A hipótese tinha sido levantada por diretores de escolas, pela Associação Nacional de Dirigentes Escolas (ANDE), foi admitida pelo primeiro-ministro e agora decidida pelo Governo. António Costa tinha dito que era “uma questão em que os políticos devem agir em função da melhor informação técnica disponível”, mas um dia depois de o Conselho Nacional de Saúde Pública ter decidido não recomendar o encerramento de todas as escolas — insistindo que isso só se justificava caso a caso, por ordem direta da Direção Geral da Saúde—, o executivo decidiu avançar.
A medida de precaução serve para evitar a propagação do novo coronavírus entre os mais novos, mas levanta alguns problemas aos pais.
Há várias questões, profissionais e afetivas, que subitamente aparecem. O que acontecerá se os pais forem forçados a deixar os seus trabalhos para passar a cuidar dos filhos em casa? E poderão fazê-lo sem perder rendimento? Como devem os pais explicar às crianças umas férias inesperadas? Que cuidados devem ter e como devem falar-lhes dos riscos associados ao surto, sem as baralhar mas garantindo que estão alertas para os comportamentos preventivos adequados?
Como fica a situação dos pais, no público e privado?
No início desta semana, com o aumento do número de casos confirmados de infeção por Covid-19 em Portugal, o Governo avançava com a notícia de um novo apoio: iria pedir, como foi anunciado pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, uma autorização legislativa para facilitar o regime de lay-off (redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho) nas empresas mais afetadas na sua atividade pelo novo coronavírus.
A medida tem em conta a redução da produtividade e consumo sentida em empresas públicas e privadas na sequência da propagação do surto contagioso, que já causou mais de quatro mil mortes em todo o mundo — mais de 3.100 das quais na China.
A decisão de encerrar todas as escolas, porém, levanta problemas laborais concretos a trabalhadores que também são pais. Para os compensar, o Governo vai aplicar medidas diferentes a trabalhadores por conta de outrem e aos independentes:
- trabalhadores por conta de outrem que fiquem em casa por causa de filhos menores de 12 anos vão receber 66% do salário — 33% pagos pelo empregador, 33% pagos pela Segurança Social;
- trabalhadores independentes que fiquem em casa por causa de filhos menores de 12 anos vão receber um terço da sua remuneração média. Além disso, terão um apoio extraordinário pela redução da sua atividade e um adiamento no pagamento das suas contribuições.
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A compensação pode ser dada, de forma alternada, a cada um dos pais da criança — mas não em simultâneo.
Fica assim esclarecida a dúvida sobre se a antecipação das férias escolares da Páscoa impediria os pais de terem acesso à compensação por assistência à família. Se a antecipação transpusesse simplesmente o regime previsto para os restantes períodos habituais de férias escolares, os progenitores teriam de encontrar uma solução para adaptar as suas vidas, dado que não teriam direito à remuneração em caso de ausência laboral. A possibilidade de deixar as crianças com os avós seria, no entanto, potencialmente problemática numa situação de propagação de um surto infeccioso que tem maiores taxas de mortalidade entre grupos de risco, nomeadamente idosos.
O que dizer aos filhos sobre o coronavírus?
Outra preocupação — que já existia com o avolumar de casos, mas que ganha outras dimensões com a decisão de encerrar todas as escolas — passa pelas recomendações aos pais das autoridades de saúde e do Governo. O Governo recomenda que as crianças fiquem em casa, evitando espaços públicos com muitas pessoas, para evitar a propagação do vírus — com um impacto necessariamente maior para as crianças.
A forma como os pais devem lidar com as crianças e explicar aos filhos a existência e propagação mundial do surto Covid-19 é alvo de debate desde que as preocupações aumentaram com o aumento de número de casos de infeção confirmados na China, primeiro, e em Itália, depois.
Agora que o surto regista já mais de 70 casos de infeção em Portugal e que se fecham escolas, interditam estádios de futebol e se encerram salas de espetáculo, museus, e piscinas em Portugal, o diálogo entre pais e filhos deverá ser diferente, mas há um pressuposto que se mantém. “Continua a ser importante que os pais se informem bem, antes de mais nada. Têm de se informar junto de fontes seguras, como os sites da Direção Geral de Saúde e da Organização Mundial de Saúde, para depois estarem seguros quando forem falar com os seus filhos”, explica ao Observador a terapeuta familiar Catarina Mexia.
