895kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Teatro Viriato, em Viseu
i

Ensaio em 2020 no Teatro Viriato, em Viseu

BRUNO SIMÃO

Ensaio em 2020 no Teatro Viriato, em Viseu

BRUNO SIMÃO

Estudo inédito sobre Cultura em Portugal: 61% dos inquiridos não abriram um livro em 12 meses, 90% ligam a TV todos os dias

Gulbenkian concluiu o primeiro inquérito nacional aos hábitos culturais dos portugueses. A idade, a capacidade financeira e a formação continuam a influenciar de forma decisiva o consumo de cultura.

    Índice

    Índice

Idade, rendimento mensal e grau de escolaridade são três dos fatores que mais influenciam os hábitos culturais no nosso país, segundo o “Inquérito às Práticas Culturais dos Portugueses 2020”, um estudo pioneiro agora divulgado, com financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e execução pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.

No que respeita à utilização da internet, os mais excluídos são os idosos e as pessoas com baixa escolaridade e menores recursos económicos — os mesmos que mais consomem televisão. No capítulo da leitura, 61% não abriram qualquer livro impresso durante um ano. Nas visitas a monumentos e museus, 50% das pessoas com pouca instrução revelaram falta de interesse.

Finalmente, as idas ao cinema surgem associadas a indivíduos com formação académica superior e a residentes na área de Lisboa e na Madeira, enquanto as festas religiosas e populares ou os festivais de gastronomia têm muito mais público do que o teatro ou a dança.

Os coordenadores do estudo foram o sociólogo José Machado Pais, o programador cultural Miguel Lobo Antunes e o politólogo Pedro Magalhães. A autoria é partilhada com Emanuel Cameira, Jorge Rodrigues da Silva, Rui Telmo Gomes, Teresa Duarte Martinho, Tiago Lapa e Vera Borges. A apresentação à imprensa decorreu na terça-feira, através de videoconferência.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já nesta quarta-feira o trabalho será discutido num colóquio no edifício-sede da Gulbenkian, em Lisboa, com a presença de Joaquim Caetano (diretor do Museu Nacional de Arte Antiga), Américo Rodrigues (diretor-geral das Artes) e Marta Martins (diretora executiva da Artemrede), entre outros convidados. De acordo com informação no site do ICS, o estudo já está também em livro, com a chancela da Imprensa de Ciências Sociais.

“Os dados revelam significativas desigualdades sociais no acesso à cultura, em função do perfil sociográfico dos inquiridos”, lê-se. “Há práticas culturais minoritárias, com destaque para os espetáculos eruditos, que não estão ao alcance de todos. É possível que a oferta cultural nas plataformas digitais, em contexto pandémico, possa acentuar-se no futuro.” Acrescenta-se que “a crescente escolarização dos jovens, registada nas últimas décadas, poderá também ampliar os horizontes de participação cultural quando se equaciona o futuro”.

Foto cedida pela TVI. António Costa (E), secretário-geral do PS, e João Cotrim Figueiredo (D), líder da Iniciativa Liberal, durante o debate televisivo entre candidatos às eleições legislativas na TVI, Lisboa, 14 de janeiro de 2022. As eleições realizam-se a 30 de janeiro. ARMANDA CLARO/TVI/LUSA

90% ligam o televisor todos os dias

ARMANDA CLARO/LUSA

Na apresentação de terça-feira, Miguel Lobo Antunes — antigo programador e administrador da Culturgest, em Lisboa — sublinhou que este inquérito permite, pela primeira vez à escala nacional, conhecer a realidade cultural do ponto de vista dos públicos.

No prefácio do livro a que o estudo deu origem, o programador escreve que ao longo da vida profissional verificou que as decisões de política cultural e programação se baseavam em “convicções não alicerçadas num conhecimento rigoroso da realidade, antes numa opinião intuitiva”. Mas “agora, no domínio das práticas culturais, em resultado do inquérito, já não é assim. Temos um retrato bastante pormenorizado da nossa realidade e que permite o confronto com o de outras.”

