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Nascido em 1959 na cidade basca de San Sebastián, Fernando Aramburu utiliza um tom humorístico e uma forma "sucinta" (em que não há mais do que um verbo por frase) para relatar a história dos nacionalistas Asier e Joseba

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Nascido em 1959 na cidade basca de San Sebastián, Fernando Aramburu utiliza um tom humorístico e uma forma "sucinta" (em que não há mais do que um verbo por frase) para relatar a história dos nacionalistas Asier e Joseba

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Fernando Aramburu. "Na intimidade da ETA há histórias muito ridículas. Mas a maioria não faz rir, são tristes"

Em Filhos da Fábula, Fernando Aramburu usa um tom cómico para abordar a dissolução da ETA. Hoje, o escritor nota tranquilidade social no País Basco — mas critica o nacionalismo "hegemónico".

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Ingressar na ETA e contribuir para a luta armada da organização basca sempre foi o objetivo das personagens Asier e Joseba, os protagonistas do novo romance de Fernando Aramburu. Contudo, enquanto esperam por ordens, escondidos numa quinta francesa, o grupo terrorista declara cessar-fogo. Foi um duro golpe para as duas personagens. Não se resignam, ainda assim, e decidem fundar a sua própria organização. Mas cedo enfrentam várias peripécias e dão-se conta de que o fervor nacionalista tinha sofrido uma grande transformação no País Basco.

Este é o ponto de partida para Filhos de Fábula (ed. D. Quixote), do autor espanhol Fernando Aramburu, que também escreveu Pátria, outro livro que também aborda o tema do terrorismo etarra e que foi um sucesso de vendas — e até originou uma série na plataforma de streaming HBO. “Parece-me que tenho a obrigação moral de deixar um testemunho literário daquilo que vivemos na minha terra natal. Não tenho a menor dúvida de que a ETA foi uma organização terrorista, ou seja, que usou o terror para impor um projeto não consensual entre a população”, diz, em entrevista ao Observador, numa visita a Lisboa para estar presente na Feira do Livro.

Nascido em 1959 na cidade basca de San Sebastián, Fernando Aramburu utiliza um tom humorístico e uma forma “sucinta” (em que não há mais do que um verbo por frase) para relatar a história dos nacionalistas Asier e Joseba. Treze anos depois do fim da ETA, o escritor diz que muito mudou no País Basco, ainda que o nacionalismo, ideologia que nunca o “convenceu”, seja agora “hegemónico”. Mas as ideias são agora colocadas em prática de forma distinta: “Agora defendem-se as instituições, tenta-se persuadir os eleitores, aceitam-se os princípios democráticos”.

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O facto de figuras ligadas ao terrorismo da ETA ainda fazerem parte da cena política basca e espanhola, nomeadamente fazendo parte do partido EH Bildu, não incomoda propriamente Aramburu:”Estávamos à espera do quê? Acaba o terrorismo e aqueles que o praticaram continuam aí. Não podemos esperar que desapareçam”, afirma. O “esforço” de democratização, diz, é “meritório”. “Agora, isso não quer dizer que não podemos criticá-los”, acrescenta.

“Para nós, bascos, um homem que fale muito não tem boa fama. Ao contrário das mulheres, que por regra geral têm o poder total da palavra”

Começo por lhe perguntar sobre a maneira como está escrito o livro. Há frases muito curtas, há um discurso muito informal. Porquê? Qual é o objetivo?
Aqui há duas questões. A primeira é que este romance faz parte de uma série chamada Gentes Bascas. Essa série contém romances curtos. Em cada um deles, além do que se conta, enfrento dificuldades técnicas. Eu imponho-me essa dificuldade formal. Nesse caso, a dificuldade consistia em escrever um romance com frases em que não houvesse mais do que um verbo, o que supôs uma grande dificuldade na hora de escrever. Por conseguinte, é uma decisão formal que mantive da primeira página à última. Esta decisão tem repercussão na maneira de contar. É uma maneira muito seca, muito sucinta, muito simples. Isso dá uma determinada personalidade ao texto, que era o que queria para uma história protagonizada por dois personagens de um nível cultural baixo. Por isso, pareceu-me este o tom adequado para uma história como a que contei.

