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Conferência sobre o Futuro da Europa (COFOE) em Maastricht: Entrevista a Arjan van Der Waal, um observador da COFOE pertencente à European Democracy Lab, uma instituição que tem como óbjetivo desenvolver novas ideias para a União Europeia. 11, 12 e 13 de Fevereiro de 2022 Países Baixos, Maastricht TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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“Falta cumprir o Tratado de Maastricht: a União Europeia das pessoas”

A Conferência sobre o Futuro da Europa desafiou os cidadãos a debater a UE. Mas para Arjan van Der Waal, do think tank European Democracy Lab, isso não chega: falta cumprir o Tratado de Maastricht.

Por que razão este tipo de exercício de participação cidadã que ocorreu nas sessões da Conferência sobre o Futuro da Europa é tão importante para a União Europeia?
A importância ainda está por observar. Penso que isto faz parte de um exercício maior. Parece ser uma tentativa de realmente retrabalhar o futuro da Europa de baixo para cima. É uma boa tentativa. É definitivamente positivo tentar e fazer isso com cidadãos de toda a Europa, pelo menos para terem uma voz mais forte. Mas tudo depende, claro, do que se fizer com estas recomendações e de como os políticos vão integrá-las.

Um dos principais desabafos dos cidadãos com quem falamos é se, realmente, as recomendações vão ser integradas nas decisões futuras da Europa. Em que medida esta desconfiança tem, ou não, fundamento?
Se olharmos para a União Europeia [UE], penso que, ao longo das últimas décadas, ela não foi realmente capaz de se reinventar para melhorar. Se recuarmos trinta anos anos, havia uma promessa na UE com o Tratado de Maastricht de que não haveria apenas uma união entre estados, haveria também uma união entre pessoas, entre os cidadãos. Isso ainda não aconteceu. Isso é algo que a UE não tem conseguido realizar. Tivemos, claro, um mercado comum. Isso é ótimo para as indústrias, é ótimo para o setor privado, para as empresas, temos a moeda comum, isso é fantástico para os banqueiros. Mas ainda estamos à espera da UE das pessoas, dos cidadãos de facto. Estamos à espera que o Tratado de Maastricht se cumpra e não parece que isso seja genuinamente a vontade dos estados membros e das instituições para o fazer.

Conferência sobre o Futuro da Europa (COFOE) em Maastricht: Entrevista a Arjan van Der Waal, um observador da COFOE pertencente à European Democracy Lab, uma instituição que tem como óbjetivo desenvolver novas ideias para a União Europeia. 11, 12 e 13 de Fevereiro de 2022 Países Baixos, Maastricht TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Ocorre-lhe algum exemplo que possa evidenciar essa crítica? Poderia elaborar melhor o seu argumento?
É curioso porque também se vê isso hoje em dia. Eu estive num intercâmbio [num grupo da CoFoE] onde os cidadãos se debatiam porque não sabiam exatamente como a UE está a funcionar neste momento. Por isso precisavam de mais informação. O próprio sistema que foi estabelecido é um sistema onde as pessoas estão a trabalhar arduamente, mas não está a dar frutos. Portanto, isto é um pequeno, digamos, fracasso prático no funcionamento, e o moderador [nestes grupos de trabalho] estava a tentar resolver isso, abordando um observador que estava na sala, que é um especialista, um académico, para falar sobre este tópico e ajudar os cidadãos a compreenderem quais são as realidades e falar sobre os factos corretos. Ele pediu a autorização dos cidadãos. Mas isso foi negado pelos organizadores, pelas instituições organizadoras deste evento. É lamentável. Assim, em vez de ouvirem os cidadãos que tinham problemas em ter aqui a sua troca de ideias, decidiram, devido às tensões entre eles — entre a Comissão, o Conselho da União Europeia e o Parlamento —, aplicar as regras das instituições da UE. O que aconteceu é que parte da conversa entre os cidadãos carecia de uma base factual. E eles ficaram confusos. Por isso, se projetarmos em maior escala este cenário, então estamos preocupados com o que vai acontecer a seguir com estas recomendações que os cidadãos estão a fazer hoje? A resposta é sim.

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Tivemos um mercado comum. Isso é ótimo para as indústrias, para o setor privado, para as empresas. Temos a moeda comum. Isso é fantástico para os banqueiros. Mas ainda estamos à espera da UE das pessoas, dos cidadãos de facto.

Se existem essas tensões de base, replicadas no modelo de funcionamento destas assembleias, como é que estas recomendações podem ser realmente tidas em conta?
Da minha experiência é que elas não podem, porque nós temos algumas experiências de participação cidadã. Até agora, foram feitas a uma escala bastante grande em França com as alterações climáticas. Também têm, por exemplo, na Bélgica a  G-1000. Retiramos várias lições daqui. Aliás, uma das principais lições, quando se faz este tipo de consulta aos cidadãos, é que haja um compromisso político desde o início, ou seja, de como os políticos vão ter essas recomendações em conta. Eles não têm de dizer que vão seguir a 100%, mas pelo menos comprometem-se a dizer: “Ok, nos nossos procedimentos perante o Parlamento, ou na nossa agenda, esta é a forma como vamos tratar as vossas recomendações”. E, se não se fizer isso previamente, então é provável que falhe, e acabará por não haver garantias. Esta é uma das lições que não está a ser aplicada na Conferência sobre o Futuro da Europa. Isso faz com que nos preocupemos sobre “como” e “se” serão tidas em conta. E, claro, sobre a UE, é uma característica comum que é muito fácil de bloquear, suspender, deixar as questões desaparecerem. Portanto, honestamente, quando se está a perder uma das lições chave de outros processos de participação dos cidadãos na Europa, creio que não seja muito difícil ter poucas esperanças de que estas recomendações vão a algum lado.

