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Ana Martingo/Observador

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Fadiga, perda de memória, falta de ar e mais 200 sintomas. Covid longa pode durar meses ou anos (e ser a próxima "pandemia")

O diagnóstico é difícil e os sintomas são muitas vezes desvalorizados por doentes e médicos. Cansaço, perda de memória e ansiedade impedem o regresso ao trabalho ou a uma vida normal.

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Primeiro, veio o teste positivo; depois, os sintomas ligeiros. Nada que não se resolvesse dentro dos sete dias previstos para o isolamento. O pior surgiu uma semana mais tarde: exaustão profunda sem uma origem que fosse facilmente explicável e “nevoeiro mental” (brain fog, em inglês) que não permitia sequer acompanhar um programa ligeiro na televisão. Falhas de memória, dificuldade de concentração, dores de cabeça, intolerância ao ruído, picos de febre depois de a infeção já ter passado são alguns dos sintomas reportados por quem esteve infetado com o coronavírus SARS-CoV-2. Sintomas que podem ser passageiros ou recorrentes, que se podem manter por poucas semanas ou vários meses ou que podem mesmo surgir muito tempo depois da infeção inicial.

As sequelas associadas à infeção e os sintomas atribuídos à síndrome de Covid longa têm sido investigados desde uma fase precoce na pandemia de Covid-19, mas ainda existem muitas perguntas sem resposta. Uma revisão dos artigos científicos publicados na Current Medical Research and Opinion mostrou que, apesar do elevado número de resultados já disponibilizados, são precisos mais trabalhos que separem a condição pós-Covid nas mulheres e nos homens. Dos artigos científicos analisados, a equipa da Johnson & Johnson verificou que as mulheres reportam mais problemas do foro psiquiátrico, respiratório e musculoesquelético e que os homens demonstram ter maior propensão para perturbações renais.

“A nossa meta-análise mostrou que as mulheres e as pessoas que já tinham asma previamente são aquelas que mais frequentemente desenvolvem a condição pós-Covid”, concluiu ainda uma equipa da Universidade do Michigan (EUA), que analisou um conjunto de resultados já publicados na revista científica The Journal of Infectious Diseases.

Mais, esta condição pós-Covid não está reservada exclusivamente aos adultos. Uma investigação dinamarquesa com 11 mil crianças que foram infetadas (e 33 mil que nunca tiveram um resultado positivo para a infeção), entre janeiro de 2020 e julho de 2021, mostra que — quando comparado com os não infetados — os bebés, crianças e jovens que tinham estado infetados tinham uma maior probabilidade de sofrer de alguns sintomas inespecíficos, durante dois meses ou mais, como alterações de humor, erupções cutâneas, problemas de memória e dificuldades de concentração. Cerca de um terço das crianças que tinha estado infetada reportou sintomas que não tinha antes.

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“É importante que as pessoas que mantêm sintomas após a Covid-19 estabeleçam objetivos realistas, compreendendo que a recuperação é geralmente um processo gradual e transitório.”
Ana Vidal e Ângela M. Teixeira, Metis - Educação para a Saúde (2021)

Faltam dados analisados sobre a condição pós-Covid em Portugal

A prevalência da condição pós-Covid, a distribuição dos sintomas por género ou faixa etária e os fatores de risco para o desenvolvimento de queixas prolongadas no tempo ainda não estão estudados em Portugal. Com o objetivo de se conhecer o impacto da Covid longa no país, nasceu o projeto Locus (Long Covid – Understanding Symptoms, events and use of services in Portugal), desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade de Lisboa e financiado pela farmacêutica Pfizer.

O projeto está dividido em três grandes componentes, explica a investigadora responsável, Andreia Leite, ao Observador. Primeiro, vão pegar nos registos já existentes e verificar se houve um aumento de risco de problemas cardiovasculares ou respiratórios depois do internamento devido à Covid-19. A seguir, vão estimar qual a frequência da condição pós-Covid entre adultos na região de Lisboa e Vale do Tejo, ao fim de nove e 12 meses, comparando os infetados recuperados que apresentaram ou não estes sintomas — as pessoas serão contactadas para responderem a um questionário.

Por fim, serão criados grupos de discussão entre profissionais de saúde, como médicos de família, intensivistas e médicos de medicina interna, enfermeiros, terapeutas e, também, profissionais de coordenação e de gestão intermédia. O objetivo é avaliar até que ponto estão sensibilizados para o problema e as dificuldades que enfrentam (no diagnóstico, no acompanhamento clínico ou na gestão organizacional, por exemplo). Andreia Leite espera que, no final destas sessões, seja possível criar um manual de recomendações e boas práticas para o seguimento destes doentes.

