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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

FCSH. Viagem a uma faculdade em confronto

Numa faculdade historicamente de esquerda, um nacionalista quis fazer um evento e foi cancelado. Hoje, há duas manifestações no sítio onde se lutou contra propinas — e onde há quem admire Salazar.

Quando Rafael Pinto Borges entra, dá a impressão de que todas as cabeças se viram para ele. De camisa azul aberta a meio do peito, onde um crucifixo sobressai de um tufo de pêlos, o jovem veste calças cremes e calça sapatos castanhos. O estudante de 22 anos e fundador do grupo Nova Portugalidade atravessa o pátio de uma das universidades mais esquerdistas do país numa postura de desafio. São poucos os olhos que escapam à sua travessia, de passos largos e com os ombros bamboleantes, um deles a segurar a mochila, em direção ao bar da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. De sorriso altivo, Rafael Pinto Borges caminha aparentemente alheio ao que tem à sua volta.

Chegado ao bar, vai para a fila onde se vendem refeições completas, que prefere àquela onde são servidas sandes e pastelaria. São quase 14h00 e, depois de ter feito a sua viagem diária das Caldas da Rainha, onde vive, Rafael Pinto Borges olha com interesse para o rolo de carne com espinafres. Depois de lançar um “boa tarde” à senhora que está atrás do balcão, pergunta-lhe com uma voz exageradamente colocada: “Temos aqui um rolo de carne, não é assim?”. A funcionária confirma que sim. “Está com um aspeto delicioso”, comenta. “É mesmo isso que vou comer”, diz. Assim que é servido, pega no tabuleiro e dirige-se à esplanada. Por fim, senta-se. Ainda está tudo a olhar para ele.

Rafael Pinto Borges é fundador do núcleo Nova Portugalidade e finalista do curso de Ciência Política e Relações Internacionais (HUGO AMARAL / OBSERVADOR)

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Nada disto é por acaso. O contexto é conhecido de alguns fora das paredes da FCSH, mas lá dentro, no número 26 C da Avenida de Berna, em Lisboa, ele não parece escapar a ninguém. Rafael Pinto Borges e o grupo que dirige, o Nova Portugalidade, que conta com “cerca de 12 membros” em que “cerca de metade” são alunos na FCSH, saltaram do anonimato depois de se terem queixado de uma conferência sob o tema “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen”, onde o único orador seria Jaime Nogueira Pinto, ter sido cancelada.

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Aqui, nada parece ser consensual — nem sequer a ideia de que a conferência foi “cancelada”, já que há quem prefira dizer que ela foi simplesmente “adiada”. Assim, servem os próximos parágrafos para, de forma resumida, explicarem o que dizem as várias partes envolvidas no caso sobre o que se passou. Seja como for, a história está longe de terminar — esta terça-feira, o Partido Nacional Renovador (PNR) tem uma manifestação marcada para a porta da faculdade às 18h00; horas antes, às 14h00 e às 16h00, por oposição, alunos e ex-alunos vão reunir-se dentro da FCSH em dois eventos diferentes.

A conferência “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen” estava marcada para dia 7 de março, mas acabou por não acontecer. Os passos que levaram ao seu cancelamento — ou adiamento — são pouco claros e variam consoante a versão de quem conta a história.

Cada um tem a sua verdade. Rafael Pinto Borges, estudante do terceiro ano da licenciatura de Ciência Política e Relações Internacionais na FCSH, entrou na Associação de Estudantes (AE) daquela instituição para pedir uma requisição do auditório. Apesar da AE não ser proprietária do espaço, esta tem servido até há pouco como intermediária dos alunos perante a direção, a quem cabe verdadeiramente a decisão de ceder ou não o auditório para as várias iniciativas que nela podem ter lugar.