Tentar esconder a existência e propagação do surto não é opção, acrescenta a especialista em terapia familiar: “É uma situação com a qual os miúdos já contactaram das mais variadas formas. Já ouviram os colegas, veem televisão, em alguns casos houve limitações nas escolas. Se evitarmos a situação, se não tivermos a iniciativa de abordar as crianças a propósito disto, corremos o risco de perder a oportunidade de contrariar toda a desinformação e todas as situações que geram ansiedades e medos, quer de crianças quer de adolescentes”. Já Inês Afonso Marques apontou ao Observador: “Às vezes os pais querem meter os miúdos numa bolha de proteção e acabam por manipulá-los achando que os estão a proteger. Depois, eles ouvem o contrário na escola ou na televisão e ficam confusos.”
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Para a terapeuta Catarina Mexia, “um dos grandes riscos neste momento é a desinformação e a instalação do medo e devemos tentar contrariar isso junto das crianças”. No diálogo entre pais e filhos sobre a evolução da propagação do surto, deve haver uma preocupação dos primeiros em “perceber o que eles já sabem”, nomeadamente quando se trata de crianças mais pequenas. “Isso vai permitir corrigir algumas ideias menos corretas mas também adaptar a quantidade de informação que eles querem receber. Não adianta estar com uma exposição muito alongada sobre o que é o vírus, como se espalha, quando na realidade as crianças só estão preocupadas com a escola que fechou, com o menino que estava doente…”
Em texto de opinião publicado no passado domingo no Observador, também o psicológico Eduardo Sá defendia que nas conversas de família sobre o Covid-19 “era importante que o coronavírus ficasse restringido àquilo que os pais entendam ser indispensável”. Ou seja: “informação de mais ‘à solta’, lá em casa, não representa um ganho por aí além para os filhos”. Algo semelhante defende a psicóloga infanto-juvenil Inês Afonso Marques: “É importante passar a informação real, mas também filtrá-la. Há detalhes que podem ser desnecessários”. O número de mortes ou infetados, por exemplo, é uma informação de que as crianças mais pequenas não precisam de saber, acrescentou a psicóloga ao Observador: “As crianças não sabem processar essa informação. Como os números são elevados, elas podem ficar assustadas
A informação dada aos filhos deve ser “adaptada à idade”, defende ainda Catarina Mexia. Uma das recomendações é que nos diálogos a propósito do Covid-19 os pais tentem transmitir aos filhos que “alguma coisa está nas mãos deles, que podem fazer algo”. Não “desvalorizando a situação ou achando que se vai resolver por milagre”, a terapeuta advoga “incutir todos estes hábitos recomendados, como lavar as mãos e usar lenços descartáveis, transmitindo-os não como uma obrigação mas como uma estratégia, fazendo-os sentir e perceber que podem fazer alguma coisa nesta situação”. Em suma, é recomendável explicar aos filhos “o porquê destas ações preventivas”, dizer-lhes que através delas “é mais provável conter o vírus”, explicar-lhes que “quando estamos constipados ou com gripe também devemos ter estes comportamentos” e “dar o exemplo” às crianças através de ações.
Para quem tem filhos adolescentes, “a atitude tem de saber um pouco a mesma”, diz Catarina Mexia: “É preciso perceber o que querem saber, porque em faixas etárias como a da adolescência muitas vezes as fontes de informação que os jovens têm como mais credíveis são as redes sociais e os amigos. Infelizmente, sabemos que nesses sítios há mais desinformação e que pode-se potenciar aí o medo e o pânico sobre surtos destes. É importante que os pais consigam dar informação precisa, porque a melhor forma de lidar com os medos dos jovens é dar-lhe informação precisa que os beneficiem”.
E se o isolamento aumentar com o encerramento das escolas?
