Olá

833kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Francisco Assis foi líder parlamentar do PS e eurodeputado e é atualmente presidente do Conselho Económico e Social.
i

Francisco Assis foi líder parlamentar do PS e eurodeputado e é atualmente presidente do Conselho Económico e Social.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Francisco Assis foi líder parlamentar do PS e eurodeputado e é atualmente presidente do Conselho Económico e Social.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Francisco Assis: "Geringonça já não seria uma coisa estranha. As pessoas já sabem que o PS se pode coligar à esquerda"

Assis rejeita ter feito um flic-flac para apoiar o "social-democrata" Pedro Nuno. Diz que geringonça seria aceitável por não ser solução escondida a eleitores. E diz ser cedo para falar sobre Belém.

    Índice

    Índice

Francisco Assis revela que tentou um consenso para que existisse apenas uma candidatura à liderança do PS, ao estilo de Ferro Rodrigues em 2002. Em entrevista ao Observador, rejeita a carapuça de ter feito um “flic-flac” — termo utilizado horas antes por José Luís Carneiro também em entrevista ao Observador. Revela ainda que explicou numa conversa, privada, ao ministro da Administração Interna o porquê de apoiar Pedro Nuno Santos. E sugere que o rosto da candidatura adversária deve ter cuidado com a “linguagem”.

Assis recorda ainda, sem pudor, os tempos de opositor feroz da geringonça, mas diz que agora essa solução governativa “seria diferente”. Como os eleitores do PS já sabem que há a hipótese de coligação à esquerda, já não seria uma “coisa estranha”, argumenta. Diz até que desapareceram as razões que o fizeram recusar integrar um cargo no Governo (uma delas era ser apoiado à esquerda). Quanto a Belém, diz que (ainda) não lhe passa “pela cabeça” ser candidato presidencial, mas exige que o PS apoie, desta vez, de uma forma clara um candidato. Sobre as suas ambições, vai dizendo que se quer manter livre e que “ainda é muito cedo” para falar nisso.

Quanto ao homem que apoia nas diretas do PS, refere-se a Pedro Nuno Santos como um social-democrata, que tem uma marca humanista (por, apesar de privilegiado, não ter esquecido os trabalhadores) e que, “pela sua própria personalidade”, é um “reformista”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

"Não fiz nenhum flic-flac. Aliás, não vou usar essa linguagem. Temos de ter um bocadinho de cuidado em manter um determinado nível na nossa linguagem política, sobretudo quando estamos a falar de pessoas do mesmo partido"

“Defendi candidatura de consenso”

Apareceu ao lado de Pedro Nuno Santos na apresentação da sua candidatura à liderança do PS, deixando alguns socialistas surpreendidos, tendo em conta que foi o mais audível dos opositores à “geringonça”. O que o fez mudar de ideias de forma tão radical?
Não mudei de ideias de forma radical. Neste momento, entendo que o Pedro Nuno Santos é a pessoa em melhores condições para liderar o PS, aquele que concita um apoio mais alargado entre as estruturas do partido. O PS vai enfrentar estas eleições em circunstâncias muito difíceis, para o PS e o próprio regime democrático. Não estamos a viver numa situação normal, mas excecional quer internamente, quer no plano europeu, desde logo porque se assiste a um crescimento muito grande de formações extremistas de direita. Há uma ameaça clara às democracias europeias. Num plano mais geral, vivemos num mundo muito marcado pelas guerras e por um ambiente geral de incerteza profunda. Neste quadro entendi que era importante que o PS se unisse, até porque vamos ter eleições daqui a três meses. Pareceu-me que devíamos procurar — como aconteceu aquando da saída do engenheiro António Guterres, que vivi muito de perto porque era líder parlamentar, e fomos confrontados com a decisão inesperada de abandonar a liderança do PS — um entendimento de modo a que, por consenso, se encontrasse uma nova liderança para o partido. Na altura, isso passou por Jaime Gama, que invocou motivos pessoais e não quis ser candidato, e por Ferro Rodrigues, que fez uma campanha extraordinária.

[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio  da série em podcast “O Encantador de Ricos”, que conta a história de Pedro Caldeira e de como o maior corretor da Bolsa portuguesa seduziu a alta sociedade. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui, o segundo episódio aqui, o terceiro episódio aqui e o quarto episódio aqui.]

Sem oposição interna.
Sim. Toda a gente achava que o PS ia ter uma derrota esmagadora, mas perdemos por 2% e estou plenamente convencido de que se a campanha tem durado mais uma semana o PS teria vencido. Ferro fez duas coisas muito importantes: um discurso para o país — não se perdeu com questões internas; e um discurso de relativa rutura com o passado imediatamente anterior, sendo que até tinha sido ministro de Guterres. Percebeu que havia algumas mudanças que era preciso fazer. Nem sempre isso foi bem entendido, eu próprio na altura não entendi bem, mas a verdade é que essas ruturas foram muito importantes porque foram um fator de rejuvenescimento e trouxeram mais energia ao PS.

José Luís Carneiro, aqui no Observador, falou em “camaradas que fizeram flic-flac”. Foi o que lhe aconteceu a si?
Não fiz nenhum flic-flac. Aliás, não vou usar essa linguagem. Temos de ter um bocadinho de cuidado em manter um determinado nível na nossa linguagem política, sobretudo quando estamos a falar de pessoas do mesmo partido.

E José Luís Carneiro não está a conseguir manter esse cuidado?
Não estou a dizer isso, não tenho acompanhado a campanha dele de perto e estive fora do país toda a semana passada. Não vou entrar nesse tipo de coisas. Acho que não é a forma de avaliarmos os comportamentos das pessoas. Sobre isso direi apenas que disse ao José Luís Carneiro por que razão não o apoiava. E ponto final, foi uma conversa privada e por mim permanecerá privada. Nessa conversa não formulei nenhum juízo sobre as suas qualidades, porque continuo a considerar que é uma pessoa com muitas, não é isso que está em causa.

