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O Fundo Monetário Internacional (FMI) admite que Portugal pode demorar mais tempo do que outros países europeus a recuperar os valores da inflação (tal como demorou mais a ver a inflação disparar — em abril foram 7,2%, depois de 5,3% em março). Ainda assim, mantém que a escalada da inflação é um fenómeno passageiro, não estrutural, que deverá recuar no segundo semestre do ano. É por isso que diz apoiar a estratégia do Governo de não dar aumentos salariais suplementares à função pública. Mas não o faz sem um ‘se’: no futuro, será preciso aumentar a competitividade e a empregabilidade — o que, acredita a instituição, terá depois efeitos nos salários.

O aviso é deixado no comunicado sobre a missão de avaliação a Portugal no âmbito do Artigo IV: “A contenção da massa salarial pública a médio prazo exigirá uma revisão abrangente do emprego público e das estruturas de compensação”. Questionada sobre esta referência numa conferência de imprensa, Rupa Duttagupt, chefe da missão do FMI, começou por responder que as projeções da instituição apontam para que parte da inflação seja explicada por “fatores globais”, que devem começar a desvanecer-se na segunda metade do ano.

É por considerar que o problema não será duradouro, que a chefe de missão do FMI diz que o Fundo concorda com a estratégia de Portugal de não avançar com aumentos salariais intercalares na função pública, além dos 0,9% que começaram a ser pagos em janeiro. Em alternativa, há que aumentar a competitividade do mercado de trabalho.

“Concordamos com a visão atual do Governo de que, uma vez que este é um problema temporário, os salários não precisam de ser ajustados. Mas olhando para a frente, Portugal deve ter padrões de vida melhores. Uma grande prioridade é melhorar a competitividade, a empregabilidade e as condições no emprego. Para isso, várias reformas dirigidas a subir as qualificações, mas também a digitalização, iriam naturalmente aumentar a competitividade e os salários no médio prazo”, explicou Rupa Duttagupt.

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O FMI reviu esta segunda-feira em alta as projeções do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), de 4% (estimados em abril), para 4,5%, e da inflação, de 4% para 6%. Em ambos os casos, está mais pessimista do que o Governo (no Orçamento do Estado para 2022 prevê PIB a avançar 4,9% e inflação nos 4%) e a Comissão Europeia (que no mesmo dia reviu o crescimento em alta para 5,8% e a inflação para 4,4%).

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Nas palavras de Rupa Duttagupt, fazer projeções no cenário atual é “incrivelmente difícil” e a revisão em alta da inflação — um indicador que já estava subir no ano passado e foi acelerado com a guerra na Ucrânia — reflete “parcialmente” os novos dados que chegaram ao Fundo do turismo e da procura privada, que “surpreenderam”. A responsável remete dados mais conclusivos para o relatório final do FMI sobre Portugal que será entregue dentro de semanas e poderá eventualmente fazer nova revisão destas projeções.

Rupa Duttagupt chegou mesmo a dizer que “não chamaria” à inflação a que se está a assistir temporária. Questionada sobre esta afirmação, explicou depois que a inflação começou a acelerar em Portugal de forma mais lenta do que noutros países europeus, pelo que a recuperação também há-de ser mais lenta. Ainda assim, a projeção é que a partir da segunda metade do ano “comece a diminuir”.

Redução de imposto sobre combustíveis deve ser substituída por apoios dirigidos aos mais vulneráveis

O comunicado serve para deixar várias recomendações ao Governo e traçar riscos. Além dos salários da função pública, o FMI também faz uma avaliação das medidas implementadas pelo Governo para mitigar os efeitos do aumento dos preços, nomeadamente na energia (por exemplo, com a redução do ISP). O Fundo reconhece que o Executivo agiu rapidamente, mas sublinha que as medidas adotadas foram “muito amplas por natureza“, devendo agora ser mais direcionadas às famílias vulneráveis e às empresas “viáveis”. É que, para o fundo, essas medidas acabaram por impedir que os consumidores recebessem os “sinais necessários” que se refletissem numa redução do consumo.

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“Recomendamos que [essas medidas] sejam substituídas por medidas direcionadas às partes da população que estão a ser realmente mais afetadas, enquanto se mantêm sinais de preços que deem um grande empurrão em direção a uma economia mais descarbonizada”, disse Rupa Duttagupt. Um exemplo “mais eficaz” seriam apoios financeiros.

No relatório, o FMI também frisa esse ponto: os apoios direcionados ao preço da energia e as reduções de impostos devem “de preferência ser substituídos por um apoio mais direcionado e temporário às famílias vulneráveis e às empresas viáveis, preservando ao mesmo tempo os sinais de preços para a maioria” dos consumidores.