O pedido foi feito, mas rapidamente causou um mal-estar junto da AE. Ao Observador, duas representantes da AE da FCSH — que preferem falar em nome da organização, que dizem ser horizontal, pedindo assim que não sejam publicados os seus nomes — dizem que lhes chegou uma “maré de críticas”. A 2 de março, numa Reunião Geral de Alunos que estava previamente marcada, essa “maré de críticas” deu lugar a uma moção. Nesta, era dito que o evento onde participaria Jaime Nogueira Pinto estaria associado a “argumentos colonialistas, racistas, xenófobos, que entram em colisão com o programa pela qual a AE da FCSH foi eleita”. Assim, o pedido era simples: “Pede-se que a AE da FCSH tudo faça para tal debate não acontecer”. Após discussão, a votação foi clara: 24 votos a favor, quatro votos contra e três abstenções.

Jaime Nogueira Pinto acusa o diretor da FCSH de ter "cedido" à pressão daqueles que pediram o cancelamento da sua conferência (Paulo Spranger)

Paulo Spranger

Ao Observador, as duas representantes da AE preferem dizer que aquela organização se “desvinculou” da reserva do auditório, passando assim o ónus para a direção da faculdade. Nesta fase, segundo deixou conhecer num comunicado, a direção “não aceitou o cancelamento do evento”. Porém, “começou a receber sucessivas informações e indicações relativas a possíveis confrontos e insegurança à volta da conferência”.

Nesta fase, foram feitos contactos entre a direção da FCSH, encabeçada por Francisco Caramelo, e o aluno Rafael Pinto Borges. Perante a existência de ameaças — das quais a AE diz não ter conhecimento; cuja proveniência o diretor da FCSH não especifica; e que o estudante da Nova Portugalidade diz serem da “extrema-esquerda de fora e dentro da faculdade” —, Rafael Pinto Borges propõe a presença de polícia no evento. Ao Observador, diz que o objetivo era simples: “Para dissuadir os arruaceiros de fazerem alguma coisa e também para poderem ser detidos” os que “causassem distúrbios”.

Rafael Pinto Borges pediu presença policial, e depois de segurança privada, para “para dissuadir os arruaceiros de fazerem alguma coisa”

Essa hipótese foi rejeitada por Francisco Caramelo, que na sua nota pública escreveu que isso “não só não faz parte da cultura da nossa instituição, como não seria um contexto digno de discussão de uma temática que deveria ser debatida serenamente”. É precisamente no ponto seguinte que os relatos mais divergem. Perante esta recusa, Rafael Pinto Borges diz que sugeriu a presença de seguranças privados no evento. “Propus que houvesse um ou dois seguranças, como aliás já há aqui na faculdade, e que se houvesse necessidade disso a Nova Portugalidade podia ajudar a pagar as despesas”, diz. Mas a versão de Francisco Caramelo destoa, apontando que o estudante de terceiro ano de Ciência Política fez uma sugestão diferente: “Aquela organização anunciou então que traria dez homens, que estariam na sala durante a conferência, e que garantiriam a segurança do evento”.

O evento acabou por não acontecer, como foi noticiado no final de do dia de 6 de março. Nesse mesmo dia, Francisco Caramelo telefona a Jaime Nogueira Pinto, onde lhe propôs que a conferência fosse adiada “para uma data próxima em que a mesma pudesse ter lugar em ambiente sereno”. Por sua vez, o orador do evento diz que rejeitou essa proposta. “Sublinhei ainda que me parecia um mau princípio que uma instituição se deixasse amedrontar e dissuadir por grupos minoritários”, escreveu Jaime Nogueira Pinto, num texto publicado no Observador.

Alguns dirigentes da AE foram confrontados por “um grupo de 40 homens” de extrema-direita que lhes exigiram explicações. O encontro foi tenso e mesmo à porta da sede da AE

No dia 7 de março, aquilo que a AE descreve como “um grupo de 40 homens que se identificaram como membros da extrema-direita” entra na FCSH para exigir explicações a alguns dos seus dirigentes. A troca de palavras acontece durante “mais de meia hora” à porta da AE, num tom “exaltado”. As dirigentes que foram abordadas, todas mulheres, estavam encostadas à porta da AE, que não foi transposta pelos militantes da “extrema-direita”.