José Luís Carneiro: “Moderação de Pedro Nuno Santos é operação de cosmética”

Então foi por causa da situação em que o partido está, porque Pedro Nuno Santos está mais pronto para isto?
Porque é preciso analisar a oportunidade, o sentido, a projeção de uma candidatura, que tem de obedecer a determinados critérios. Primeiro: Pedro Nuno Santos é, de facto, a pessoa que neste momento concita uma adesão claramente maioritária, é o que vejo nas estruturas. Criou essa adesão e é um mérito inquestionável. Segundo: é uma personalidade de primeiríssimo plano no partido, é um social democrata — como tem dito — e acho até espantoso quem se ponha a discutir esse termo. Quem faz isso não tem menor noção do que é a social democracia e a sua história europeia. É um social democrata e eu sou outro, creio que somos todos no PS. Era importante que não se reconstituísse no PS o que já ocorreu várias vezes: uma oposição entre supostos moderados e supostos radicais. Essa é a pior forma de abordarmos as questões internas, porque é muito redutora e nos afasta da discussão que me interessa, sobre a substância dos temas.

"Compreendo que José Luís Carneiro tivesse a expectativa de que eu o apoiasse, não tenho a mais pequena dúvida disso, até porque temos uma relação de grande proximidade ao longo de muitos anos. Mas ele sabe as razões pelas quais eu não o apoio"

“Temos tido um culto do chefe. PS tem direções demasiado monolíticas”

Então a discussão é sobre quem tem melhores condições para chegar a primeiro-ministro.
A questão não pode ser essa. Pareceu-me importante afastar essa distinção entre moderados e radicais. Eu não tencionava regressar à vida partidária, dei uma entrevista antes da crise dizendo categoricamente que não seria candidato a secretário-geral do PS e que até não estava com grande vontade de regressar à vida partidária. Afastei-me, e fui afastado, há uns anos. Mas perante esta situação nova entendi que tinha a obrigação, para proteger o próprio PS, de aparecer, e de aparecer num primeiro momento e de forma clara. Não apareço às escondidas, a fazer de conta que estou ou não estou, com um pé dentro e outro fora. Estou com Pedro Nuno Santos neste momento e disse que estou disponível para estar desde o primeiro até ao último momento. Por isso, ele convidou-me para estar com ele na cerimónia de apresentação da sua candidatura e eu estive. Significa isto que pensamos exatamente da mesma maneira? Evidentemente que não. E que fazemos uma avaliação dos anos anteriores exatamente igual? Não, basta ver o que um e outro dissemos ao longo dos anos. Significa que estaremos sempre de acordo? Não, mas até aí é preciso uma mudança do PS. Um dos problemas dos últimos anos no PS, e que não foi só um problema da liderança da António Costa — já vem mais de trás — é que temos assistido a um PS com direções demasiado monolíticas. Quem diverge, quem tem posições próprias, quem se afasta da linha oficial do partido é, ou tende a ser, progressivamente marginalizado. Isso não pode suceder mais. A tradição da social democracia europeia é da convivência, na própria direção de um partido, de pessoas com orientações distintas mas que tenham em comum terem todas pensamento próprio. Não é só em Portugal que isto acontece: o monolitismo é um fenómeno contemporâneo. O culto do chefe.

Era o que acontecia no Governo de António Costa?
Era o que acontecia, claramente, nos últimos anos no PS, mas infelizmente não só em Portugal e não só na nossa família política. Há uma tendência para a fulanização da política, para a personalização. Isso tem como efeito uma desvalorização do debate interno, estigmatização de quem pensa diferente e uma redução do campo da discussão política. Isso manifestou-se claramente nos últimos anos no PS, com consequências bastante negativas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Compreendeu a surpresa que José Luís Carneiro manifestou já por várias vezes por não contar com o seu apoio?
Compreendo que tivesse a expectativa de que eu o apoiasse, não tenho a mais pequena dúvida disso, até porque temos uma relação de grande proximidade ao longo de muitos anos. Mas ele sabe as razões pelas quais eu não o apoio. Essa surpresa terá sido resolvida… Tive uma ou duas conversas com ele sobre esse assunto e por mim é um caso completamente arrumado. Nem tenciono voltar a referir-me a isso e muito menos entrar em polémicas com José Luís Carneiro. Em primeiro lugar, é uma pessoa por quem tenho simpatia, amizade e respeito. Em segundo lugar, ele está agora a travar esta disputa, mas isto no dia 17 está resolvido, e ele é uma figura de primeiro plano do PS. Nada direi que possa pôr em causa o prestígio público de José Luís Carneiro. Nesta altura, qualquer afirmação que façamos de forma menos responsável, no sentido de pôr em causa prestígio, idoneidade ou seriedade de um militante do PS…

"Durante muito tempo, como estive contra a geringonça fui quase idolatrado por uma parte da direita portuguesa. Mas sabia que na hora da verdade essas pessoas não estariam comigo. Só estariam comigo numa situação: se eu renegasse a pertença à minha família política de esquerda e passasse para a direita"

“Fui quase idolatrado na direita, mas não me deixei iludir”

Isso também não é um aviso para a candidatura de José Luís Carneiro?
É um aviso para todos. Qualquer afirmação que possa pôr em causa o prestígio e idoneidade de uma figura de primeiro plano do PS neste momento prejudica o partido. Não tenha a menor das dúvidas de que será utilizado pelos outros partidos na campanha eleitoral. Eu, durante muito tempo, como estive contra a geringonça fui quase idolatrado por uma parte da direita portuguesa. Mas nunca me deixei iludir por isso: naturalmente, as pessoas ficam mais satisfeitas quando são elogiadas do que quando são contestadas e felizmente tenho muitos amigos que votam à direita, porque não sou nem nunca fui um sectário, nem divido as pessoas por hemisférios. Mas sabia que na hora da verdade essas pessoas não estariam comigo. Só estariam comigo numa situação: se eu renegasse a pertença à minha família política de esquerda e passasse para a direita. Nessa altura, naturalmente, a direita teria toda a legitimidade para votar em mim. Nem a esquerda nem a direita têm comportamentos irracionais quando votam.

