Do nada, uma chamada de Florentino Pérez para Rubiales cinco minutos antes de anunciar quem seria o novo treinador do Real Madrid acabou por mudar por completo o foco do Portugal-Espanha da primeira jornada do grupo B do Mundial. E falou-se, falou-se e voltou a falar-se mais um bocado da saída de Julen Lopetegui, que foi apresentado esta quinta-feira em Madrid, e da troca de Hierro de diretor para treinador (sendo que pelo meio ainda terá havido uma sondagem para saber a possibilidade de Michel viajar até à Rússia). Até que houve alguém que, como sempre, falou e fez-se ouvir mais do que os outros.
“Universidad de Michigan. Baloncesto. 1989. Campeón de la NCAA. No sería la primera vez que ocurre. Todos unidos, ahora más que nunca”, escreveu Gerard Piqué nas suas páginas das redes sociais, recordando uma história muito conhecida nos Estados Unidos de uma universidade que, em vésperas de March Madness, não gostou de saber que o técnico Bill Frieder ia mudar-se para os rivais de Arizona e decidiu prescindir dos seus serviços, ganhando na mesma o Campeonato Universitário.
Universidad de Michigan. Baloncesto. 1989. Campeón de la NCAA. No sería la primera vez que ocurre. Todos unidos, ahora más que nunca.
— Gerard Piqué (@3gerardpique) June 13, 2018
O central do Barcelona, que na seleção tem um “casamento por conveniência” com Sergio Ramos, do Real Madrid, é uma figura incontornável pelo que diz. E, sabendo disso, tem saídas provocadoras que agitam toda a gente, como o tweet que fez com o emoji de um pacote de pipocas a propósito do anúncio da decisão de Griezmann em vídeo a propósito do seu futuro quando, afinal, tinha sido uma das suas empresas a produzir o mini documentário de como é complicado um jogador profissional tomar uma decisão entre todos os imponderáveis existentes (e acabou por ficar no Atl. Madrid). Piqué é isto e muito mais: é uma celebridade também reconhecida por estar casado com Shakira; é um empresário de sucesso em diferentes áreas; é um catalão com opinião política (e sem medo de tornar a mesma pública). Por isso, gera amores e ódios.
Piqué, o catalão que cria tempestades com o que diz e passa entre os pingos da chuva no que faz
Como já aqui tínhamos resumido num perfil feito sobre o jogador no período de maior tensão na Catalunha, Piqué, além de ser sócio num restaurante em Barcelona, tem 27% da Bas Alimentaria, uma empresa ligada à indústria de carne catalã que comercializa hambúrgueres. Mas é com o pai e com o irmão que tem os principais negócios: a Kerard Games, empresa ligada aos videojogos com um capital social de cinco milhões de euros; a Kerard Holding, que tem investimentos no imobiliário; e a Kerard Project, vocacionada para os direitos de imagem. E tem uma outra particularidade: além de pagar a um professor privado de economia e gestão de empresas, tirou um MBA na mesma área em Harvard (onde teve como colega a atriz Katie Holmes, o basquetebolista da NBA C. J. McCollum e o jogar de râguebi Jamie Heaslip). No entanto, e apesar de ser um grande adepto dos torneios internacionais de póquer, só arrisca pela certa: ganhou “apenas” 100 mil euros numa sociedade de investimento de capital variável com os suíços da UBS que começou com dez milhões de euros por ser muito calculista nos seus negócios. A isso acresce o gosto pela moda. E por outros desportos, como basquetebol e ténis. E é daí que vem a última aventura.
No final de fevereiro, a Federação Internacional de Ténis anunciou que tinha um mega plano para reformular por completo o conceito da Taça Davis, que começaria a ficar mais parecida com um verdadeiro Campeonato do Mundo com 18 seleções, na mesma semana e no mesmo local. Empresa responsável? A Kosmos, que tem como dono e fundador Gerard Piqué. E que envolve números completamente astronómicos num vínculo de 25 anos: 2,5 biliões de euros. No entanto, se é verdade que Novak Djokovic gostou da ideia para terminar da melhor forma a temporada da modalidade, o mesmo não se pode dizer de Roger Federer, que se mostrou muito renitente, e de outros jogadores que consideraram o projeto um passo atrás.