Por enquanto, os doentes devem procurar uma consulta com o médico de família se ao fim de quatro semanas após o diagnóstico ou suspeita de infeção mantenham os sintomas ou tenham sintomas novos que não consigam explicar de outra forma — se tiver dúvidas sobre como deve proceder pode consultar a aplicação UpHill Health.

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Não há uma forma de tratar a Covid longa, por isso os tratamentos incidem sobre os sintomas e queixas apresentados, como os exercícios respiratórios ou a recomendação para que se deixe de fumar, nos casos de tosse, falta de ar ou desconforto torácico. Os sintomas psicológicos e dificuldade de concentração podem requerer a participação em grupos de apoio ou acompanhamento em psicologia clínica. Mas a principal recomendação é a adoção de estilos de vida saudáveis e de medidas de auto-cuidado, referem as autoras da publicação no repositório de artigos de educação para a saúde apoiado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto — Metis – Educação para a Saúde.

“O descanso, os hábitos de sono regulares, a alimentação saudável dividida em pequenas refeições ao longo do dia, o retorno gradual à atividade física e o regresso progressivo ao trabalho podem ajudar a ultrapassar a sensação de cansaço e fadiga”, indicam as autoras Ana Vidal e Ângela M. Teixeira. “É importante que as pessoas que mantêm sintomas após a Covid-19 estabeleçam objetivos realistas, compreendendo que a recuperação é geralmente um processo gradual e transitório.”

Se os sintomas persistirem, aumentarem ou surgirem de novo, ou se impedirem o regresso à atividade diária normal, o doente pode ser encaminhado para uma consulta hospitalar, onde será direcionado para as especialidades correspondentes às queixas que apresenta, incluindo reabilitação física ou respiratória, psicoterapia ou tratamentos psiquiátricos, de acordo com a norma da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Alguns hospitais, públicos e privados, criaram consultas específicas para os doentes que apresentem este tipo de queixas, mas só são diretamente encaminhados para as consultas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aqueles que estiveram internados com Covid-19 ou apresentem maior risco de desenvolver a condição pós-Covid-19. Os casos menos graves têm de ser encaminhados pelos médicos de família, mas isso nem sempre acontece, deixando os doentes “à espera que passe” ou a ter de recorrer a consultas nos serviços de saúde privados.

Mais de 20% das pessoas infetadas podem vir a apresentar Covid longa

Quantas pessoas sofrem, sofreram ou podem vir a sofrer de Covid longa ainda é uma incógnita. Primeiro, haverá pessoas que não chegaram a saber que estiveram infetadas e depois acabam por manifestar um conjunto de sintomas compatível com esta síndrome. Depois, nem todas as pessoas procuram ajuda clínica na presença dos sintomas que podem ser atribuídos à Covid longa. Por fim, muito dos estudos feitos são anteriores ao aparecimento da Ómicron, não se sabendo que impacto a longo prazo pode ter esta variante.

Evolução do número de casos de infeção com SARS-CoV-2 e mortes com Covid-19 em Portugal desde o início da pandemia.

De forma geral, aponta-se para que cerca de 20 a 30% das pessoas que estiveram infetadas com SARS-CoV-2 venham a sofrer de Covid longa — ou 10 a 80% das pessoas que estiveram infetadas com SARS-CoV-2, consoante o estudo. Parte desta diferença é justificada pelo tipo de doentes estudados: hospitalizados ou não, homens ou mulheres, pessoas com doença prévia ou não; mas também pela frequência da testagem, a data da infeção (por exemplo, antes ou depois de existirem vacinas) e a probabilidade de os doentes procurarem ajuda clínica.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os Centros para o Controlo e Prevenção da Doença (CDC), analisaram os registos médicos de mais de 350 mil pessoas que tiveram Covid-19 entre março de 2020 e novembro de 2021 e compararam-nos com os de 1,6 milhões de pessoas que não foram diagnosticadas com Covid-19 durante esse período. Um em cada cinco sobreviventes dos 18 aos 64 anos e um quarto dos sobreviventes com mais de 65 anos apresentou, pelo menos, uma condição clínica que pode ser atribuída à infeção com SARS-CoV-2, de acordo com o trabalho publicado em maio deste ano.