Via José Luís Carneiro como a opção mais óbvia para avançar como rosto da ala moderada? Estranhou o facto de nomes como Fernando Medina não terem avançado?
Não, o Fernando Medina sempre me disse que não tinha no seu horizonte de vida ser candidato a secretário-geral do PS. Tinha toda a legitimidade para aspirar a essa função e é uma das figuras do PS que tem todas as condições para poder ser secretário-geral. Tem uma grande inteligência e preparação política e ética, merece enorme consideração e seria sempre um excelente candidato. Simplesmente não reúne um requisito fundamental: não quer. Ninguém lho pode impor.

José Luís Carneiro era o único dessas alternativas a Pedro Nuno Santos?
Não estou a dizer que seja um candidato por defeito, não é, seria enorme injustiça dizer isso. Fez um bom trabalho no Ministério da Administração Interna, é um homem com qualidade, nem eu nunca pus em causa que tivesse qualidades para poder disputar esta liderança. O que ponho em causa é a oportunidade da sua candidatura neste contexto histórico. É importante que haja uma liderança forte, mobilizadora do PS e do espaço da esquerda democrática, combativa, com ideias, com energia e acho que Pedro Nuno Santos tem essas qualidades. Tenho feito vários elogios ao Pedro Nuno Santos ao longo deste tempo todo, e as pessoas achavam que eram coisas de circunstância. Não eram. Era reconhecimento de uma qualidade política. É importante não nos deixarmos dominar pelas nossas paixões políticas imediatas. Nunca perdi de vista a qualidade de Pedro Nuno Santos e sempre o respeitei. E já tivemos até momentos de tensão do ponto de vista político — felizmente, nunca pessoal.

"A geringonça é irrepetível enquanto modelo de coisa estranha que não foi apresentada ao país, feita quase clandestinamente, e aparece de um dia para o outro. Isso é irrepetível. Agora as pessoas já sabem que ao votar no PS há uma possibilidade real de o PS se coligar com partidos à sua esquerda"

“Geringonça como em 2015 é irrepetível porque PS não avisou que ia fazê-la”

Escreveu que alguns “beneficiários líquidos” da geringonça vêm agora exprimir reservas e lembrar que esses partidos são anti NATO, dizendo que é “curioso que o tenham silenciado” quando era oportuno. Estava a falar de José Luís Carneiro?
Não. Claro que isto pode aplicar-se a muita gente… Estava a referir-me ao seguinte: a geringonça é irrepetível nos termos em que se constituiu. Geringonça tinha um significado pejorativo inicialmente — depois, com argúcia e imaginação, foi possível transformar isso numa coisa boa do ponto de vista da marca. Fui contra porque entendia, e disse-o na Comissão Política Nacional e num Congresso onde estive quase sozinho — só usou também da palavra o Ricardo Gonçalves –, que o PS, tendo legitimidade constitucional e legal para fazer aquilo, não tinha legitimidade política e moral, porque nunca tinha dito ao país que ia fazer aquilo. Agora podem dizer o que quiserem, que tinham dito que tinham virado à esquerda, que nas ruas as pessoas clamavam por uma solução daquelas…

Não tinha sido claro.
Andei nas ruas e não vi ninguém a quem passasse, sequer, pela cabeça que o PS no dia seguinte iria fazer um acordo com BE e PCP.

António Costa diz que tinha avisado o Congresso de que não gostava do termo “arco da governação” e que este tinha de ser alargado.
Mas de uma forma tal que não foi percebida assim por ninguém. E a verdade é que isso foi escondido na campanha eleitoral, não tenho a menor das dúvidas. Achei que não estávamos perante um entendimento que resultasse de uma opção política verdadeiramente sólida, mas um expediente político para obviar ao que tinha sido uma derrota eleitoral. E mais: causou-me particular perturbação, e hoje reconheço que isso também contribuiu muito para a minha posição, o facto de ter liderado o PS nas europeias, que ganhámos com uma diferença de três e tal por cento. E essa vitória foi apoucada publicamente por várias personalidades do PS, foi a célebre vitória “poucochinha”. E tivemos um líder afastado, democraticamente, mas afastado alegando que tinha perdido eleições que o PS tinha, verdadeiramente, vencido. E a seguir o PS perde umas eleições e vai encontrar uma solução de expediente para resolver o problema. Foi por isso que estive contra. Na entrevista que dei na altura deixei claro que entendia que o PS devia assumir-se como um partido de oposição construtiva nesta fase e devia iniciar um diálogo sério com o BE, estabelecendo uma distinção clara entre BE e PCP — distinção que continuo a manter, porque acho que são duas formações políticas completamente diferentes — tendo em vista a constituição de uma alternativa que passe por um entendimento com estes partidos. Portanto nunca estive contra em absoluto qualquer possibilidade de algum entendimento. Entretanto a geringonça funcionou e há que fazer uma avaliação da mesma, e eu tenho-a feito.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mas acha que é irrepetível, e esse é o principal plano de Pedro Nuno Santos.
É irrepetível enquanto modelo de coisa estranha que não foi apresentada ao país, feita quase clandestinamente, e aparece de um dia para o outro. Isso é irrepetível. Agora as pessoas já sabem que ao votar no PS há uma possibilidade real de o PS se coligar com partidos à sua esquerda. É completamente diferente. Fui das primeiras pessoas no partido, na altura até me atiravam com isso à cara nas redes sociais, a defender acordos com a esquerda no plano autárquico. Quando fui eleito pela primeira vez presidente da câmara em 1989, em Amarante, fui eleito com uma lista em que consegui fazer um acordo com a UDP e depois com o PSR, os trotskistas, na segunda eleição. Não estabeleci ruturas absolutas nem disse que não era possível. Temia que, feita daquela forma, com o PS momentaneamente enfraquecido por não ter ganhado eleições, isso viesse a traduzir-se numa perda de capacidade do PS de influenciar decisivamente a tal geringonça. E que isso tivesse efeitos negativos em questões fundamentais, como a europeia. Verificou-se contudo, e fui dizer isto a um congresso do PS, que isso não aconteceu. Isso deve-se em grande parte a António Costa, que é europeísta convicto, profundo conhecedor das questões europeias, e não fez uma cedência em nada de essencial em matéria europeia e de política externa.