Então este é um exercício participativo em vão?
Por outro lado, o que está a acontecer aqui, neste tempo ainda de COVID, é que se consegue pôr em marcha uma conversa entre pessoas de diferentes lados do continente, através de diferentes gerações, através de todo o tipo de clivagens. Isso é, na verdade, espantoso. Estou aqui [Maastricht] pela primeira vez presencialmente. Há aqui um sistema, um enquadramento muito técnico, mas há realmente todos estes europeus a trocarem ideias entre si. Acho isso fascinante e é algo que me dá esperança. Não a perspetiva política, não o lado do sistema. Mas a experiência enquanto tal é bela. E penso que as pessoas que aqui se encontram vão levar isso consigo. Nós, como European Democracy Lab, temos uma ideia muito provocadora. Se pensarmos realmente através do que descrevi durante essas últimas décadas, a crise que deixamos, o facto de a UE não conseguir melhorar-se a si própria para se reinventar, indica que deveria seguir uma Europa para os cidadãos, deveria ser a res publica. Portanto, o que pensamos que terá de acontecer poderá precisar de outra crise ou não, mas aquilo a que devemos chegar é na realidade uma República Europeia.

Conferência sobre o Futuro da Europa (COFOE) em Maastricht: Entrevista a Arjan van Der Waal, um observador da COFOE pertencente à European Democracy Lab, uma instituição que tem como óbjetivo desenvolver novas ideias para a União Europeia. 11, 12 e 13 de Fevereiro de 2022 Países Baixos, Maastricht TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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Partindo do seu raciocínio, na linha da reinvenção de uma Europa mais pública, mais cidadã, como é que a democracia como sistema político pode ser reajustada para se adaptar à necessidade real como União Europeia?
Precisamos de mais experiências como esta. É por isso que somos um laboratório, não temos todas as respostas definitivas se pensamos que precisamos de experimentar nesse sentido. Mas  é muito encorajador que, pelo menos, a Europa esteja disposta e desejosa de fazer isso. É preciso tentar e aprender lições com outros que já estão a fazer isto. Mas também mergulhar de novo na história e perceber o que, ao longo dos séculos, funcionou, e o que não funcionou na Europa, e pensar a partir disso. E, provavelmente, que essa coligação com os cidadãos continue a ser mobilizada, que se juntem e não apenas esperar que as instituições ou partidos políticos nos organizem para o fazermos nós próprios. É por isso que também me voluntario. Faço-o na minha qualidade de cidadão europeu, e tento ligar-me e tentar fazer parte de um laboratório onde se experimenta.

Nesse caso, como se deve experimentar estes ensaios políticos que partem dos cidadãos, se eles são dinamizadas já de um sistema pré-estabelecido?
O que agora percebo é uma das maiores falhas na forma como a conferência e a conversa são concebidas: foi encaixotada num sistema, não há espaço para a imaginação. Se olharmos à nossa volta para as questões e os problemas sobre os quais os cidadãos são questionados, na realidade são as dores de cabeça e os grandes problemas que a UE enfrenta atualmente. Acho isso quase injusto para os cidadãos. Isto não se resolve facilmente em Bruxelas e em Estrasburgo, porque se espera que os cidadãos que vêm a uma reunião em Maastricht resolvam isso? Por isso não se trata de discutir o futuro da Europa. Para se pensar o futuro é preciso que haja espaço para a criatividade, para a imaginação. E a forma como a conferência e estas discussões são concebidas não permite a imaginação, penso que é uma falha no design.

Se olharmos para as questões e os problemas sobre os quais os cidadãos são questionados, são as dores de cabeça e os grandes problemas que a UE enfrenta. Isto não se resolve facilmente em Bruxelas e em Estrasburgo, porque se espera que os cidadãos que vêm a uma reunião resolvam isso?

Está a afirmar que é um quadro referencial estabelecido e consciente para ficar tudo na mesma?
Talvez não seja consciente, mas de alguma forma está dentro de algumas pessoas. Alguns dizem que isto é consciente, e outros dizem, sabemos, que há poderes políticos que não querem que esta conferência tenha sucesso. E outros dizem que sim. Eu diria que sim, que talvez seja inconsciente, mas com certeza há uma falha de design do sistema, porque não há aqui imaginação. Para que funcione melhor é importante que parta realmente da base, dos cidadãos.

Este artigo faz parte de uma série sobre a Conferência Sobre o Futuro da Europa e é uma parceria entre o Observador e o Parlamento Europeu.

Nota do Parlamento Europeu: Projeto editorial co-financiado pelo Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.

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