Houve influência da maneira como os bascos costumam falar?
Sim, em termos gerais, os homens bascos são mais parcos nas palavras. Naturalmente não todos, mas eu fui criado com eles, no meio deles, e posso dizer que para nós, bascos, um homem que fale muito não tem boa fama. Ao contrário das mulheres, que por regra geral têm o poder total da palavra. Era assim em minha casa, entre os vizinhos, com a família. O que não quer dizer que não haja homens que falam muito, mas podemos dizer que a regra geral é a de um homem prático, fisicamente forte, trabalhador, que não aprecia os estilos barrocos nem o uso supérfluo das palavras. A idiossincrasia basca é a do homem direto, que fala pouco, que vai direto à substância das coisas.

Tendo em conta que foi criado entre bascos, que influência tiveram a sua infância e adolescência na construção deste romance?
Bem, uma influência absoluta. Nasci e fui criado em San Sebastián. Vivi em San Sebastián até aos 25 anos. Foi lá que fui à escola e, em parte, à universidade. É a minha terra e fui criado ali. Ora, como eu tenciono, com a ajuda da literatura, criar desenhos humanos, tudo aquilo que vivi na minha terra natal me influencia de uma forma muito direta. Não apenas me influencia, é também o espaço aonde vou buscar as minhas histórias, encontrar os tipos, as personagens que as protagonizam. Os costumes deles, as maneiras de se expressarem, os gostos, as convicções. É com tudo isto que faço os meus contos e os meus romances da série Gentes Bascas. A influência é máxima.

Como em Pátria.
Exatamente. Uso a minha literatura como quem usa uma máquina fotográfica e gravo o que vi, o que conheci. Por tanto, Asier e Joseba [protagonistas da obra] são duas figuras de ficção construídas com aspetos retirados daqui e dali, de alguém que conheci, de alguma coisa que me contaram, de algo que li.

A dinâmica dos dois protagonistas é muito cómica, eles provocam-se constantemente. O livro usa um tom humorístico, mas é sobre a ETA, um tema muito duro, muito pesado, na sociedade espanhola. No momento de escrever, tentou controlar o tom para que não fosse demasiado provocativo, cómico? Tentou não ferir suscetibilidades?
Não escrevo a pensar nas consequências ou na repercussão dos meus textos, caso contrário não sentiria que tenho as mãos livres. O que queria fazer — e acho que fiz — era contar um drama com elementos cómicos. Esses elementos cómicos não são comédia, isto não é uma comédia. Pelo contrário, é uma desgraça, mas que mostra os lados ridículos das personagens, que, na verdade, são bonecos de uma ideologia, a que no romance chamei fábula.

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Europa Press via Getty Images

Por que me permiti a isto, se sou um escritor que respeita certos códigos morais? Porque o humor é dirigido aos agressores. Tanto assim é que mostrei este meu projeto a uma vítima do terrorismo e lhe garanti que no meu livro não apareceriam vítimas do terrorismo, nem os protagonistas levariam a cabo um atentado real. Quando lhe disse isto, deu-me a sua aprovação. E, a partir daí, parti para a escrita do livro com a plena confiança de que, embora pudesse incomodar alguém, não estava a fazer um livro imoral. Porque, efetivamente, se gozasse com alguém que já sofreu, nunca me perdoaria. É uma conduta que não aceito nem para mim, nem para os outros. Mas a ideia de dois aspirantes a terroristas que querem provocar dano aos outros para consumar a sua utopia, a fábula que têm na cabeça… Isto deixava-me as mãos livres para introduzir elementos humorísticos.

“Se o leitor se limita a julgar uma personagem logo às suas primeiras palavras, nunca vai entendê-la”

Então é uma sátira à ideologia, à fábula em que acreditam as duas personagens?
Sim, sem dúvida. Há uma caricatura da convicção deles, que não será diferente da que existiu realmente. O que aconteceu é que estes protagonistas não conseguiram ser terroristas a sério. Não têm dinheiro, não têm armas, não têm experiência. E aí sim, são ridículos, mas são ridículos por sua causa. Querem ser terroristas verdadeiros. Isto é um pouco quixotesco, falou-se de Quixote e é verdade — Quixote ou qualquer outro tipo de esquizofrenia. Ou seja, quando se faz um desenho da realidade que não corresponde à realidade e se parte para a realidade comportando-se fora dessa realidade, então é claro que os comportamentos podem, geralmente, ser ridículos.