O inquérito reúne informação “socialmente relevante e estatisticamente representativa da população residente em Portugal, regiões autónomas incluídas”, segundo os autores. A recolha aconteceu nos últimos meses de 2020 e assenta em três pilares: “receção cultural”, “prática artística” e “indicadores de interpretação sobre o que conduz, ou bloqueia, o consumo cultural”.

As conclusões abrangem várias áreas. A saber:

  • “consumos culturais através da Internet, da televisão e da rádio”;
  • “práticas de leitura em formato impresso e digital”;
  • “frequência de bibliotecas, museus, monumentos históricos, sítios arqueológicos e galerias de arte”;
  • “idas ao cinema, concertos e espetáculos ao vivo, incluindo festivais e festas locais”;
  • e ainda “participação artística e capitais culturais”.

Internet

No que diz respeito à internet, 71% disseram utilizá-la com frequência, o que fica abaixo da média de 87% da União Europeia entre pessoas dos 16 aos 74 anos, diz o estudo, argumentado que a explicação tem “razões de natureza demográfica, educacional e económica”. Apenas um em cada quatro inquiridos com mais de 65 anos disseram utilizar a internet, contra cerca de 100% entre os 15 e os 34 anos.

Os homens (61%) utilizam-na mais do que as mulheres (55%). Eles passam uma média de 19 horas por semana ligados à rede para trabalho ou estudo e 12 horas em atividades de lazer. Elas, 18 e 9 horas, respetivamente.

“As razões invocadas para não usarem indicam défices de conhecimento (‘não tenho interesse, não vejo utilidade’) e défices económicos (‘ muito caro’)”, comentou Machado Pais.

As preferências televisivas dos portugueses vão, segundo o inquérito, para programas de informação (81%), filmes (57%), séries (43%) e telenovelas (40%), tendo o contexto pandémico de 2020 levado a que 23% dos inquiridos passassem a ver mais televisão

Televisão e rádio

Quanto à “dieta mediática”, como lhe chamou o sociólogo durante a apresentação aos jornalistas, revela uma “relativa persistência da centralidade da televisão”: 90% ligam o televisor todos os dias, sobretudo pessoas com 65 anos ou mais e com rendimentos mais baixos, ao passo que 40% ouvem rádio principalmente em deslocações de automóvel.

“Os programas de televisão habitualmente mais vistos contemplam notícias, reportagens e informação (81%), filmes (57%), séries (43%), telenovelas (40%),  documentários (36%) e programas desportivos (33%)”, lê-se. “O contexto pandémico levou a que 23% dos inquiridos passassem a ver mais televisão e a ouvir um pouco mais de rádio (5%).”

Livros

Ao nível da leitura e das bibliotecas, os investigadores concluíram que 61% dos inquiridos não tinham lido qualquer livro impresso nos 12 meses anteriores (por comparação, a percentagem é de 38% em Espanha, refere o estudo). Já a leitura de livros eletrónicos interessou a apenas 10%.

Curiosamente, “a larga maioria dos inquiridos portugueses (68%) lê livros por prazer, percentagem que se eleva entre os mais idosos e os de mais baixa instrução” diz o estudo. “Os que menos prazer retiram da leitura (43%) são os jovens dos 15 aos 24 anos, precisamente os que mais leem para estudar ou realizar trabalhos escolares (45%).”

Machado Pais fez notar que “a maioria dos indivíduos não beneficiou de estímulos à leitura em contexto familiar”, pois reportaram que nunca os pais ou outro familiar os tinham acompanhado a uma livraria ou biblioteca (mais de 70% dos casos).