Nesse mesmo texto, Jaime Nogueira Pinto diz ainda que lhe foi colocada a hipótese de ser realizado um “colóquio”, após reunião com Francisco Caramelo e também o reitor da UNL, António Rendas, que contou com o intermédio do historiador Fernando Rosas. Jaime Nogueira Pinto diz que aceitou a ideia de um “colóquio” de “boa-fé”.

Ponto final numa polémica à portuguesa

Porém, num volte-face, que também explica no texto do Observador, Jaime Nogueira Pinto explica que o comunicado do diretor da FCSH inclui “uma versão deturpada dos acontecimentos”, já que dizia que “a conferência nunca tinha sido cancelada e [que] a direção da FCSH nunca cedera à pressão e às ameaças dos que, por razões ideológicas, ‘tudo fariam para que não se realizasse’”.

Jaime Nogueira Pinto acusa o diretor da FCSH de apresentar “uma versão deturpada dos acontecimentos”

Este é ponto mais recente de uma polémica que se arrasta desde o dia 6 de março, quando foi conhecida a não-realização da conferência “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen”. E é neste ponto de situação que, sob os olhares atentos dos demais, Rafael Pinto Borges almoça o seu rolo de carne com espinafres guarnecidos de uma dose generosa de batatas fritas.

Um “conservador soberanista de centro-esquerda” que admira Salazar e Fidel Castro

Gesticulando de forma professoral, Rafael Pinto Borges explica que nada disto lhe tem dado “grande gosto”. “Como toda a franqueza, não sou pessoa dada a estas histerias”, garante. Mas, por outro lado, reconhece que também esta moeda tem um lado positivo: “Aprecio a atenção que têm dado à Nova Portugalidade e fico contente por algo tão feio ter dado tanto a atenção ao nosso núcleo”.

Rafael Pinto Borges define assim a Nova Portugalidade: “É e sempre será uma associação patriótica, aberta e inclusiva, que vai da esquerda à direita, onde há espaço para todas as sensibilidades políticas e todas as religiões”. De forma resumida, explica que este grupo, que foi fundado em fevereiro de 2016, está aberto a toda a gente “desde que a sua ideologia seja compaginável com o amor a Portugal”. Esse amor também deve ser extensível à “portugalidade”, que diz ser “a civilização que junta povos, que é uma família humana”. E depois sublinha: “Isto não tem nada a ver com o colonialismo”.

“Aprecio a atenção que têm dado à Nova Portugalidade e fico contente por algo tão feio ter dado tanto a atenção ao nosso núcleo”. Rafael Pinto Borges, estudante da FCSH e fundador do Nova Portugalidade

Diz ainda o estudante finalista de Ciência Política que “a Nova Portugalidade lamenta profundamente que a fraternidade que representa os povos de língua portuguesa se tenha desmantelado”, acrescentando ainda que “essa civilização era a negação do racismo e do preconceito — e não o seu contrário”.

Sobre a escravatura, assunto no qual toca apenas quando o referimos, diz que foi um fenómeno “abominável” mas que “não é único da realidade portuguesa” e que deve ser “analisado à luz do seu tempo”. E, por fim, diz que não é “um fator indissociável da portugalidade”.

Entre as várias fotografias que tem no seu perfil de Facebook, de acesso público, há uma onde pode ser visto contemplativo e de cócoras no local da campa do “Professor Salazar”, em Santa Comba Dão, onde depositou “as suas flores prediletas”. Fazendo notar que naquele concelho não há “nem um busto” do ditador, acrescenta: “Sobrou-me chorar os mortos, já que os vivos nos dão tantas provas de os não merecerem”.

“O professor Salazar merece-me grande estima pessoal e social”, garante ao Observador. “Mas alguém razoável e ponderado pode negar que o professor Salazar tinha virtudes morais e públicas, que defendeu o patriotismo de forma digna e que foi sem dúvida uma grande figura do século XX?”, pergunta. “Até Jerónimo de Sousa, por quem tenho simpatia e quem acredito ser uma pessoa inteligente, será capaz de lhe apontar qualidades sociais.”