“Mais de metade dos doentes que assistimos e que estavam a trabalhar antes da infeção, agora são incapazes de trabalhar ou têm horários reduzidos devido aos sintomas.”
John Baratta, fundador e co-diretor da instituição de saúde UNC, na Carolina do Norte (EUA)

Em Portugal, com mais de quatro milhões de casos recuperados da infeção com o coronavírus desde o início da pandemia, pode estimar-se cerca de um milhão de casos Covid longa — com base na estimativa geral acima indicada —, mas ainda não existem estudos nacionais que o possam confirmar. Uma estimativa mais conservadora apresentada pela Organização Mundial de Saúde apontava para 10 a 20%: ainda assim, são mais de 420 mil casos que podem vir a pressionar o já debilitado Sistema Nacional de Saúde.

Uma estimativa conservadora em Portugal, em outubro do ano passado, apontava para mais de 100 mil casos de Covid longa, mas desde esse momento tivemos quase quatro vezes mais infeções — foram registados 1,4 milhões de casos de infeção com coronavírus até final de dezembro de 2021 e um total de 5,3 milhões de infetados até meados de julho de 2022 (ainda que este dado aglomere as primeiras infeções e os casos de reinfeções pelo novo coronavírus).

Mais de 200 sintomas, de incómodos a incapacitantes

Até ao momento já foram descritos mais de 200 sintomas relacionados com uma infeção prévia com o coronavírus, segundo o projeto Recover (Researching Covid to Enhance Recovery), destinado a compreender a doença para melhorar o tratamento e recuperação. A perda dos sentidos de olfato e gosto foram dos primeiros a ser identificados como específicos da Covid-19, mas outros, como tosse, falta de ar, febre e dores em várias partes do corpo (musculares, de cabeça, no peito ou no estômago), também se tornaram comuns. Os distúrbios digestivos, por sua vez, são reportados tanto em adultos como em crianças.

Com o tempo, mais sintomas foram referenciados, como a dificuldade em dormir, fadiga crónica, alterações de humor e incapacidade de manter um raciocínio claro e fluído. São também referidas palpitações, pontadas, dores nas articulações ou alterações no ciclo menstrual, conforme a lista disponibilizada pelos CDC. E há ainda referências a sensibilidade cutânea, ansiedade, stress pós-traumático e outras doenças mentais ou neurológicas.

Disautonomia e SARS-CoV-2

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“Curiosamente, muitos dos sintomas associados à covid longa identificados nesta meta-análise, tais como humor, fadiga, perturbações do sono, intolerância ortostática, diminuição da concentração, confusão, perda de memória, problemas de equilíbrio, intolerância ao exercício, hiperidrose, visão desfocada, desregulação da temperatura corporal, disfunção cardíaca, variabilidade do ritmo cardíaco e palpitações, obstipação ou diarreia, e disfagia, estão normalmente presentes na disautonomia”, refere a equipa de Sonia Villapol, investigadora no Houston Methodist Research Institute, num artigo publicado na Scientific Reports, do grupo Nature.

“A disautonomia é uma disfunção do sistema nervoso autónomo simpático e/ou parassimpático. No entanto, ainda não está claro se a disautonomia pode ser um resultado direto da infeção com SARS-CoV-2, da interação com outros vírus ou de processos imuno-mediados como as citocinas, que são mediadores conhecidos da resposta inflamatória.”

Scientific Reports/Nature

Os sintomas podem não ser mais do que incómodos ou ser de tal modo incapacitantes que os doentes mal se reconhecem nas capacidades limitadas que apresentam: a fadiga extrema que os obriga a passar o dia na cama, a dificuldade em respirar que torna uma ida à casa de banho uma prova física exigente, as falhas de memória e dificuldade em encontrar as palavras certas que associam à demência ou a incapacidade de fazer cálculos simples, como o troco de uma compra, acabam por dar lugar à frustração, ansiedade e depressão. O resultado é que as pessoas se veem impossibilitadas de executar as suas atividades profissionais e pessoais e de retomar as suas vidas normais.

A recuperação e regresso à vida quotidiana pode representar um desafio ainda maior para adultos jovens ou em idade ativa do que para os idosos e reformados. Os mais idosos, aqueles que já tinham outros problemas de saúde ou aqueles que estão hospitalizados, podem receber um tratamento de reabilitação mais tradicional, disse ao STAT News John Baratta, fundador e co-diretor da instituição de saúde UNC, na Carolina do Norte. “Mais de metade dos doentes que assistimos e que estavam a trabalhar antes da infeção agora são incapazes de trabalhar ou têm horários reduzidos devido aos sintomas.”

