pelo nosso parlamento — a Finlândia é uma democracia e a ministra da Educação tem uma estratégia e define diretrizes políticas. Já a agência nacional para a educação — onde trabalho — desenha o currículo nacional. Temos objetivos, critérios de avaliação, mas estes são definidos a um nível geral. Os municípios, responsáveis pelas escolas na Finlândia, criam o seu próprio currículo com base nesse currículo nuclear, no qual acrescentam coisas que dependem também do contexto e do ambiente onde estão integradas. As escolas são muito autónomas e os professores são muito livres para fazerem as coisas à sua maneira.
Mas existe um currículo nuclear para todos os alunos?
Sim, acima de tudo há objetivos que têm de ser cumpridos e as escolas decidem como alcançar esses objetivos.
Ou seja, a autonomia é pedagógica?
Sim, não temos mandato para escolher a pedagogia que é usada na sala de aula. Essa parte é responsabilidade das escolas.
O professor adapta a pedagogia ao aluno que está à sua frente?
Claro, claro. O professor decide qual o método a usar consoante o grupo de alunos que está na sua sala de aulas. Nós não dizemos nada. Eles é que são os especialistas.
Confiam cegamente nos professores?
A Finlândia é uma sociedade baseada na confiança. Sei que, em muitos países, as pessoas simplesmente não acreditam quando dizemos estas coisas. Muitas vezes, perguntam-me: “Mas como é que sabem que os professores estão a fazer as coisas da forma correta?” Nós confiamos nos professores. Sabemos que eles estão a fazer o trabalho deles e vemos os resultados. Não temos, por exemplo, inspetores a visitar as escolas. Também não comparamos escolas. Os resultados de cada uma servem para os professores perceberem o que é preciso melhorar. Como, na Finlândia, as qualificações requeridas aos professores são as mesmas em todo o lado, não há grande diferença entre os resultados.
Todos os professores são bons professores e todas as escolas são boas escolas?
Claro que pode haver algumas diferenças, mas não serão assim tão grandes. Os primeiros anos da escola básica são iguais para todos, não fazemos separação de alunos, temos professores de ensino especial em todas as escolas. Se temos crianças com dificuldades de aprendizagem, é muito importante ajudá-las de imediato.
Não deixam as dificuldades do aluno progredir?
Não, não. É muito importante que todos tenham oportunidade, suporte e ajuda imediatamente.
Chumbam alunos?
Tentamos evitá-lo, é muito raro um aluno ser retido, mas às vezes acontece. Sabemos que, normalmente, chumbar um estudante não ajuda muito, o melhor é arranjar-lhe ajuda no imediato e encorajar a criança a fazer o seu melhor para passar para o nível seguinte.
O papel dos estudantes na sala de aula na Finlândia também é diferente do resto do mundo. Também é um dos pilares para os vossos bons resultados?
De certa forma, sim. Há muito tempo que temos um sistema de aprender fazendo — a melhor forma de aprender é quando fazemos por nós próprios. Se o professor passa a hora inteira a falar, ninguém consegue ouvir. Mas há uma história que é um bom exemplo de como os nossos miúdos são autónomos. Primeiro, logo na creche estão a usar métodos como o Montessori, em que as crianças têm de ser responsáveis — se brincam com alguma coisa, têm de voltar a guardá-la no seu lugar e coisas desse género. Um dia, no liceu franco-finlandês de Helsinquía, uma escola estatal, havia três ou quatro novos professores franceses, estavam ali há três semanas e perguntei-lhes qual era a impressão deles da escola. Disseram que tudo era perfeito, mas pressenti que nem tudo era perfeito. Acabaram por dizer: “Estamos chocados, os miúdos são tão autónomos.” Eles não estavam habituados a ter alunos que querem fazer as coisas por eles próprios e a sua formação não os preparou para isso. Mas é mesmo assim, os nossos alunos estão muito motivados e gostam de aprender.
Para isso, também é muito importante mudar o ritmo. Na Finlândia, temos aulas de 45 minutos, seguidas de um intervalo de 15. Os miúdos têm tempo de ir para o recreio, brincam e, quando voltam para a sala de aula, é muito mais fácil concentrarem-se.
Também confiam nos alunos, como confiam nos professores?
Sim. Confiamos que os alunos vão aprender, mas não os deixamos simplesmente a serem responsáveis pela sua educação. Os professores estão lá, na sala de aula, para guiá-los. As turmas são pequenas, 18 a 19 alunos, e é muito importante que o professor veja se há problemas, que intervenha de imediato, quando é necessário.
O tamanho das turmas também é importante?
Claro que sim. É mais fácil trabalhar com salas com menos de 20 alunos do que estar a trabalhar com 35.
E quanto aos materiais?
Os professores decidem. Por exemplo, decidem que manual querem usar para história ou se não querem usar manual nenhum. Hoje em dia, usam muitos materiais digitais.
