Pedro Nuno Santos saiu deste Congresso amassado pelas críticas. Tentando colar os cacos depois de dois períodos particularmente difíceis para o partido (a pandemia e, depois, a guerra na Ucrânia), o PCP procurou assumir a quota parte de responsabilidade — mas sempre à velha maneira comunista. Ao mesmo tempo, mostrou um renovado cuidado pela propriedade privada e deu mais provas de uma coisa que ninguém pode tirar ao partido: por muito enfraquecido que esteja a nível eleitoral, continua a ter os militantes mais dedicados e disciplinados.
Prémio “Pinhata Humana”: Pedro Nuno Santos
Pobre Pedro Nuno Santos. O outrora jovem turco do PS, o suposto campeão da ala mais à esquerda do partido, o pivô da ‘geringonça’, o homem que ia reeditar a grande aliança de esquerda, saiu deste Congresso com as orelhas a arder. “Cúmplice da direita”, atirou-lhe Paulo Raimundo. Uma “aura” artificial de esquerda, concordou Miguel Tiago. Um inconseguimento, sugeriu Bernardino Soares. Mais um que alimenta as “profissões de fé” sobre o PS ser de esquerda, notou João Ferreira. “Pedro Nuno? Só pode ficar desiludido com o PS quem alimenta essas ilusões”, lamentou João Oliveira, parceiro de tantas horas de negociações à esquerda. Ninguém quer ser amigo de Pedro Nuno.
Prémio “Não sou eu, és tu”: Ucrânia
A posição do PCP sobre a guerra na Ucrânia é sobejamente conhecida. Neste Congresso, lá foram sendo admitidos alguns “erros” na transmissão da mensagem do partido sobre o conflito. Ainda assim, sempre que desafiados a dizer, afinal, que “erros” tinham sido esses, a resposta era invariavelmente uma: a mensagem foi mal transmitida por parte dos mediadores — comunicação social, comentadores, adversários políticos — e, por isso, mal interpretada pelos portugueses. A culpa nunca foi do PCP; foi dos que perceberam mal aquilo que o PCP estava a dizer. Quem nunca usou esse argumento que atire a primeira pedra.
Prémio “Azar dos Távoras”: Vladimiro Vale
O PCP está há mais de dois anos a jurar a pés juntos que não é putinista, nem apoiante do regime de Moscovo, e que tudo não passa de acusações infundadas de gente mal intencionada. E o que é que sucede neste XXII Congresso do PCP? Promove um Vladimiro (Vale) ao olimpo do partido, fazendo dele, simultaneamente, membro da Comissão Política do Comité Central e do Secretariado, uma distinção ao alcance de muito poucos. É preciso pontaria.
Prémio “Propriedade Privada”: Os anéis
Longe vão os tempos em que o PCP tinha uma relação difícil com a propriedade privada. Já na reta final do congresso, a mesa informou que foram encontrados dois anéis, que estariam à guarda do secretariado de apoio para que o dono/dona os fosse resgatar. O antigo secretário-geral, Jerónimo de Sousa, adepto de ditados populares, diria o clássico: “Foram-se os anéis, ficaram os dedos”, que é um bocadinho o estado atual do partido. No final, o Observador não conseguiu apurar se os anéis foram resgatados ou se reverteram para o PCP e se transformaram nos “anéis da cooperativa”.
Prémio “Insonorização”: As Colunas
Os congressos do PCP têm sempre um momento à porta fechada para a eleição do Comité Central. Nesse momento, os jornalistas são convidados a sair e os assessores de imprensa do PCP verificam se todos os equipamentos de captação de imagem e de som ficam mesmo desligados. Chega ao ponto de os empenhados “camaradas” verificarem se alguém fica para trás nas cabines das casas de banho do pavilhão. E não, os procedimentos de segurança não se ficam por aqui. À volta do Pavilhão Municipal de Almada são distribuídas colunas de som, que vão entoando música num volume considerável, para evitar que alguém, caindo na tentação, tente ouvir o que é discutido lá dentro.
Prémio “Disciplina”: Os Militantes
Do primeiro ao último minuto, o Complexo Municipal dos Desportos da Cidade de Almada esteve praticamente cheio. As cadeiras vazias eram facilmente contáveis de tão poucas que eram e, ao contrário de muitos congressos de outros partidos — onde se nota que custa a acordar cedo a um sábado ou a um domingo —, à hora de arranque dos trabalhos já os comunistas estavam quase todos sentados para assistir às declarações. O aborrecimento não faz parte do menu comunista, já que até os discursos menos efusivos (e foram muitos) não faziam ninguém arredar pé. Com razoáveis exceções (um cigarrinho lá fora, uma bucha para aguentar o dia ou um sudoku para matar o tempo), a casa esteve sempre muito bem composta.
Prémio “Riso Nervoso”: A Régie
Quando Filipe Dourado, da Comissão do PCP para o Trabalho com os Micro, Pequenos e Médios Empresários, estava a discursar no púlpito, houve um problema técnico que interrompeu a intervenção. Uma coisa raríssima num partido com o profissionalismo do PCP. Dourado riu de nervoso e sugeriu, até com gestos, que lhe tinham “cortado o pio”. Quando recuperou a palavra, ironizou: “Com certeza não foi uma partida por eu ser empresário.” Arrancou risos dos militantes, que o incentivaram a continuar. Almada foi sempre um lugar seguro — até para empresários.
E o reconhecimento de sempre: O Partido
É um prémio que se renova de quatro em quatro anos e que continua a merecer ser entregue. O PCP não se descuida na organização. Os horários raramente falham e os atrasos, quando acontecem, são de poucos minutos. Os acessos nas várias entradas são controlados por militantes do partido que verificam quem pode deslocar-se a cada área (e são muito diligentes nessa matéria). No fim, claro, todos os delegados arrumaram a sala do congresso em poucos minutos, com o Pavilhão Municipal de Almada a ficar pronto para outras utilizações em poucos minutos. Há coisas que nunca mudam.