"Sempre respeitei mais aqueles que estavam na geringonça por convicção do que aqueles que estavam por mero oportunismo. Os que estão por oportunismo nunca sei o que vão fazer no dia a seguir. Quem se move por oportunismo político e não tem referências está sempre disponível para tudo em nome de uma coisa: da sobrevivência no poder"

“Razões pelas quais rejeitei integrar Governo desapareceram. Teria de avaliar”

Na conversa que teve com Pedro Nuno Santos depois da demissão de António Costa, houve algum acordo para o futuro, na lógica de outros que já existiram no passado entre socialistas em que dois nomes possíveis para concorrer à liderança fazem um pacto prévio?
Não houve nenhum acordo, nem se falou de cargos no partido ou fora dele. É onde eu estou mais à vontade: se há pessoa que nos últimos anos revelou que não troca as duas ideias e convicções por qualquer cargo político sou eu. Não sou o único, mas sou. Em 2015 António Costa, numa deslocação a Bruxelas, disse que queria falar comigo. Lembro-me de lhe ter respondido: não quero falar contigo, porque estou contra isto e sei que és extraordinariamente sedutor e ainda me podes convencer e eu não quero ser convencido. Nunca estabeleci nenhum conflito de ordem pessoal por causa disso.

Pedro Nuno disse-lhe em que medida contava consigo? Teria lugar num Governo liderado por ele, por exemplo?
Neste momento não estamos a falar nessas questões. Se eu quisesse ter feito parte de um Governo já tinha feito há muito tempo. Fui convidado com 30 e poucos anos e recusei, um dia direi porquê. A minha vida política não depende de estar a exercer este ou aquele cargo. Eu estava no Parlamento Europeu e saí porque tinha estado contra a geringonça. Entenderam que não devia ir na lista e eu até achei compreensível. E estive um ano completamente fora da vida política, a dar aulas, a escrever, até foi um ano bastante interessante. Subitamente convidaram-me para o Conselho Económico e Social por uma razão muito simples: precisavam de arranjar alguém que concitasse o apoio dos dois maiores partidos. Como eu tinha estado contra a geringonça, o PSD dava-me o apoio, e o PS também. Fui parar ao CES um pouco por acaso e tem sido das experiências mais interessantes da minha vida, e julgo que fizemos um trabalho de grande qualidade. Mas eu estava fora da vida política e estava bem. É por isso que não estou preocupado. Dir-me-ão: há pessoas que não compreendem. Pois com certeza que há, encontro essas pessoas na rua, vêm-me perguntar. Quando leio jornalistas inteligentes e por quem tenho apreço, como o Miguel Sousa Tavares, a dizer que há uma cambalhota, tenho de respeitar que as pessoas olhem para isto e possam pensar que houve uma alteração profunda. Mas não há. Simplesmente 2023 não é 2015. As questões que se colocam ao PS hoje não são as mesmas.

Em 2019 esteve aqui numa entrevista e disse que não estava disponível para integrar um Governo que fosse apoiado pela esquerda no Parlamento.
Não podia.

Neste momento já estaria disponível para um Governo apoiado pela esquerda?
Neste momento é completamente diferente. Se lhe responder a isso ainda vão dizer que quero integrar um Governo… As razões pelas quais dei essa resposta nessa ocasião desapareceram completamente do horizonte. Mas teria de avaliar, evidentemente. Não se integra um Governo sem saber o seu programa e a sua perspetiva. Se algum dia fosse convidado, a primeira coisa era saber para que é que isto serve e o que vamos fazer. Naquela altura não podia. As circunstâncias são outras.

Mas o que é que muda?
Em primeiro lugar, muda que essa solução foi feita nas costas dos portugueses, e agora nunca o será. Em segundo lugar fez-se uma experiência da solução e percebeu-se que é possível governar com o apoio desses partidos sem pôr em causa aspetos essenciais, que têm a ver com a política europeia e externa. Acho espantoso que se venha agora descobrir que o PCP é contra a NATO e a Europa. Isso é uma coisa que todos os portugueses sabem, e agora é que se vem descobrir e fazer disso uma questão essencial, até alguns com um argumento espantoso, que é dizer que estamos em guerra. Quer dizer, podem-se fazer acordos se não houver guerra; se houver vamos parar e o acordo fica interrompido até que se regresse a tempo de paz. Como se isso fosse possível. Não é entendível, sequer. Em relação à geringonça, eu sempre respeitei mais, tendo tido a divergência que tive, aqueles que estavam na geringonça por convicção do que aqueles que estavam por mero oportunismo. Os que estão por convicção, sei como falar com eles. Os que estão por oportunismo nunca sei o que vão fazer no dia a seguir. Se vão estar, se não, se se vão aproximar da direita ou até considerar que a extrema-direita já não é tão perigosa como isso… Nunca sabemos. Quem se move por oportunismo político e não tem referências está sempre disponível para tudo em nome de uma coisa: a sobrevivência no poder. E quem tem convicções — as convicções em si não são um valor, evidente — mas tem uma condição para haver respeito e saber com que é que contamos. E é isso que respeito no Pedro Nuno. Eu dialogava com ele muitas vezes, almoçávamos e jantávamos e divergíamos, e ele defendia acerrimamente o papel dele, a importância do que estava a fazer.