“Vamos ter uma pandemia de Covid longa”, antevê Svetlana Blitshteyn, neurologista na Escola de Medicina e Ciências Biomédicas Jacobs na Universidade de Buffalo (Nova Iorque). “Vamos ter muitas pessoas que estão bastante incapacitadas e muitas pessoas com doenças crónicas.” Ao STAT News, a médica disse estar preocupada com a taxa reduzida de recuperação completa de pessoas que apresentavam uma condição — síndrome de taquicardia ortostática postural — que afeta a circulação sanguínea e leva a tonturas, ritmo cardíaco acelerado e desmaios.

Passe o cursor sobre os apontadores para ter mais informação sobre os órgãos afetados e as consequências.

Custos individuais, para o Estado e para as empresas

Muitas das pessoas que apresentam uma condição pós-Covid estarão recuperadas ao fim de seis meses, mas muitas podem ter de esperar muito mais. W. Michael Brode, diretor clínico do programa pós-Covid UT Health Austin, no Texas, admitiu ao STAT News ter visto pessoas que tinham sido infetadas há cerca de dois anos e que ainda não estavam totalmente recuperadas.

Nas crianças e jovens, a estimativa é que 25% dos infetados venham a apresentar sintomas associados à Covid longa, de acordo com uma meta-análise conduzida por uma equipa multinacional e publicada na Scientific Reports, do grupo Nature. Esta condição vem assim somar-se a outras preocupações com esta faixa etária: a síndrome inflamatória multissistémica — uma doença rara, mas grave, resultante da inflamação de vários órgãos — e o impacto na saúde mental presente e futura (causada pelo isolamento, dificuldades no acesso ao ensino, perda dos pais, etc.).

O que se sabe sobre a síndrome inflamatória que pode afetar as crianças depois de terem Covid?

Se ainda faltam dados sobre o impacto da condição pós-Covid na vida das pessoas, menos existem sobre o peso nos sistemas de saúde ou as consequências para a economia. “As consequências económicas são provavelmente tão grandes como as devidas à doença aguda [na fase de infeção]”, escreveu David M. Cutler, investigador no departamento de Economia da Universidade de Harvard (Estados Unidos), na revista científica JAMA Health Forum.

Mesmo considerando uma estimativa conservadora de 12% dos recuperados a apresentar três ou mais sintomas, isso significa que “9,6 milhões de pessoas nos Estados Unidos terão desenvolvido Covid longa [até maio] — cerca de 10 vezes o número de mortes com Covid-19”, destacou o autor. Também em Portugal, a estimativa de casos de Covid longa é muito superior ao número de óbitos (menos de 25 mil).

Uma sondagem feita por um projeto norte-americano que pretende alertar para o impacto da Covid longa — COVID-19 Longhauler Advocacy Project — concluiu, em janeiro de 2022, que 44% dos que tinham respondido não tinham conseguido regressar ao trabalho e 51% ainda não conseguiam trabalhar com capacidades plenas, o que significa perda de rendimentos, por um lado, e aumento dos custos com a saúde, por outro.

É preciso considerar ainda que os trabalhadores incapazes de trabalhar recorrem a apoios — como a Segurança Social, em Portugal, com impacto no Orçamento do Estado — e que muitos destes trabalhavam na prestação de serviços (como profissionais de saúde, profissionais ligados à assistência social e funcionários no comércio). “A escassez de trabalhadores nestes sectores está a fazer subir tanto os salários como os preços”, escreveu David M. Cutler. “Parte do recente aumento da inflação nos EUA pode assim estar relacionado com a Covid longa.”

“Os trabalhadores não devem fazer mais de 70% daquilo que se sentem capazes de fazer, em qualquer momento, para evitar a fadiga e reduzir o risco de recaídas.”
Ewan MacDonald, professor na Universidade de Glasgow (Reino Unido)

O investigador da Universidade de Harvard deixou ainda sugestões para a melhor integração profissional das pessoas com sequelas, como o apoio à transição para o teletrabalho. “As pessoas que sofrem de fadiga crónica podem ter mais facilidade em trabalhar de casa ou com pausas frequentes do que com o horário fixo no emprego e longas deslocações [para lá chegar].”

Um documento de reflexão publicado pela Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho alerta que as funções e tarefas dos trabalhadores poderão ter de ser ajustadas ou modificadas. O primeiro passo é que os empregadores sejam sensibilizados para o problema, conheçam os sintomas e as limitações sentidas pelos trabalhadores, aconselhou o autor, Ewan MacDonald, fundador do Grupo de Vidas de Trabalho Saudáveis na Universidade de Glasgow (Reino Unido). Depois, com base nesta informação, é possível tomar as medidas necessárias para “salvaguardar a segurança do trabalhador e de terceiros, como no caso de condutores, operadores de maquinaria pesada, entre outros”.