O livro relata a reação destes dois protagonistas ao saberem que a ETA tinha acabado. E essa maneira de ridicularizar também se prende com isso…
Claro. Se eles tivessem ingressado um ano antes, teriam aprendido a usar armas e o mais provável é que o tivessem feito, como tantos outros jovens antes deles.

Um dos protagonistas, Asier, tem uma atitude muito dura contra as mulheres, com um tom misógino. O que queria demonstrar com essa personagem? Há depois uma mulher que entra na história e que muda essa visão negativa de Asier… Porquê?
Ele na verdade não tem exatamente uma visão negativa [das mulheres]. O que tem é medo. Medo que vem da relação tóxica com a sua própria mãe. Isto também encontrei muitas vezes entre os meus conterrâneos: o medo da mulher, da autoridade da mulher, da inteligência da mulher. Portanto, ele protege-se do seu próprio medo afastando as mulheres do projeto.
Agora, como em todos os meus livros, quando um personagem se expressa negativamente sobre uma mulher, não é preciso virar nem 20 páginas até que venha uma mulher e lhe dê uma lição. Aqui acontece exatamente o mesmo. Esta personagem, que é aparentemente misógino, acaba convertido no cãozinho de uma mulher, ao conhecer pela primeira vez o sexo e ao descobrir o enorme equívoco em que vivia. Essa é uma matiz muito importante do romance. Se o leitor se limita a julgar uma personagem logo às suas primeiras palavras, nunca vai entendê-la.

"Diverte-me muito fazer cameos, ou seja, aparecer nos meus próprios romances com uma particularidade e, cada vez que me menciono (mesmo que não seja pelo nome), faço-o sempre de forma negativa. Retrato-me sempre mal. Neste caso, sim, de facto sou o romancista famoso que escreve contra a ETA. É claro que os meus livros não vão ser aceitados pelos partidários da ETA." 

Os dois protagonistas, ainda que queiram os dois ser terroristas e implementar a sua ideologia através da força, são um pouco diferentes. Joseba pensa muito na sua família, enquanto Asier não. O primeiro é mais gordo, o segundo mais magro. Porquê estas diferenças tão claras entre os dois?
Bem, creio que é obrigação do escritor tornar cada personagem singular. E as minhas personagens não são apenas uns aspirantes a terroristas, são dois seres humanos com vida própria, com famílias, com sonhos e aspirações, com um passado, com lembranças, com momentos de melancolia. E isto traça uma grande diferença entre eles. Um é mais fanático, mais militar, mais disciplinado; está disposto a sacrificar tudo pela causa. O outro tem um maior apego à vida. Tem uma namorada, que deixou grávida. Tem prazer na comida. Considera que de vez em quando é preciso descansar um pouco da luta. Portanto, são diferentes. E, é claro, o livro também revela um final diferente para cada um deles, que não irei revelar.

“Não sou um escritor explicativo. Os leitores que precisam de saber tudo provavelmente sentem-se um pouco incomodados”

Há muitas histórias paralelas no livro — como a de Maria Cristina, a jovem com quem Asier perde a virgindade — em que sabemos as histórias das personagens, o seu passado, mas depois não sabemos como acabam… Porquê?
Há uma constante nos meus romances: a de que toda a gente leva o seu romance às costas. Todos trazemos um romance, uma biografia mais ou menos interessante, com todo o tipo de acidentes, males, experiências. Portanto, como eu acredito que é assim [na vida], é normal que nos meus livros os protagonistas se cruzem, tenham contacto esporádico com outras personagens — das quais ficamos a conhecer um pouco do romance delas, da sua vida, do seu destino. Não sou um escritor explicativo. Os leitores que precisam de saber tudo provavelmente sentem-se um pouco incomodados com os meus livros. Ou seja, eu sigo umas linhas narrativas protagonizadas por um pequeno elenco de personagens e estas personagens, em momentos determinados, relacionam-se com histórias particulares que não são desenvolvidas, que surgem e que são desenhadas de forma esquemática. Essa é uma constante nos meus livros.