"O PS deve estar disponível para falar com todos os partidos sem exceção. Não estamos em altura de entrar em guerras"

“Pedro Nuno é pela sua própria personalidade um reformista”

Dizia numa entrevista ao Observador que um dos problemas da geringonça é que tinha votado o PS e o Governo ao imobilismo. Agora diz que Pedro Nuno Santos é “portador de uma autêntica vontade reformista”. Como é que isto se compagina?
Penso que Pedro Nuno é, pela sua própria personalidade, um reformista.

Mas aliado à esquerda não pode ficar “anestesiado e paralisado”, que era o que dizia que a geringonça provocava?
É uma questão que teremos de analisar. O PS deve estar disponível para falar com todos os partidos sem exceção. Não estamos em altura de entrar em guerras. Noutro dia até contei isto num almoço com 1.500 pessoas que apoiam Pedro Nuno, em Matosinhos: fui convidado pelo grupo parlamentar do PSD para ir lá fazer uma conferência. E fui. E foi uma noite bastante interessante, senti-me muito bem, falei com pessoas com quem partilho muitos pontos de vista e divirjo em muitos outros. Mas foi tudo num tom muito civilizado, uma excelente experiência. Entrei socialista e saí socialista. Disse também que já travei muitos combates com o PSD e até era provável que voltasse a travá-los no futuro — não esperava que fosse tão rápido –, mas nunca vi no PSD um inimigo, nem nunca o tratarei assim. É um partido profundamente democrático. É criminoso tentar considerar que há qualquer proximidade entre os militantes do PSD e o Chega.

Mas não é com o PSD que Pedro Nuno conta para governar.
Estou a dizer-lhe o que eu penso, não o que Pedro Nuno Santos pensa. Apoiar não significa que esteja inteiramente de acordo com ele. No dia seguir a isto, entrei pela primeira vez na sede do BE porque fui gravar um podcast com a Catarina Martins, e ela mostrou-me a sede — até lhe pedi para me levar à sala onde tinham feito as célebres reuniões da gerigonça. Depois tive uma excelente conversa com ela, das mais interessantes que tive nos últimos anos. É das pessoas por quem tenho mais apreço na vida política portuguesa, pela sua inteligência e coerência — também é pessoa de princípios, apesar de não concordar com ela em muitas coisas. Mas também saí de lá socialista, não dominado pelo BE. Isto não sou eu, é o PS. O PS é um partido que tem de manter estas ligações todas. Num momento pós-eleitoral, o PS terá de avaliar. Podemos estar daqui a três meses num cenário muito complicado e fragmentado. Não estou a antecipar nada, na altura própria direi a minha opinião e até há o risco de desagradar ao novo líder do partido, que estou a apoiar. Mas esse risco existe sempre. Trabalhei de perto com Guterres e nem sempre estava de acordo com ele — e ele era uma figura superior.

"Todos nós devemos ter o cuidado de não proferir neste momento nenhuma afirmação em relação a nenhum dos nossos camaradas que possa daqui a dois meses ser usada pelos líderes dos outros partidos contra essa pessoa"

“Um político tem de se saber controlar. Moderação também é isso”

Acredita quando Pedro Nuno Santos vem dizer que nunca foi um esquerdista?
Ele vem dizer que é um social democrata. Não há nenhum verdadeiro social democrata que não seja de esquerda — ainda há referências mínimas… A social democracia é uma corrente política da esquerda democrática europeia, originariamente até marxista e progressivamente afastou-se do marxismo leninismo e do marxismo ortodoxo. Mas não deixa de ter o marxismo como uma das suas referências. Noutro dia estava toda a gente muito espantada porque Pedro Nuno Santos tinha feito uma referência qualquer a Marx. Eu farto-me de fazer referências a Marx e leio muitos autores que o estudaram profundamente, porque é um dos grandes pensadores do século XIX. Mas não sou marxista, como não sou quase nada nesse sentido, porque isso reduz a liberdade intelectual.

José Luís Carneiro é que o acusou de estar a fazer uma “operação de cosmética”.
Não vou comentar esses termos.

O que Carneiro diz é que Pedro Nuno não apela ao centro, portanto ele é um candidato melhor para o PS, até para vencer eleições. E fala da sua notoriedade positiva, como se Pedro Nuno pudesse assustar o eleitorado. Isso não é um risco?
Não devemos entrar por aí. É uma forma muito redutora de encarar a vida política e o debate. Todos nós devemos ter o cuidado de não proferir neste momento nenhuma afirmação em relação a nenhum dos nossos camaradas que possa daqui a dois meses ser usada pelos líderes dos outros partidos contra essa pessoa. Isso é um limite. Seria muito grave se algum dos candidatos fizesse afirmações em relação ao outro, ou a figuras próximas, que pudessem ser usadas pelos nossos adversários para tentarem desqualificar o nosso candidato a primeiro-ministro.

Do que tem visto da campanha esse risco já é real?
Pelo que me estão a dizer e vou ouvindo, já há alguns momentos em que se esteve muito perto disso. Acredito que não tenha sido com má intenção, uma disputa eleitoral também é um momento de paixões e as pessoas perdem um bocadinho o controlo. Mas um político tem de se saber controlar. A moderação também é isso. E, do meu ponto de vista, é mais uma atitude do que outra coisa. É sabermos controlar-nos, sabemos o que devemos ou não dizer, termos modos e decência na vida política, e percebermos que há limites. Gostaria de ver mais discussão sobre grandes temas do país e da Europa.