A recomendação do especialista em Medicina Ocupacional é que, no regresso ao trabalho, “os trabalhadores não devem fazer mais de 70% daquilo que se sentem capazes de fazer, em qualquer momento, para evitar a fadiga e reduzir o risco de recaídas”. Chegar a altos níveis de cansaço pode originar retrocessos na recuperação e fazer com que os trabalhadores demorem mais tempo a voltar às condições consideradas normais.

Outros coronavírus também já deixavam sequelas nos doentes

Os sintomas poderão ser atribuídos à infeção, caso surja depois de um teste positivo confirmado, mas a verdade é que são sintomas inespecíficos e comuns em outras doenças ou até para outras infeções virais. O que não impede, no entanto, que seja uma condição clínica à qual se deve dar a devida atenção.

Os danos nas células, uma resposta imunitária violenta que provoca inflamação e um estado propenso à coagulação sanguínea são condições frequentes depois da infeção com SARS-CoV-2 e podem justificar as sequelas detetadas nas pessoas com Covid longa. Os sobreviventes de outras epidemias com coronavírus, nomeadamente SARS (em 2003) e MERS (em 2012), apresentaram uma constelação de sintomas persistentes equivalentes aos do SARS-CoV-2, como destacou um artigo de revisão da Nature Medicine.

Coronavirus

SARS, MERS e SARS-CoV-2 são coronavírus. Um exemplo de coronavírus, com um diâmetro de 80-100 nanómetros, visto no microscópico eletrónico de transmissão

CAVALLINI JAMES/BSIP/Universal Images Group via

“A sobreposição entre as sequelas da condição pós-Covid com as de SARS e MERS pode ser explicada pelas semelhanças filogenéticas entre os coronavírus patogénicos responsáveis”, escreveram os autores do artigo científico. A sequência genética do SARS-CoV-2 sobrepõe-se em 79% com a do SARS-CoV-1 e em 50% com o do MERS-CoV. Além disso, usam a mesma porta de entrada nas células, o recetor ACE2.

Os doentes que recuperaram da infeção com SARS-CoV-2, à semelhança dos que foram infetados com SARS-CoV-1 — 25 a 30% destes —, têm um maior risco de vir a sofrer de infeções secundárias, seja com outros vírus, com bactérias ou com outros agentes patogénicos. Estas infeções secundárias, porém, não explicam os sintomas prolongados da condição longa.

“O sistema imunitário de algumas pessoas fica descontrolado depois da Covid-19. Estamos a tentar olhar para as semelhanças entre a fadiga crónica e fibromialgia e a Covid longa“, disse W. Michael Brode ao STAT News, acompanhando outros colegas que trabalham nesta área. O médico disse que já se conheciam outros casos de infeção por vírus que causaram, a posteriori, sintomas semelhantes, mas nada à escala do que o SARS-CoV-2 tem causado.

Alguns dos mecanismos desencadeados pela doença aguda (durante a fase da infeção) incluem: toxicidade provocada diretamente pelo coronavírus, destruição da cobertura interior dos vasos sanguíneos, desregulação do sistema imunitário que provoca uma hiperinflamação e aumento da coagulação sanguínea provocando tromboses. Já os mecanismos que podem levar à alteração da função dos órgãos a médio e longo prazo são as alterações causadas pelo vírus diretamente, os danos causados pela resposta imunitária exacerbada e as sequelas depois da doença grave, de acordo com um artigo de revisão publicado na Nature Medicine.

OMS define condição clínica pós-covid pela primeira vez

Por outro lado, ainda não foi possível associar esta condição pós-Covid à gravidade da doença aguda ou à quantidade de anticorpos no organismo, conforme as conclusões de uma equipa colombiana na Autoimmunity Reviews. Mas já existem alguns dados sobre o potenciais grupos de risco, estando estes associados à idade, hipotiroidismo, obesidade, hipertensão e outras doenças prévias. Porém, não existe um teste, análise ou exame específico que permita diagnosticar a síndrome de Covid longa.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) procurou definir oficialmente a condição clínica pós-Covid em outubro de 2021, como o conjunto de sintomas que persistem além dos três meses depois da infeção e que não são atribuíveis a outro diagnóstico. Mas a definição acaba por ser ainda genérica e bastante vasta: como ainda não se conhece a causa, não se consegue prever quem irá sofrer as sequelas e muito menos se consegue prevenir. Apesar da definição oficial, poucas soluções surgiram para resolver esta condição que se pode prolongar por vários meses ou até anos. Sem falar do facto de que ainda não é conhecido o risco para o desenvolvimento de outras doenças, como doenças autoimunes ou acidente vascular cerebral, nos anos seguintes.

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