À medida que o número de casos confirmados de infeção por Covid-19 em Portugal aumenta e com a antecipação das férias escolares, há um problema que cresce: o isolamento das crianças e das famílias. Quer nos casos em que este é imposto por suspeitas de infeção quer nos casos em que é um comportamento promovido pelas próprias famílias por receio de contração do vírus pelos mais novos, o maior isolamento exige comportamentos distintos nas unidades familiares, defende Catarina Mexia.
Com a propagação do surto, pode existir uma “reclusão forçada e uma inatividade de forçada” mesmo para “miúdos que não estejam de quarentena”, lembra a terapeuta familiar. Os hábitos e rotinas podem alterar-se e isso pode provocar “alterações de comportamento, ansiedade e irritação”.
Os adolescentes, em especial, “não estão habituados a serem contidos no espaço e a não poderem fazer as suas rotinas, que lhes dão prazer. Isso pode provocar mudanças de humor e alterações súbitas de comportamento a que os pais devem estar atentos”, nota Catarina Mexia. “Não podemos ler alguns sinais como estávamos habituados a ler: ‘mais uma birra’ e ‘mais um capricho’ podem não ser só isso. Ter de ficar mais em casa é uma mudança de rotina e isso tem impacto. As crianças, por exemplo, têm nas birras um dos modos de expressar medo. Se lidarmos com isso como lidávamos antes, podemos não estar a atender às necessidades dos nossos filhos”.
Mediante o encerramento de escolas — mais localizadas devido a suspeitas de infeção e, agora, generalizadamente por todo o país —, os pais terão desde logo uma “dor de cabeça valente”, que será poderem “não ter onde deixar os filhos”. Porém, em famílias que forem afetadas pelo encerramento de escolas das crianças, “a tónica tem de ser na mesma a prevenção, explicar que há modos de prevenir uma propagação maior, que isto é como se fosse uma gripe mas diferente, espalha-se mais depressa. Os miúdos já sabem que, se tiverem febre e gripe, não vão à escola e ficam em casa, mas aqui isso aumenta tudo. Convém, em vez de dizer que uma medida dessas é tomada para as pessoas não morrerem ou para não ficarem doentes, explicar antes que há mesmo coisas que podem ser feitas para conter algo deste tipo”.
Se as crianças não só não puderem ir à escola como tiverem “de ficar de quarentena e não puderem sair”, colocam-se questões “um bocadinho diferentes”, diz a terapeuta Catarina Mexia. Nesse caso, “as crianças e jovens estão mesmo privados da sua liberdade” e poderá ser importante “mantê-los entretidos e com algumas rotinas. Por exemplo, não tendo chegado ainda a altura prevista para as férias, era importante que mantivessem alguns hábitos de estudo, algumas rotinas. Dentro das alterações necessárias numa situação dessas, seria benéfico provocar o mínimo de alterações possível nas rotinas das crianças, porque é importante, tanto mais quanto mais novas forem, continuar a dar-lhes algum sentido de normalidade e controlo”. À Rádio Observador, João Farela Neves, e diretor do departamento de Pediatria do Hospital da Luz, em Lisboa, defendeu por sua vez a importância de passar uma “mensagem de tranquilidade” aos filhos mesmo com o aumento “inevitável” e esperado de casos . “Devem continuar a fazer uma vida o mais normal possível dentro do quadro atual de informação”, apontou ainda.
O tédio pode ser um problema acentuado em caso de isolamento, mas além de recorrer às habituais brincadeiras e métodos de entretenimento com filhos, diferentes consoante a idade das crianças, pode ser importante “usar as novas tecnologias, os Skypes e outras afins, para promover contacto com colegas de escola, com outros familiares, com o que for. É importante abrir os contactos ao mundo mesmo não podendo haver contacto físico com outras pessoas. Aí, as novas tecnologias poderão ser os melhores amigos das pessoas”.
A terapeuta recomenda ainda como importante “transmitir um sentido comunitário” às crianças, explicar-lhes que as medidas preventivas “são boas e necessárias para eles” mas também vincar que “temos uma responsabilidade junto dos outros e por isso optamos por seguir estas diretrizes. É mesmo importante transmitir às crianças que não estão em situações de maior isolamento por estarem de castigo ou por terem feito algo de mal, mas porque estão a ter uma atitude responsável e que revela cuidado em relação aos outros”.