Em Filhos da Fábula, há uma referência a “escritores com muito mau fundo” que os protagonistas denunciam como querendo contar uma versão negativa da ETA. Está a falar de si, certo?
Isto foi algo que provavelmente aprendi com Alfred Hitchcock. Diverte-me muito fazer cameos, ou seja, aparecer nos meus próprios romances com uma particularidade e, cada vez que me menciono (mesmo que não seja pelo nome), faço-o sempre de forma negativa. Retrato-me sempre mal. Neste caso, sim, de facto sou o romancista famoso que escreve contra a ETA. É claro que os meus livros não vão ser aceites pelos partidários da ETA e da ideologia que sustenta a ETA. Nesse sentido, é normal que os seus jornais e as suas emissoras de rádio me critiquem. Portanto, aquilo que faço é o que eles fazem, mas através da boca da minha personagem.
Isto é algo de uma estirpe cervantina… Na segunda parte de D. Quixote, ele leu a primeira, a personagem está consciente de que é uma personagem. E, também na primeira parte, Quixote lê Cervantes. Gosto muito destes jogos literários. Fazem-me pensar em Cervantes, mas também em Hitchcock, nas pequenas piadas que os leitores nem sempre captam, mas às vezes sim. Agora, nunca me incluo para me elogiar, isso nunca. Já o fiz várias vezes, mas sempre através de alguém que fala mal de mim no meu livro, com as palavras que lhe dei.

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Leonardo Cendamo

Sempre de forma passageira?
Não sou um protagonista. Sou como Hitchcock, apareço três segundos em cada filme.

“Na minha literatura tento não olhar para a realidade com um só olho, com o olho que me interessa”

Nasceu em San Sebastián, viveu muito de perto a realidade de ETA. Que versão da ETA acredita que é importante contar? Que referências e que memórias são pertinentes narrar?
Bem, fui contemporâneo do terrorismo e, portanto, parece-me que tenho a obrigação moral de deixar um testemunho literário daquilo que vivemos na minha terra natal. Não tenho a menor dúvida de que a ETA foi uma organização terrorista, ou seja, que usou o terror para impor um projeto não consensual entre a população. Isto não impede de reconhecer que o Estado também cometeu crimes, okay? Temos de olhar para a realidade de frente. É isso que tento fazer na minha literatura, não olhar para a realidade com um só olho, com o olho que me interessa. Agora, aquilo que leva a escrever não é um propósito historiográfico. Não sou um historiador, não sou um cronista, não sou um jornalista. O que me interessa é o fator humano, como é que as pessoas normais e comuns viveram este fenómeno. Como se vivia nas casas, nos bairros, nas escolas, como é que a História coletiva se repercutia nos cidadãos normais e comuns. Essa é a matéria do meu trabalho, é isso que faço e provavelmente é a única coisa para que tenho jeito, porque não tenho formação de historiador. É claro que utilizo a documentação, mas o meu objetivo não é fazer um relato com base em documentos verificados, é colocar personagens de ficção a agir num contexto real. E quando fala de atos reais, esses têm por base dados. Agora o que fazem depois as minhas personagens, o que dizem, o que pensam, com o que é que sonham… Isso sou eu que ponho.

Se este livro tivesse lugar em 2024, criaria  personagens tão acérrimas do independentismo como os protagonistas, ou seriam diferentes?
É certo que inventei Asier e Joseba, mas não os inventei do nada. Se investigarmos a intimidade da ETA, encontramos histórias muito ridículas que nos fazem rir. A maioria não faz rir, porque são muito tristes. Mas há casos de terroristas tontos que lhes explode a bomba porque enredam os cabos sem saber como aquilo se faz. Ou comandos que vão para matar a alguém e se enganam e matam outro. Há centenas de histórias deste tipo. E as minhas personagens podem parecer caricaturas, mas não me parece que sejam excêntricas. Porque houve muitas histórias que, naturalmente, não se contam, porque os partidários da ETA preferem falar do herói, do rapaz que se sacrificou pela sua terra.