É difícil colocar Rafael Pinto Borges numa caixa, porque ele próprio recusa que lho façam. Quando trata de elencar figuras políticas que merecem a sua admiração, alheia-se das suas ideologias e prefere antes destacar a sua capacidade de “servir o povo”. Fá-lo num espírito que faz lembrar os adeptos de futebol que, mais do que os clubes, preferem o desporto em si — e como tal não têm problemas em destacar as capacidades atléticas de jogadores de equipas rivais. Invulgarmente, para o fundador da Nova Portugalidade, isso parece ser transponível para a política. Como tal, confessa-se admirador do “patriotismo” de Salazar na mesma frase em que destaca a “inteligência” de Jerónimo de Sousa; elogia a “luta contra a hegemonia dos EUA” de Fidel Castro pouco antes de destacar “as ambições externas” de Donald Trump; expressa admiração pela “deriva soberanista” de Manuel Monteiro e elogia António Guterres por ser “um conservador de centro-esquerda”. No meio disto tudo, quem mais admira é Charles de Gaulle, a sua “principal referência política”.

Rafael Pinto Borges admira políticos de vários quadrantes. Na mesma frase, tece elogios a Salazar e a Jerónimo de Sousa, destaca o que crê serem qualidades de Fidel Castro e de Donald Trump, ou confessa admiração por Manuel Monteiro e António Guterres.

Ainda assim, diz com orgulho que é membro da Juventude Popular desde os 15 anos. Porém, não acredita no atual rumo do CDS-PP, que diz estar “completamente perdido”. Quanto a ele próprio, dá coordenadas pouco comuns para o seu pensamento político. Numa primeira fase, diz que é um “conservador soberanista de centro-esquerda”. Depois, desconstrói essa explicação e opta por outra ainda mais complexa: “Soberanista e de centro-esquerda na economia e centro-direita nos valores”.

Basta passar uma tarde entre aquelas mesas para perceber que ali se fala de política de forma aberta, muitas vezes com os estudantes a trazerem para o pátio aquilo que lhes é apresentado nas aulas. Consoante os círculos, a discussão acontece da esquerda à direita — mas é também conhecido o pendor esquerdista desta faculdade, uma referência incontornável do movimento contra a criação das propinas nos anos 1990 ou do movimento anti-praxe, entre outros.

Rafael Pinto Borges está, pois, longe de ser a primeira pessoa a discutir política entre estas quatro paredes. Tal como também está longe de ser o primeiro estudante que, ao entrar o pátio da FCSH, atrai os olhares de toda a gente. Em 1993, essa observação coube a João Carlos Louçã.

A AE da luta contras as propinas — e dos rabos virados contra o ministro

A razão era simples. No dia 13 de abril daquele ano, houve uma conferência entre estudantes, professores e membros do Governo de Aníbal Cavaco Silva, entre eles o ministro da Educação, António Couto dos Santos. O contexto era de conflito entre estudantes e governantes, apesar de ali estarem na mesma sala, devido à criação da lei que criou o pagamento de propinas no ensino superior. E isso ficou claro quando, para o espanto do país, quatro jovens baixaram as calças e mostraram os rabos ao ministro. Juntando as letras escritas a marcador negro naquelas oito nádegas, lia-se: “NAO PAGO”. À esquerda de todos, com um N numa nádega e um A na outra, estava João Carlos Louçã.

Hoje, com 50 anos, recorda esses tempos com um sorriso que denota a ausência de qualquer arrependimento. “Não me envergonho nada daquilo”, garante ao Observador, também na esplanada da FCSH, onde voltou em 2010 para voltar ao curso Antropologia, desta vez o mestrado. Hoje, está no doutoramento, que o leva a estudar o fenómeno da economia paralela no Porto.

A tranquilidade com que fala desses dias contrasta com o tom de então. “Naquela altura houve muita gente orgulhosa, mas também houve quem tivesse demonstrado desagrado”, recorda João Carlos Louçã, irmão de Francisco Louçã e também ele militante do Bloco de Esquerda. O desagrado partiu inclusive dentro da AE, da qual era tesoureiro. “Houve gente que teve a preocupação de que aquilo tinha chamado um tipo de atenção errado para a AE”, explica, embora saliente que aquele gesto foi feito a título individual e não em nome da associação. Ainda assim, lembra-se: “Tivemos uma reunião muito dura na AE”.