A Finlândia continua a ser um dos sistemas educativos com melhores resultados, apesar da queda no último PISA. Isto levantou algum tipo de preocupações?
Claro que temos discutido para perceber se existe algum motivo que explique o declínio, mas, na Finlândia, não estamos muito interessados nestas competições, em rankings e em quem é melhor.
Não será por não quererem saber dos resultados que têm bons resultados?
(Risos) Talvez. Há outra história muito interessante, a de uma professora que sabia que a sua turma ia fazer os testes do TIMSS [avaliação internacional do conhecimento de matemática e ciências] dentro de alguns meses. Ela era o tipo de professora que vai muito com os seus alunos para a natureza, e ali aprendem história, biologia, uma série de coisas. De repente, apercebeu-se de que estava a começar a treinar os miúdos para matemática e ciências e que, para os miúdos, já não era tão bom estar na escola. Foi muito importante para ela perceber como as coisas podem ser boas ou más, como os miúdos podem aprender mais facilmente se não estiverem focados num teste qualquer, como fazem muitos países. Em alguns países — e não quero dizer quais — todas as sextas-feiras fazem testes aos miúdos a partir dos 6 anos. Todas as sextas. Durante uma visita, perguntei o que faziam com os resultados. O diretor nem sequer sabia… Perguntei-me qual era o propósito daquilo. Na Finlândia, se fizermos testes, queremos saber os resultados para perceber o que podemos fazer melhor.
Pelo que diz, o PISA não é importante para a Finlândia. Mas deve saber bem estar no topo das tabelas.
Não queríamos saber do PISA, não pensávamos que fosse importante ser o número 1 num ranking. O que nos preocupa é, por exemplo, os rapazes que têm um baixo desempenho em relação às raparigas. E isto não é apenas na Finlândia. Felizmente, ganhámos a medalha de ouro no campeonato do mundo de hóquei no gelo e um dos nossos melhores jogadores disse na televisão que adora ler. Pensei logo que isso era um ótimo exemplo para os rapazes que já não se interessam pela leitura.
Sobre a queda de resultados, temos refletido sobre isso. Por exemplo, a participação de crianças com necessidades educativas especiais nos testes do PISA. Na Finlândia, a educação é tão inclusiva que essas crianças, que costumavam estar em salas especiais, estão na mesma sala de aulas que as outras e fizeram os testes do PISA, o que não acontece noutros países. O mesmo aconteceu com muitos filhos de emigrantes, que ainda não dominam bem a língua. Claro que isso afeta os resultados globais. Mas, como disse há pouco, se comparar as horas que os alunos finlandeses passam dentro da sala de aula com os da Coreia do Sul, Singapura ou Xangai… Eles trabalham à noite, aos fins de semana… E nós só passamos algumas horas por semana na escola.
Se fizermos o rácio, no fundo, os finlandeses continuam a ganhar. É isso?
(Risos) Sim, se pensar neste input/output. O que importa é estarmos sempre atentos ao sistema educativo. Agora estamos a estudar a hipótese de dar mais horas semanais às línguas estrangeiras, o que só é possível porque há espaço para isso. No 1.º e 2.º ano, os alunos passam 21 horas na escola, mais ou menos 4 horas por dia. No 3.º e no 4.º ano, 25 horas semanais, 5 por dia. Depois sobe para as 30 horas semanais, no secundário.
E eles aprendem?
E eles aprendem. Têm os seus intervalos, têm as atividades depois da escola, têm tempo para os seu hobbies, e para os trabalhos de casa — temos, mas não temos muitos. Eu sou metade francesa, a minha mãe era francesa, conheço bem as escolas de França e sei que têm muitos, muitos trabalhos de casa. E, muitas vezes, não têm nada a ver com o que aprenderam na escola, às vezes são tão difíceis que a criança perde a motivação para estudar. Qual é o propósito disto?
Temos de ter a certeza de que o que as crianças estão a aprender é apropriado, não é demasiado difícil, mas, ao mesmo tempo, é desafiador o suficiente para eles se esforçarem sempre um bocadinho mais. Os manuais escolares na Finlândia são muito bons — nas equipas que os preparam, há sempre professores e investigadores com muita experiência pedagógica —, são pensados para ajudar a aprender. Claro que há outros materiais e, hoje em dia, as crianças aprendem muito mais fora da escola. Podem aprender em qualquer lado e, em alguns casos, até ensinar os professores. É muito importante levar isso em consideração. Outra coisa muito importante para nós é o bem-estar da criança: ela deve sentir-se bem na escola, deve haver uma boa atmosfera e ela deve sentir-se feliz.
As crianças são felizes na escola? Não choram de manhã e pedem para ficar em casa?
Não! Os meus filhos nunca choraram. Eles gostavam mesmo muito de ir para a escola.