As personagens falam disso no livro. Mas a minha pergunta era mais direcionada ao facto de que a ETA já acabou. Pensa que hoje em dia pessoas como Asier ou Joseba, profundamente nacionalistas, poderiam existir?
A ideologia continua [a existir], mas, felizmente, agora defendem-se as instituições, tenta-se persuadir os eleitores, aceitam-se os princípios democráticos — que foi sempre o que defendemos, sempre, em vez da imposição do medo pelas armas. Tudo isto mudou muito e agora quando se vai ao País Basco vê-se uma enorme tranquilidade social. Vê-se pessoas que antigamente não dirigiam a palavra uma à outra a cumprimentarem-se. A pouco e pouco, refazem-se os laços sociais. A situação é infinitamente melhor e já desapareceu o medo na sociedade.

"É verdade que uma parte do EH Bildu, de certa forma, tenta branquear-se ao juntar-se aos restantes. Mas, enfim, estávamos à espera do quê? Acaba o terrorismo e aqueles que o praticaram continuam aí. Não podemos esperar que desapareçam."

Uma reconciliação, então?
Não tenho a certeza que reconciliação seja a palavra certa, porque reconciliação supõe que havia laços afetivos que foram quebrados e eu acho que eles não existiam. O que há é uma coexistência pacífica, um propósito de estar juntos sem agressões, sem violência, e isso é muito positivo para a sociedade. Agora, se vizinhos se reconciliam ou não, isso já é da iniciativa individual. Mas ainda há vítimas que se sentem menosprezadas ou esquecidas, há muitos assassínios por resolver, não podemos dizer que passámos da noite no inferno a uma manhã no paraíso. Há feridas sociais com que a sociedade basca terá que aprender a viver. E há um passado, ainda recente, que é preciso contar, relatar. E não esconder. É verdade que não há um relato único, mas é preciso contar. Os contemporâneos têm a possibilidade de mostrar a sua versão.

Na cena política espanhola fala-se muito do partido EH Bildu, que muitos acusam de ser o sucedâneo da ETA. Foi um tema muito discutido nas últimas eleições gerais e houve eleições regionais recentemente no País Basco, em que o partido ficou quase em primeiro…
É preciso alguma nuance, porque o EH Bildu não é um partido, é um ajuntamento de partidos. E alguns desses partidos não têm nada a ver com o terrorismo, até estiveram contra o terrorismo. É verdade que uma parte do EH Bildu, de certa forma, tenta branquear-se ao juntar-se aos restantes. Mas, enfim, estávamos à espera do quê? Acaba o terrorismo e aqueles que o praticaram continuam aí. Não podemos esperar que desapareçam. Estão aqui e fizeram um esforço para se democratizar, isso parece-me meritório. Temos de aceitá-lo. Agora, isso não quer dizer que não podemos criticá-los. Mas, pessoalmente, fico tranquilo se tudo decorrer no plano do debate. E há figuras dentro do EH Bildu que, inevitavelmente, receberam críticas por causa do seu passado.

“Gosto muito de chegar a Lisboa e poder pagar com os euros que o padeiro me deu de troco, de manhã, na Alemanha”

Vive na Alemanha. Neste sentido, como é que acompanha a vida política de Espanha e do País Basco?
Sou sempre um eleitor. Procuro estar informado, portanto leio os jornais e a internet. Não sou um especialista, tenho consciência da fragilidade das minhas opiniões, porque dependem da informação que recebo. E digamos que não sou um entusiasta da política, sou um entusiasta da democracia. Da educação, do respeito. Aprecio muito políticos que mantêm as maneiras, que respeitam os outros. Isso inspira-me mais confiança do que em outros cuja ideologia até é mais próxima da minha, mas que não considero respeitosos. Não sei, têm a boca suja, são violentos na forma como se expressam… Dito isto, a minha vida quotidiana decorre na Alemanha. É lá que vivo, onde tenho o meu maior círculo de amigos, onde faço a minha vida administrativa. E não tenho nenhuma intenção de deixar a Alemanha. Portanto tento manter-me informado sobre o que acontece não apenas em Espanha, mas também em Portugal e em toda a União Europeia, porque considero a União Europeia a minha casa. A minha verdadeira casa. Gosto muito de chegar a Lisboa e não ter de passar por nenhum controlo fronteiriço. E poder pagar com os euros que de manhã o padeiro me deu, de manhã, na Alemanha.