Foram anos de muita tensão. João Carlos Louçã, que só entrou para a FCSH com 27 anos, para a licenciatura de Antropologia, recorda-os como se fossem hoje. Das manifestações em que participou, lembra-se da “violência policial” que marcaram alguns desses protestos. Dos colegas, recorda o boicote às propinas, que durou até ao fim do Governo de Cavaco Silva em 1995 — no qual Louçã não participou por estar isento do seu pagamento. Da AE, recorda com notória nostalgia as “maratonas” de debate, que o levaram muitas vezes a dormir na faculdade.

“Nós podemos ter perdido uma luta, mas ganhámos uma geração com alma.”
Sandra Monteiro, atual diretor do Le Monde Diplomatique (versão portuguesa) e antiga dirigente da AEFCSH

Hoje, tem a certeza de que tinha razão. Para isso, aponta à sua volta. De um lado, está o bar-restaurante onde Rafael Pinto Borges horas depois iria buscar o seu rolo de carne. Do outro lado, dentro do recinto, um balcão do Santander Totta. “Tudo isto tem a ver com o movimento das propinas, em que o ensino público passa a ser o parente pobre do Orçamento do Estado e precisa de arranjar outras formas de financiamento, nomeadamente através de parcerias”, garante.

Em 2010, quando voltou 13 anos depois à FCSH para ingressar no mestrado de Antropologia, ficou surpreendido quando lhe entregaram o cartão de estudante. É que, de forma bem clara, podia ler-se as palavras: “Santander Totta”. “Se eu quiser ter um cartão de estudante, tem de ser do banco”, diz, com desagrado. Também o bar que serve refeições a preços não convencionados — por oposição a cantina, onde se pode almoçar e jantar por menos de 3 euros —, lhe parece estranho. No seu tempo, havia um bar explorado pela AE, onde trabalhavam “os estudantes que precisavam de arranjar algum dinheiro”.

Desses anos, resta obviamente uma causa que não vingou: a da luta contra as propinas no ensino superior, que hoje estão acima dos mil euros anuais. Ao Observador, Sandra Monteiro, atualmente diretora da versão portuguesa do jornal Le Monde Diplomatique, e dirigente da AEFCSH em 1992, resume: “Nós podemos ter perdido uma luta, mas ganhámos uma geração inteira”. Recorda que naquela altura “os estudantes estudavam de forma muito séria” os assuntos que estavam em causa. “Tudo isto sem recurso à internet ou a telemóveis, nada disso”, sublinha. “Por isso é que muita gente da nossa geração ainda hoje em dia não tem medo de analisar um texto jurídico. Ganhámos esse calo com esta experiência”.

Uma AEFCSH “horizontal” e de esquerda

Hoje, a AE da FCSH orgulha-se de se descrever como uma organização que funciona de forma “horizontal”, sem recurso a “hierarquias”. É por isso que, na altura de concederem uma entrevista ao Observador, as duas estudantes que dão a cara pela associação pedem para não serem identificadas. “Nós falamos pelo coletivo”, explicam.

A “horizontalidade” tem os seus limites burocráticos. Quando apresentaram as listas para as eleições — que acontecem todos os anos —, precisaram de atribuir cargos a cada um dos candidatos. Assim, havia presidente, vice-presidente, tesoureiro, etc. Mas, na prática, isso não acontece.

“Estatutariamente temos de ter essa hierarquia”, explica. “Nós tentámos adaptar isso à nossa realidade, onde não há verticalidade.”

É a primeira vez que isto acontece na AEFCSH e as suas representantes explicam-no com visível orgulho. Uma delas, chega a dizer isto é “bonito”. “Não vemos necessidade de hierarquia, preferimos trabalhar de igual para igual”, garante. “As pessoas motivam-se mais assim, sabendo que não há ordens que vêm de cima. Há uma consciência do trabalho do colega completamente diferente e assim também é possível que toda a gente se sinta verdadeiramente útil.”