Retirar progressivamente apoios da Covid é “apropriado”

O FMI acredita que o pior da pandemia já passou e que uma retirada progressiva das medidas de resposta à Covid-19 é “apropriada” tendo em conta a evolução do emprego e do consumo. “A robusta recuperação do emprego e do consumo, juntamente com a reabertura total da economia, justificam a continuação da retirada progressiva das medidas excecionais de apoio económico devido à Covid-19”, lê-se no comunicado.

Sem estas medidas, “que se espera que sejam substituídas por uma maior procura privada”, prevê um défice orçamental de 2,4% do PIB (a previsão do Governo no Orçamento do Estado é de 1,9%).

“Ajustamento gradual”. Outra vez as pensões

Há recomendações também para 2023, altura em que Portugal deverá começar um “ajustamento orçamental gradual” para endereçar as “pressões da despesa com o envelhecimento da população”, aumentar o investimento e reduzir os “riscos” relacionados com a dívida. Esse ajustamento deve ser feito de três formas, diz o FMI.

Por um lado, recomenda reformas fiscais para aumentar a “eficiência”, a “eliminação de distorções” e o “alargamento da base tributária”. “Há margem” para “restringir a proliferação de incentivos fiscais, rever as taxas reduzidas de IVA e reforçar instrumentos” como impostos sobre imóveis e ambientais, aponta o comunicado.

Em segundo lugar, sugere um “reforço da sustentabilidade das pensões” e da “gestão financeira do Serviço Nacional de Saúde”, assim como a “melhoria da sustentabilidade financeira e da governação das empresas estatais” e uma “melhor orientação dos benefícios sociais”. É neste ponto que deixa uma palavra à função pública: é preciso “contenção da massa salarial pública a médio prazo”, que “exigirá uma revisão abrangente do emprego público e das estruturas de compensação”.

Em terceiro lugar, defende que Portugal deve manter o aumento do investimento público — os fundos europeus podem ser uma oportunidade e o planeamento “transparente” bem como a supervisão são “fundamentais”.

Banco Português de Fomento deve apoiar só as empresas “viáveis”

O Banco Português de Fomento (BPF) também tem direito a uma palavra do FMI, que espera que o Fundo de Resiliência e Capitalização “apoie a redução da dívida e a recapitalização de empresas viáveis”. Ou seja, volta a sublinhar que os apoios devem chegar às empresas viáveis.

“O papel do BPF deve ser claramente definido para fins de responsabilização e as suas atividades não devem criar distorções de mercado”, aponta. Daí que também defenda o reforço de apoios que incentivem a transferência de trabalhadores de empresas e setores não viáveis para os que oferecem mais perspetivas de futuro.

Além disso, defende que as regras de insolvência e de reestruturação se estabilizem. “(…) as autoridades devem estabelecer e anunciar um prazo de curta duração para a suspensão da obrigação de pedir insolvência”, indica.

Moratórias debaixo de olho

O FMI sublinha a existência de riscos provenientes da “incerta excecional” provocada pela guerra na Ucrânia, mas também por “potenciais novas vagas” da Covid-19. Além disso, chama a atenção para as potenciais consequências do fim das moratórias.

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Portugal foi dos países onde as moratórias mais duraram (18 meses), o que traz riscos adicionais uma vez levantada a moratória. Até ao momento, as insolvências não dispararam e estão “muito abaixo” do esperado, mas o Fundo sugere que essa evolução se mantenha “debaixo de olho”.

Até porque as empresas do alojamento, da restauração e dos transportes foram afetadas pela pandemia e há “vulnerabilidades adicionais” provocadas pela guerra na Ucrânia, o que representa pressões nos custos, ruturas na cadeia de abastecimento e possibilidade da subida das taxas de juro. Tudo fatores que podem levar a mais insolvências.

Mais “flexibilidade” para contratos permanentes

No capítulo das políticas estruturais, o FMI lembra que o PRR é uma “oportunidade única para transformar a economia e torná-la mais resiliente, dinâmica e verde”. Quanto ao mercado de trabalho, reconhece que o PRR contém reformas e metas para melhorar a educação e a formação e chama a atenção para a eliminação da “dualidade” do mercado de trabalho. “Há necessidade de responder à dualidade no trabalho devido a diferenças na segurança laboral e nas condições dos trabalhadores com um contrato permanente e dos que têm um contrato temporário”, refere.

Por isso, pede políticas mais “flexíveis” para os contratos permanentes. “Políticas ativas do mercado de trabalho, também previstas no PRR e no Orçamento de 2022, combinadas com maior flexibilidade de contratos permanentes e proteção melhorada para os trabalhadores com contratos temporários poderia ajudar a reduzir as diferenças entre contratos.”

Para um Portugal mais “verde” há que acelerar o ritmo

A nível ambiental, o FMI sugere mais medidas para Portugal cumprir as metas “ambiciosas”. É que considera ser preciso “acelerar a implementação” do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030).

Além disso, “as autoridades poderão ter de considerar um novo ajustamento do preço do carbono, combinado com medidas para compensar o impacto nas famílias mais vulneráveis”.