Pessoas visitam a Torre de Belém por ocasião da reabertura ao público no Dia Internacional dos Museus,  em Lisboa, 18 de maio de 2020. Os espaços museológicos, palácios, monumentos nacionais e galerias de arte estavam encerrados desde 14 de março devido á pandemia da covid-19. MÁRIO CRUZ/LUSA

Torre de Belém apareceu na preferência de 61% dos inquiridos

MÁRIO CRUZ/LUSA

Museus e monumentos

Sem surpresas, o Mosteiro dos Jerónimos (63%), a Torre de Belém (61%) e o Mosteiro da Batalha (59%) foram os museus e monumentos preferidos entre os respondentes, até porque a importância histórica atribuída é o motivo mais vezes invocado para a decisão de visitar espaços como aqueles.

O inquérito destaca que os portugueses valorizam a “sociabilidade associada” à visita a monumentos, pois apenas 4% o fazem sozinhos, enquanto 65% vão com familiares e 27% com namorados ou amigos. A falta de tempo (39%) ou de interesse (38%) e o preço elevado das entradas (21%) são os motivos invocados pelos que não costumam fazer tais visitas.

“É entre os inquiridos com mais baixas qualificações académicas (50%) ou de classe socioprofissional modesta – como acontece com 50% dos operários e 43% dos trabalhadores de serviços – que mais se alega a falta de interesse ou a preferência por outras atividades”, diz o estudo. Nos 12 meses anteriores ao início da pandemia, 31% dos inquiridos tinham visitado monumentos históricos, 28% tinham ido a museus, 13% a sítios arqueológicos e 11% a galerias de arte.

Festivaleiros durante a 21.ª edição do Festival Músicas do Mundo, FMM Sines 2019, em Sines, 26 de julho de 2019. TIAGO CANHOTO/LUSA

Festival Música do Mundo, de Sines, em 2019

TIAGO CANHOTO/LUSA

Cinema, espetáculos, festas

No capítulo dos espetáculos, os mais frequentados foram as festas religiosas e populares e os festivais de gastronomia (38%), seguidos de concertos (24%) e teatro (13%). O circo (7%) ficou à frente dos chamados espetáculos eruditos, como os de música clássica (6%), dança clássica (5%) e ópera (2%).

“O poder de atração dos festivais e festas locais é transversal a toda a população”, lê-se no inquérito. “A distinção cultural ocorre, sobretudo, no acesso a espetáculos eruditos, francamente preferidos por inquiridos com rendimentos elevados, grandes empresários, profissionais liberais, profissionais socioculturais e gestores. Em contrapartida, as festas locais atraem quem quem tem habilitações escolares mais reduzidas, tendo uma forte implantação na Região Autónoma dos Açores.”

Quanto ao cinema, foi a escolha de 41% nos 12 meses anteriores ao início da pandemia. Entre os jovens dos 15 aos 24 anos, a percentagem alcançou 82%. “A assiduidade nas idas ao cinema aparece também associada a inquiridos com formação superior, grandes empresários, profissionais liberais e residentes na área metropolitana de Lisboa e na Região Autónoma da Madeira”, escrevem.

“Onde é que se pode atuar?”

Isabel Mota, presidente da Fundação Gulbenkian, interveio na apresentação de terça-feira para deixar dois desafios aos autores do estudo: “Onde é que se pode atuar” e “que políticas públicas são adequadas”, perguntou, referindo-se às políticas a adotar pelas instituições culturais e por municípios e Estado central face às conclusões agora conhecidas.

Miguel Lobo Antunes ensaiou uma proposta. Falou em “medidas macro e medidas micro”. Por um lado, resumiu, é necessário “uma grande campanha de estímulo à leitura ou à ida ao cinema, e insistir com a televisão, pelo menos a televisão pública, para dar mais informação nos noticiários sobre o que se passa” na área cultural. Por outro, sugeriu a “descida dos preços” dos bilhetes de acesso a eventos artísticos e a criação de “mais atividades dirigidas a certos públicos” que revelam pouca apetência.