"O nacionalismo nunca me convenceu. Porquê? Porque me parece que não é humanista. Porque não coloca em primeiro plano o ser humano, mas sim o espaço, o espaço vital reservado a uns indivíduos que cumprem uma série de requisitos. E, em todo o lado, o nacionalismo é sempre imposto, não é um convite."

Li numa entrevista que disse que gosta de se definir como um cidadão do Espaço Schengen…
Sim, sim. Quando me perguntam, falo do Espaço Schengen que inclui a Suíça, que não está na União Europeia, ou a Noruega. É como chegar a uma casa e encontrar a casa de outra pessoa, mas que tem a porta aberta. Sinto-me acolhido. E, naturalmente, sinto-me convidado a respeitar as normas, a não estragar, não é? Gosto muito disso. Vejo Espanha como uma peça dentro desse contexto. E vejo-o assim porque fui viver para outro país. Não me vejo como uma árvore que passa toda a vida no mesmo local onde germinou aquela semente e que não vê mais nada a não ser o que está à sua volta. Tento viajar, tento aprender outras línguas. E gostava que surgisse uma identidade europeia, não como uma identidade nacional, mas como uma identidade de amigos, de pessoas específicas, que falam línguas diferentes, que têm culturas próprias, mas que partilham muitas coisas — e cada vez partilham mais —, sempre sobre uma base democrática.

Depreendo das suas palavras que o nacionalismo é algo negativo para si.
O nacionalismo nunca me convenceu. Porquê? Porque me parece que não é humanista. Porque não coloca em primeiro plano o ser humano, mas sim o espaço, o espaço vital reservado a uns indivíduos que cumprem uma série de requisitos. E, em todo o lado, o nacionalismo é sempre imposto, não é um convite. Falava há pouco do Espaço Schengen, que é a prova de que os países cedem soberania. Ou a moeda. Cedem soberania em troca de união com outro. E o nacionalismo é sempre [um movimento] de afastamento. É sempre uma questão de fronteiras, de controlo. “Todos têm de ter esta cor de pele”. É preciso falar disto… É alguém que dá prioridade à nação, ao espaço vital, face à humanidade, à humanidade dos cidadãos. E isso nunca me convenceu. Nunca.

Como vê os movimentos nacionalistas no País Basco?
O nacionalismo no País Basco triunfou. A situação está tranquila, mas não há nenhum rival [ao nacionalismo].

E triunfou de que forma?
Tem todo o poder económico, político, cultural. Totalmente. Vejamos, nas últimas eleições [regionais no País Basco] a soma do voto nacionalista era de mais de 70%. Não há qualquer conflito possível.

É hegemónico?
É hegemónico, totalmente.

E que histórias ficam por contar sobre o País Basco?
Ficam muitas histórias. Em qualquer lugar onde há pessoas, há um romance. Há romances. Há muitas peripécias que ocorreram. É por isso que este é um trabalho interminável, que não pode ser levado a cabo apenas por uma pessoa. E de vez em quando alguém escreve um livro, uns contos, onde os protagonistas são os cidadãos do lugar onde esse alguém viveu. Não me parece que a literatura relacionada com um país, com uma comunidade, se esgote em oito livros. Para além disso, o tempo não pára. Surgem novas perspetivas, novas formas de expressão. Há sempre algo novo para contar. É verdade que não quer estar sempre a contar a mesma coisa… E por isso, de vez em quando, mudo o lugar, mudo o tom, mudo o género literário. Não quero ser como um tocador de realejo que dá voltas à manivela e toca a mesma melodia uma e outra vez.

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