Se ficar em segundo lugar nas eleições de 10 de março mas com uma maioria de esquerda, como ficou António Costa em 2015, Pedro Nuno Santos deve formar Governo?
Teremos de avaliar se é possível formar nestas circunstâncias, com atuais lideranças desses partidos, formar um Governo que não ponha em causa nenhum aspeto fundamental de uma governação do PS.

Mas em 2015 defendeu claramente que Pedro Passos Coelho devia ser nomeado primeiro-ministro.
Porque o PS não tinha dito ao país que ia fazer aquilo. A minha divergência fundamental foi de ordem política e até moral. Andou a fazer isso até nas costas dos militantes e dirigentes do PS. Eu não imaginava que iriam fazer aquilo. Vamos ser claros: não quero ser muito polémico, mas no dia em que António Costa apresentou ao grupo parlamentar a ideia de uma coligação com BE e PCP a reação foi muito negativa. A esmagadora maioria do PS era contrária. Ficaram atónitos, impressionados, e depois foram mudando de opinião. E foi um grande mérito político do António Costa que os fez mudar de opinião. Praticamente só não mudámos de opinião eu, o Sérgio Sousa Pinto e mais quatro ou cinco pessoas. De resto, quase toda a gente mudou de opinião, alguns até lhe deram o benefício da dúvida. E alguns até eram radicalmente contra aquilo e iam mudando radicalmente de posição em relação à sua posição quanto ao governo também ia mudando. Eram contra até ao dia em que eram convidados para irem para o Governo. Mas isso é a vida. Não tenho uma expectativa exagerada em relação aos comportamentos das pessoas em determinados momentos.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Acordo com o PSD. “Não fecho portas absolutamente a nada”

Se a maioria ficar, como ditam as sondagens agora, na direita, o PS deve procurar entender-se com o PSD? Para evitar que os sociais-democratas se vão entender com o Chega?
Isso depende muito das circunstâncias. Não fecho portas absolutamente a nada.

Até acordos parlamentares?
Fui líder parlamentar por duas vezes, com o Guterres e com o Sócrates. Da primeira vez já há muitos anos e nós governámos com acordos nos Orçamentos de Estado. Isto é fundamental, porque no nosso sistema não é preciso aprovar o Programa de Governo, basta que o Governo não apresente uma moção de confiança e que os partidos da oposição não apresentem moções de censura, que o Governo entra em funções. Depois de apresentar o seu programa à Assembleia da República. Portanto, o momento decisivo é sempre o do Orçamento do Estado e eu já vivi períodos em que foi possível assegurar a governação do país com acordos que incidiam sobre o Orçamento do Estado, com uma abertura naturalmente do PS para a introdução de propostas para outros partidos. Eu não sei como é que isto vai ficar. Uma coisa é termos um Parlamento muito fragmentado, outra é termos um Parlamento em que os dois grandes partidos, apesar de tudo, são muito fortes. Portanto, nesse quadro, não sabemos como é que vai ser por exemplo a força da extrema-direita, a força do Bloco de Esquerda, do PCP, do PAN, do Livre. Não sabemos nada disso. Oiço falar muito da questão da autonomia estratégica do PS, que não está em risco: nem com um candidato, nem com outro. Isso não está minimamente em risco, a autonomia estratégica do PS. Em cada momento, os militantes do PS decidirão o que muito bem entenderem. E se decidirem uma coisa que não me agrada, eu direi o que disse em 2015. Não agrada, passem muito bem, eu não participo nisto.

Suponho que também não acredite que Pedro Nuno Santos demoniza o centro.
Mas o que é isso de demonizar o centro? Também gostava que me explicassem isso. Ele demoniza o quê? O cidadão que se sente no centro? A classe média? O Pedro Nuno Santos é um homem que conhece bem o país. Na apresentação ele diz uma coisa que até está a ser mal interpretada que é ser “neto de sapateiro e filho de um empresário”. O que ele quer dizer é que conhece bem a realidade em todas as suas dimensões. O avô dele desempenhava uma função muito habitual naquela zona, ligada ao calçado. E o seu pai foi um homem que criou uma empresa, não herdou, de grande sucesso. Ao mesmo tempo ele conhece esse lado do sucesso empresarial, mas também o lado das famílias dos trabalhadores. Isso é até admirável. Porque os filhos das pessoas com muito sucesso, são pessoas que se deixam até dominar por esse sucesso e tendem a esquecer com rapidez o que era a situação dos seus avós ou dos seus vizinhos. E Pedro Nuno nunca esqueceu isso. Isso é a marca de um humanista, antes de mais. Ele é um social-democrata e o que ele quis dizer foi isso. Francamente, não conheço ninguém que ande a demonizar partes do eleitorado. Se me perguntar a mim se demonizo, por exemplo, o eleitorado do Chega, eu digo que não demonizo nada. São portuguesas e portugueses como eu que, por qualquer razão, votam no Chega ou no PCP. Posso combater as ideias das pessoas, mas não demonizo ninguém.

"Os filhos das pessoas com muito sucesso, são pessoas que se deixam até dominar por esse sucesso e tendem a esquecer com rapidez o que era a situação dos seus avós ou dos seus vizinhos. E Pedro Nuno nunca esqueceu isso. Isso é a marca de um humanista"

Outra afirmação de Pedro Nuno Santos, no seu curto tempo de comentador televisivo, foi que ele dizia que era possível fazer diferente com o excedente. Num momento que é de instabilidade económica internacional é recomendável mexer nessa almofada?
Creio que, neste momento, é importante assegurar a manutenção do Orçamento do Estado que foi agora aprovado. Esse é um princípio que para mim é fundamental e o Pedro Nuno Santos já disse que o vai cumprir escrupulosamente. Não há que mexer no Orçamento do Estado. No próximo ano, veremos as próximas circunstâncias. Aqui não há vacas sagradas em absoluto. O Governo tem que cumprir os seus compromissos europeus e, por outro lado, lida com uma situação complicada que é de uma dívida pública muito elevada. E, portanto, este esforço de redução de forma consistente da dívida é muito importante. Há várias formas de o fazer.