“Estamos muito agradecidos à Fundação por ter financiado este estudo, mas isto tem de ter continuidade, para vermos como é que as coisas mudam ao longo do tempo”, afirmou Miguel Lobo Antunes. “Do ponto de vista das políticas, da gestão e da programação não podemos olhar para isto e dizer ‘fica assim, não se pode fazer nada’. Quanto mais problemas há, melhor, para quem tem de atuar, porque tem mais para tentar perceber e resolver.”

A sublinhar a importância atribuída pela Gulbenkian e pelo ICS ao inquérito, um comunicado enviado aos jornalistas sublinhava tratar-se de um “grande estudo, que oferece um retrato inédito da diversidade das práticas culturais em Portugal”.

Ao intervir na terça-feira, Guilherme de Oliveira Martins disse que o inquérito “assume uma importância muito significativa” para a Gulbenkian porque “pela primeira vez em Portugal temos um amplo tratamento à escala nacional das práticas culturais”, sendo este o “ponto de partida” para se conhecer melhor a realidade portuguesa, comparando-a com a de outros países.

"[O inquérito] tem como objetivo primeiro fornecer às instituições culturais uma grelha de leitura sobre os seus públicos, atuais e de futuro, e dar um contributo para a produção de políticas públicas inovadoras"
Miguel Magalhães, diretor do Programa Gulbenkian Cultura

No prefácio do livro a que o estudo deu origem, o diretor do Programa Gulbenkian Cultura, Miguel Magalhães, escreve que o inquérito “tem como objetivo primeiro fornecer às instituições culturais uma grelha de leitura sobre os seus públicos, atuais e de futuro, e dar um contributo para a produção de políticas públicas inovadoras”.

Além disso, diz o mesmo responsável, o estudo vem “trazer novos dados para um debate que é transversal à nossa sociedade: como garantir o acesso de todos à cultura e às artes num momento em que os processos de democracia cultural — e de democratização cultural — chocam com uma realidade atomizada e por vezes ilegível para os nossos decisores políticos e gestores culturais”.

Segundo Miguel Magalhães, a Gulbenkian vai utilizar o estudo como apoio para “preparar um futuro que se adivinha estimulante e a renovar e introduzir novos mecanismos de fruição e de acesso à cultura”.

20% com menos de 500 euros

A população estudada abrangeu duas mil pessoas pessoas com idade superior a 15 anos, residentes no Continente e nas ilhas, 58% das quais eram mulheres. O trabalho de campo esteve a cargo da empresa de estudos de opinião Metris GfK e decorreu entre 12 de setembro e 28 de dezembro de 2020 em 168 localidades, através de entrevistas pessoais na residência dos inquiridos, conduzidas por 57 entrevistadores, indica a ficha técnica. “A amostra é probabilística, estratificada por região (NUTII) e dimensão das localidades”, lê-se.

Os entrevistadores fizeram até um máximo de 83 perguntas por pessoa, conforme o caminho determinado pela sequência de respostas, e pediram à população estudada que falasse dos hábitos culturais nos 12 meses anteriores ou — se os espaços culturais implicados estivessem sem atividade à data do inquérito, por força das medidas de contingência da pandemia — para que se referisse a hábitos entre março de 2019 e março de 2020, ou seja, antes do surgimento da covid-19. A taxa de resposta foi de 39%.

Pedro Magalhães disse aos jornalistas que uma taxa de resposta muito inferior a 100% é o que “sucede em todos os inquéritos” e que “do ponto de vista cooperativo, e tendo em conta a dimensão do inquérito, este suscitou interesse” por parte dos inquiridos.

Ainda no que concerne às características da população estudada, 54% disseram estar casados ou em união de facto, 22% solteiros, 15% viúvos e 9% divorciados ou separados. Quanto ao grau de ensino, cerca de 13% tinham curso superior e 48% afirmaram não ter chegado ao 9º ano. Apenas cerca de 15% dos inquiridos afirmaram que o rendimento do agregado familiar estava acima de 1.500 euros por mês e 20% responderam dispor de menos de 500 euros.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.