Ao todo, a AE é composta por 54 pessoas. Entre estas, estimam as suas representantes, há apenas “oito ou nove” que militam em partidos. Não querem dizer quais, referindo apenas que nenhum é de direita.

A atual AE FCSH funciona de forma "horizontal" e rejeita funcionar de forma "hierárquica"

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Sobre a polémica referente à Nova Portugalidade, demonstram já algum cansaço. Em relação à organização de Rafael Pinto Borges, dizem que ela “nasceu fora da FCSH” e que não é “estatutariamente reconhecida pela AEFCSH como um núcleo” — sendo que o jovem de 22 anos confirma a primeira e contraria a segunda.

Da sua parte, reforçam: “Não houve nenhum ataque à liberdade de expressão”. O entendimento que fazem desta polémica é que “a AE apenas se desvinculou da conferência” e que a partir daí os factos lhes escapam. Ainda assim, dizem que não tiveram conhecimento das ameaças físicas que terão chegado aos organizadores da conferência. “Não sabemos quem as fez, nem sequer se elas existiram”, explica uma das representantes da AEFCSH.

João Carlos Louçã também não acredita nas acusações de violação da liberdade de expressão. “Não havia condições de segurança e serenidade para a conferência acontecer”, explica. “E a liberdade de expressão fica afetada porque a direção da faculdade não aceitou a presença de seguranças privados no seu espaço? A liberdade de expressão não se confina a uma ocasião específica e às condições que levaram a que este caso tivesse toda a atenção que está a ter.”

“Entre o diretor da FCSH e o fundador da Nova Portugalidade, eu sei bem em quem posso confiar.”
João Carlos Louçã, investigador da FCSH e antigo dirigente da AE entre 1992 e 1997

Sobre a questão particular dos seguranças, onde os relatos apresentados pela direção são dissonantes do que diz Rafael Pinto Borges (e também Jaime Nogueira Pinto), João Carlos Louçã diz: “Entre o diretor da FCSH e o fundador da Nova Portugalidade, eu sei bem em quem posso confiar”.

Rafael Pinto Borges discorda de tudo isto. Para o fundador da Nova Portugalidade, “houve um ataque claro à liberdade de expressão por parte de um grupúsculo de extremistas de esquerda”, e vai buscar alento não só à exposição que o seu movimento ganhou, como também aos “mais de 11 convites” que lhe chegaram de todo o país para realizar a conferência com Jaime Nogueira Pinto — o mais célebre deles todos partiu da Associação 25 de Abril.

Há, assim, uma enorme discórdia entre as várias mesas da esplanada da AEFCSH, onde ninguém se entende verdadeiramente em relação ao que passou — questão essa que muito dificilmente virá a acolher um consenso.

Esta terça-feira, o PNR vai manifestar-se em frente à FCSH. Ao mesmo tempo duas iniciativas de alunos e ex-alunos vão decorrer no interior da faculdade (HUGO AMARAL / OBSERVADOR)

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Ainda assim, há uma questão onde tanto a AEFCSH, como João Carlos Louçã e Rafael Pinto Borges concordam. Trata-se da manifestação marcada pelo PNR, que esta terça-feira se vai juntar em frente à FCSH numa manifestação que dizem ser a favor da liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, vão decorrer duas iniciativas dentro do campus da FCSH, com a AE a assinalar do Dia Internacional contra a Discriminação Racial, e um conjunto orgânico de estudantes, ex-alunos, professores e funcionários a organizar o evento “Primavera na FCSH, Contra o Fascismo”.

Sobre a manifestação do PNR, a AEFCSH acredita que é “altamente irónico” ser um partido de “extrema-direita” a reclamar esse direito. João Carlos Louçã fala no mesmo tom, dizendo que “até agora nunca tinha ouvido o PNR nem o Jaime Nogueira Pinto a defender a liberdade de expressão”. E Rafael Pinto Borges, já com o rolo de carne, que mal toca enquanto fala, frio no prato, expressa a sua “palavra de condenação”. “O que esse partido está a tentar fazer é tirar dividendos políticos”, explica. Pelo menos aqui parece haver consenso na FCSH.

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