E depende do ritmo?
Sim. Depende do ritmo, depende da forma e da maneira como se faz.

Mas o ritmo da redução da dívida deve ser mais lento, como diz Pedro Nuno Santos?
O ritmo da redução tem de ser avaliado em função das perspetivas da evolução da economia. Portanto, antes disso não se pode estar a fazer qualquer consideração.

As perspetivas não são famosas tendo em conta o contexto internacional. Estar a prometer já que o ritmo deve ser mais lento…
Não são famosas. O que ele tem dito é, em tese, que se pode admitir essa possibilidade e há vários economistas que o têm escrito.

Mas isso é recomendável?
É discutível. Não que seja recomendável, mas essas matérias podem e devem ser discutidas. E estão a ser discutidas em todos os partidos social-democratas na Europa. E até em partidos de centro-direita europeus. E até no próprio espaço europeu está a ser objeto de discussão. Agora, o que não podemos perder de vista é que temos uma dívida pública muito elevada, que isso tem um peso enorme para o país e que este processo de consolidação orçamental tem de se prosseguir. Isso não há dúvida nenhuma.

"É importante assegurar a manutenção do Orçamento do Estado que foi agora aprovado. Esse é um princípio que para mim é fundamental e o Pedro Nuno Santos já disse que o vai cumprir escrupulosamente"

Nesse sentido, não é um problema que Pedro Nuno Santos já tenha colocado na moção a questão das reivindicações dos professores e de outras carreiras da função pública. De recordar que, em 2018, se opôs a que o Governo fosse ao encontro dessas reivindicações dos professores porque o país tinha um problema sério com a dívida e a necessidade de resolver problemas com as finanças públicas. A questão é se o país já resolveu esse problema.
O país não resolveu esse problema, mas não tem a dimensão que tinha nessa altura. Felizmente. E não tem porque se seguiu uma política séria de consolidação orçamental. Mas, já agora, um pequeno aparte: prosseguiu-se esta via: o período da geringonça é curiosamente aquele em que há uma maior regressão do investimento público em Portugal. Até mais do que nos períodos tão demonizados de Passos Coelho. Portanto, foi um período em que houve uma opção: restituição mais rápida dos rendimentos às pessoas, mas ao mesmo tempo uma enorme contração do investimento público, com consequências muito negativas desse ponto de vista. Houve um preço que se pagou. Haveria sempre um preço a pagar. Aqui vamos ter de definir qual é o preço a pagar e onde é que tem de se pagar. Não se pode prometer tudo a todos. Isso é ilusória.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Francamente não percebo porque o PS não retomou diálogo com professores”

E assumir a reposição faseada do tempo de serviço dos professores é prometer tudo a todos?
Não.

Mas concorda?
Concordo que esse assunto deve ser reaberto. Já disse várias vezes: não podemos manter uma situação de litígio absoluto com os professores como temos tido, como não podemos manter com os médicos. Porque isso significa simplesmente o fim da escola pública e o fim do SNS. Isso não teremos a menor das dúvidas. Portanto, é uma matéria para a qual deve haver abertura de espírito. Na questão dos médicos tem havido abertura. E a prova disso é que já houve até um acordo dos sindicatos. E tem havido um grande esforço do Governo no sentido de chegar a um acordo e até acho que o Governo tem ido bastante longe nessa perspetiva, que provavelmente é insuficiente ainda, mas tem ido dentro das possibilidades. Com os professores fechou-se completamente. E isto gerou uma reação de revolta profunda. Tenho na família muitas pessoas que são professores e sei muito bem o que significa termos professores, nos mais diversos níveis de ensino, desmotivados, descontentes e sentindo-se desrespeitados. É importante retomar o diálogo com os professores e não percebo porque é que isso não aconteceu já. Francamente não percebo. Isso não significa que esteja aqui a dizer: vamos a correr encontrar uma solução.

Querem reabrir a discussão e depois encontrar a solução.
Temos de ter sempre a noção de que o país ainda tem um sério problema de endividamento e que isso obriga a ter cuidados nesse domínio.

Em relação à justiça: é nesta altura que o PS deve avançar com uma reforma?
A justiça é uma área em que só se pode fazer uma reforma por consenso. E é uma área em que é desejável que todas as formações partidárias se envolvam o máximo possível nessa reforma. Não é só uma reforma de PS e PSD, mas é uma reforma em que, necessariamente, PS e PSD têm que participar.

"Não percebi porque não se aproveitou o período em que Rui Rio liderava o PSD para com ele promover uma reforma na área da justiça (...) Na altura, irresponsavelmente e demagogicamente, o PS respondeu-lhe que ele queria pôr em causa a autonomia do Ministério Público"

Era desejável nessa reforma incluir uma alteração à composição do Conselho Superior do Ministério Público?
É uma matéria a discutir. Não percebi porque não se aproveitou o período em que Rui Rio liderava o PSD para com ele promover uma reforma na área da justiça. Não tinha de ser necessariamente aquilo que ele propunha.

Tentou, mas na altura não houve resposta.
Até foi um bocado mal tratado. Na altura, irresponsavelmente e demagogicamente, o PS respondeu-lhe que ele queria pôr em causa a autonomia do Ministério Público (MP). E que queria politizar o MP. E perdeu-se uma boa oportunidade de fazer uma reforma séria. Não queremos politizar o MP.