Em entrevista ao Observador, Tim Oates, que reformulou o currículo britânico, disse que não havia garantias de que o que a Finlândia está a fazer agora é bom. Como comenta?
Bom, teria de ler primeiro a entrevista com atenção, mas quando ele fala sobre o tamanho das turmas, que estão maiores, isso é uma decisão dos municípios. Não temos mandato para decidir isso e ele não fez bem a sua lição de casa. Sobre a perda de certificação dos manuais escolares, isso aconteceu há 30 anos. Desde 1991 que deixaram de ser certificados pelo governo, isso não é nenhuma novidade. Sobre o investigador sueco, o Gabriel Heller Sahlgren [citado na entrevista por Tim Oates], li algumas coisas dele… Também tem feito algumas declarações que mostram que não fez bem o seu trabalho de casa e que não conhece bem o sistema. Mas finlandeses e suecos têm uma história antiga… E, pobres suecos… o sistema está cada vez pior, têm cada vez mais escolas privadas — que não é o caso da Finlândia, praticamente só temos escolas públicas e as privadas, que não são mais do que 10, são de pedagogia Steinberg, mas têm de encaixar no nosso currículo se quiserem ter fundos estatais.
Há pouco falou da disparidade entre rapazes e raparigas. Como é que se corrige este problema?
É uma questão complicada… Estamos a investigar este assunto e começam agora a aparecer a alguns projetos internacionais que se vão debruçar sobre o tema. Mas não temos uma resposta. Porquê? Porque é que os rapazes estão a ter piores resultados?
Uma resposta feminista seria, talvez, porque as mulheres estão a dominar o mundo?
(Risos) Exatamente. Mas a verdade é que vemos esta disparidade em todo o lado. Não sei se, por exemplo, os telemóveis distraem mais os rapazes que as raparigas. Temos refletido muito sobre isso, mas continuamos a não ter respostas. No futuro, se continuar assim, será terrível.
Será terrível para os homens?
Será terrível também para as mulheres, que deixam de conseguir encontrar homens sensatos e sábios. Mas, falando muito a sério, há um risco de os homens estarem a ficar excluídos do sistema educativo. Precisamos de respostas. Como é que os motivamos? Ainda não sabemos.
Portugal está a começar a dar os primeiros passos na autonomia das escolas. Tem algum conselho?
É muito difícil dar conselhos porque os diferentes sistemas educativos estão inseridos em culturas diferentes. Talvez o mais importante seja procurar bons exemplos no estrangeiro, quando começamos uma reforma. Ver que aspetos poderiam ser interessantes. Mas temos de ter sempre em conta as diferenças culturais. Pode haver coisas muito boas no vosso sistema educativo e na vossa cultura que nós não temos na Finlândia e da qual possam tomar partido.
Ou seja, é mais importante olhar para a nossa própria cultura do que copiar os sistemas de outros países?
Não é possível copiar um sistema educativo. Mas, às vezes, há boas ideias e algumas práticas educativas que nos podem inspirar. Por isso é que reuniões como esta são importantes — estamos a falar de educação para cidadanias democráticas e é importante ver como os alunos participam na sua própria educação, como escolhem alguns dos temas que querem aprender e como é que as administrações das escolas fazem para ouvir os seus alunos.
Com tantos olhos em cima do vosso sistema educativo, também a Finlândia olha para outros países e procura inspiração?
Claro. É muito importante fazê-lo e cooperar com outros países. A educação nunca está terminada, o mundo muda muito rapidamente e os novos desafios estão sempre a aparecer. É importante perceber o que os outros estão a fazer.
Em Portugal, os resultados do PISA estão em todos os jornais quando saem. Na Finlândia também fazem manchetes?
Hoje em dia, sim. No início, não. Lembro-me que estava de licença sabática, a viajar, a ir de França para a Alemanha. E quando chegámos a Dusseldorf, uma amiga minha, professora alemã, disse-me: “Terrível. Já souberam destes resultados? A Finlândia é número 1 e a Alemanha está em vigésimo.” Ela estava chocada. E eu nem sabia o que era o PISA, não lhe dávamos importância. Na Finlândia, não gostamos de comparar, não gostamos de rankings, não comparamos escolas — a imprensa é que faz isso com base nos exames. Quando a imprensa quis fazer os rankings, as escolas recusaram-se a entregar os resultados, tiveram de ir a tribunal. O PISA foi um choque para nós, agora, pouco a pouco, vamos tomando consciência. Mas, na altura, era muito do género: “Não vamos falar muito disso, já chega.”
E são mesmo o país mais feliz do mundo?
Nós não aceitamos isso! Não somos assim tão felizes. Esse é outro resultado que os finlandeses acham que só pode ter sido um engano. Talvez por isso é que nunca parámos de desenvolver o nosso sistema educativo, porque achamos que não somos bons o suficiente. E talvez seja por isso não queremos comparar-nos aos outros.