Por agora, o foco do defesa está no Campeonato do Mundo. Como jogador. E com o adversário que vai mantendo números de extraterrestre: Cristiano Ronaldo, o ex-companheiro, conhecido (sem grande amizade) e rival na última temporada. Que, na verdade, também podia ser seu sócio ou jogar na mesma equipa, como aconteceu no Manchester United em 2007/08.
O capitão de Portugal e melhor jogador do mundo funciona quase a dois níveis paralelos fora dos relvados: por um lado, tendo a Polaris (gerida por Luís Correia e que pertence ao universo Gestifute, de Jorge Mendes) como apoio, tem acordos de patrocínio com quase 20 marcas internacionais dos mais diversos setores, do desporto à saúde passando pelas comunicações e pela parte do entretenimento; por outro, através da sua marca CR7, tem vindo a aumentar o seu universo de influência não só na roupa e nos perfumes, onde tudo começou, mas também através de parcerias com o Grupo Pestana na área da hotelaria ou com o grupo Tatel na área da restauração. O último é o que tem o nome da sua mãe, no Brasil.
“Dona Dolores” é o próximo restaurante de Cristiano Ronaldo. Fica no Brasil e já há imagens
Para isso, e como contou este domingo a Notícias Magazine do JN e DN, conta com uma equipa própria onde entram Ricardo Regufe, que conheceu quando era ainda sports marketing manager da Nike; Miguel Paixão, antigo companheiro na formação do Sporting; Onofre Costa, assessor da Federação responsável pela parte da comunicação; Miguel Marques, conselheiro financeiro; e Miguel Ribeiro, que se juntou mais recentemente para ajudar Regufe.
Mas há outro ponto que liga Ronaldo a Piqué extra futebol. No ano passado, e depois de uma experiência que acabou por ser curta com a Mobitto (entre 2012 e 2014), aplicação móvel que recomendava algumas empresas e lojas, o madeirense voltou a apostar no mercado tecnológico e ficou com uma posição maioritária da Thing Pink, especializada no desenvolvimento de várias experiências digitais para clientes de variadas áreas. Daqui nasceu a 7egend, uma aposta forte e de futuro do capitão nacional. Em paralelo, vai-se acentuando o domínio do avançado nas redes sociais, com números sem paralelo em várias plataformas como o Instagram, o Facebook ou o Weibo, numa tentativa com sucesso de explorar o sempre apetecível mercado asiático.
É das redes sociais que têm saído as últimas farpas entre os dois jogadores que ganharam em 2008 a Liga dos Campeões pelo Manchester United. Como, por exemplo, em agosto de 2016, quando Piqué se voltou a queixar do sorteio sempre favorável para o Real Madrid e Ronaldo aconselhou a que visse a última publicação que fizera, onde mostrava o prémio de melhor jogador do ano. Ou, uns meses antes, na resposta à celebração do central pedindo “calma”, que o avançado registou como uma inevitabilidade ser recordado na hora da vitória ou derrota dos outros. No entanto, por mais do que uma vez, o espanhol já veio defender a imagem pública do português, assim como o português defendeu o espanhol em campo após um lance um pouco mais ríspido. Ambos sabem que o futebol é muito mais do que 11 jogadores de cada lado e contribuem para uma “indústria”.
Esta sexta-feira, os dois jogadores voltam a ser adversários. Piqué já recordou o caminho que uma equipa conseguiu fazer mudando de treinador na véspera do início da prova, Ronaldo disse entre sorrisos a um jornalista do As que é a sua equipa que vai ganhar o duelo ibérico. Ambos já somaram vitórias e derrotas marcantes na carreira. Segue-se um novo capítulo entre dois jogadores que, na última década, já somaram um total de 47 títulos (28 de Piqué, 19 de Ronaldo). E que, apesar das farpas, não escondem o respeito e admiração pela carreira que cada um tem montado do seu lado da trincheira. “Como companheiro é um ’10’. Admiro-o profissionalmente porque é um exemplo a seguir como jogador e como pessoa”, disse o catalão em 2013.