Aí está a incluir as propostas de alteração da composição do Conselho Superior do Ministério Público?
Eventualmente isso pode ser objeto de discussão. O que não podemos manter é uma situação como aquela que temos hoje em que notoriamente há profundas lacunas e profundas insuficiências que depois têm repercussões muito negativas na vida nacional. E temos de vencer esse tabu. Se nós hoje temos estes problemas todos, a responsabilidade maior não é a da PGR, nem dos procuradores nem nada. É de nós próprios, dos legisladores. Porque fomos nós que legislamos neste sentido. E, portanto, é esta legislação que permite tudo isto. E temos agora de ter a coragem de não transformar isto num tabu. E não ficar dominados pelo medo e dizer que, sempre que queremos fazer alguma alteração, é no sentido de nos protegermos ou no sentido de controlarmos o MP. Não é nada disso. E para isso tem de haver aqui um entendimento de fundo. E feito de forma clara: o Presidente da República, o professor Marcelo Rebelo de Sousa, a dada altura manifestou um grande empenhamento nisso e infelizmente não foi ouvido pelos partidos políticos, senão já poderíamos ter tido essa alteração a nível da justiça. Há muitas áreas em que é desejável que haja entendimentos de fundo entre os principais partidos, que a democracia vive disso. A democracia vive de conflito e de consenso. Excesso de consenso mata a democracia. Excesso de conflito também destrói a democracia. Portanto, é preciso encontrar também aqui alguns equilíbrios: julgo que isso se vai colocar com particular cuidado nos próximos anos. Não só em Portugal como na generalidade dos países europeus. Porque hoje há de facto um movimento internacional, que não havia em 2015. Ou se havia, eu não percebi os termos em que ele podia estar a manifestar-se já. Há hoje um movimento internacional fortíssimo, de extrema-direita, que está a ter expressão em vários países no mundo, não é só na Europa. E, tal como no passado, foi preciso defender a democracia contra a extrema-esquerda e contra projetos comunistas totalitários — nomeadamente aqui em Portugal em 1974 e 1975 — a verdade é que hoje não há uma ameaça que venha propriamente desse lado. Como diria Marcelo Rebelo de Sousa, desse hemisfério político. A ameaça vem de outro. As coisas mudam. Não significa que amanhã não possa vir doutro lado, mas neste momento não é ali que está, de facto, a principal ameaça.

“Deve ficar claro que o PS se empenhará em apoiar um candidato a Belém”

 Com o Congresso em 2024, o PS só voltará a reunir-se em 2026. Não devia existir já um posicionamento dos candidatos, nomeadamente aquele que apoia, em relação às próximas presidenciais?
Não. Acho isso muito cedo. É muito cedo para estarmos a falar em eleições presidenciais.

Só por esta questão do calendário…
O que deve ficar claro é que o PS se empenhará em apoiar um candidato. Foi o que não fez nas últimas nem nas penúltimas. Nas penúltimas andou aí dividido envergonhadamente apoiava uns, outros apoiavam outros. Apoiei a Maria de Belém. Há três anos, apoiei a dra. Ana Gomes, e na altura muita gente ficou surpreendida. Costumo dizer a brincar que sou dos poucos dirigentes do PS, com muitos anos de vida do PS, que sendo considerado uma das pessoas mais à direita do PS — que é uma coisa que, não sendo verdade, também não considero propriamente um insulto — a verdade é que sou dos poucos que nunca votei na vida num candidato de direita. Votei sempre em candidatos de esquerda e votei nas últimas eleições Ana Gomes.

"Neste momento nem sequer me passa pela cabeça estar sequer a equacionar a possibilidade de ser ou não ser candidato a Presidente da República (...) É muito cedo. Há uma coisa que estou farto de dizer e demonstrar: sou uma pessoa livre em relação ao exercício de qualquer função política em particular"

E está disponível para essa candidatura?
É um coisa que neste momento nem sequer me passa pela cabeça estar sequer a equacionar a possibilidade de ser ou não ser candidato a Presidente da República.

Mas as candidaturas não se preparam da noite para o dia.
Sei que não. Mas é cedo. É muito cedo. Há uma coisa que estou farto de dizer e demonstrar: sou uma pessoa livre em relação ao exercício de qualquer função política em particular. Porque só assim é que entendo a vida política. Quando ficamos prisioneiros de uma ambição desmedida de ocupação de um cargo político, ficamos de tal maneira apaixonados por isso que essa é a primeira condição para perdermos a nossa liberdade e o nosso sentido crítico. Até pela minha natureza e formação, prezo muito o meu sentido crítico e a minha liberdade. E prezando imenso a minha liberdade, não me autoaprisiono com uma ambição dessa natureza. Portanto, não tenho nenhuma ambição desse âmbito. Nem essa, nem nenhuma. A única ambição que tenho neste momento é a de procurar servir o PS numa fase difícil e através do PS também servir a democracia portuguesa. Servir não é com aquele espírito de missão, de quem vai para ali. É servir no sentido de ser alguém que tem responsabilidades políticas, é conhecido no País, tem posições e acho que neste momento é uma obrigação minha participar na vida política e dizer o que penso e dar o meu contributo. Não numa perspetiva de animosidade em relação ao outros, dentro e fora do partido. Não vejo nos outros partidos inimigos: no PSD, no BE. Vejo partidos que são nossos adversários, mas com quem nós em muitas áreas partilhamos pontos de vista. Sobretudo, julgo que a esmagadora maioria dos portugueses são democratas. Prezam a democracia. Portanto, na questão essencial, que é o tipo de regime em que queremos viver, há uma esmagadora maioria de portugueses que estamos todos de acordo. Nesse sentido, nem somos radicais, nem somos moderados, somos democratas que é o mais importante.

 
Assine um ano por 79,20€ 44€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Já é assinante?
Apoio a cliente

Para continuar a ler assine o Observador
Assine um ano por 79,20€ 44€
Ver planos

Oferta limitada

Já é assinante?
Apoio a cliente

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Apoie o jornalismo. Leia sem limites. Verão 2024.  
Assine um ano por 79,20€ 44€
Apoie o jornalismo. Leia sem limites.
Este verão, mergulhe no jornalismo independente com uma oferta especial Assine um ano por 79,20€ 44€
Ver ofertas Oferta limitada