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A maioria dos fundadores do Chega não está alinhada com André Ventura
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A maioria dos fundadores do Chega não está alinhada com André Ventura

(Rui Oliveira/Observador)

A maioria dos fundadores do Chega não está alinhada com André Ventura

(Rui Oliveira/Observador)

Fundadores do Chega em rota de colisão com André Ventura. Número de dissidentes aumenta

As críticas internas a Ventura continuam a crescer. Entre os descontentes estão muitos dos fundadores do partido, que se queixam de perseguição política, falta de democracia interna e de represálias.

Três anos foram suficientes para que o grupo de dez fundadores do Chega se desmoronasse, entre acusações, críticas e suspeitas de traição à mistura. Há quem já tenha de facto abandonado o partido, há quem se mantenha, mas que esteja em clara rota de colisão, há quem vá resistindo na expectativa de que as coisas mudem de figura com outro líder e um fiel (com muito peso político) que permanece de pedra e cal. É uma exceção: muitos dos nomes que escreveram a primeira página da história do Chega estão desalinhados com a direção, acusam André Ventura de querer controlar todo o partido e atiram-se à falta de democracia interna.

A história deste desencontro escreve-se em muitos episódios: Nuno Afonso (militante número dois), Fernanda Marques Lopes (número três) e Gerardo Pedro (número oito) estão em rota de colisão com a direção. Carlos Monteiro (número quatro), Lucinda Ribeiro (número seis) e Patrícia Sousa Uva (número sete) abandonaram o projeto.

Cristina Vieira (número cinco) mantém-se no partido apesar de se ter demitido do Movimento Mulheres do Chega por discordar da mudança de agulha no combate à violência doméstica. Floriano Rocha também, mas está muito longe da esfera de influência de Ventura. Restam, absolutamente sintonizados, Diogo Pacheco Amorim (militante número dez) e, claro, André Ventura.

As costas voltadas aos amigos de longa data — e mais uma impugnação

O caso mais flagrante é o de Nuno Afonso, militante número dois do Chega, o homem que fez parte da fundação do partido, que chegou a ser o braço direito de André Ventura e que acabou afastado do cargo de chefe de gabinete parlamentar após meses de desconfianças e suspeitas.

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O antigo vice-presidente do partido foi sendo afastado de cargos e posições de maior poder, foi-lhe sendo retirado o protagonismo e a rutura consagrou-se com a mudança radical no gabinete do Chega no Parlamento, que Nuno Afonso liderava desde que André Ventura foi eleito deputado único, em 2019.

O número dois do partido nunca escondeu o desagrado — desde o momento em que foi despromovido de vice da direção para vogal, até ao dia em que saiu do gabinete — e foi claro na entrevista que deu ao Observador, em que se atirou às opções tomadas a nível superior: “Em qualquer organização, seja um partido político ou uma empresa, quando há demasiada mediocridade tenta-se afastar as pessoas que são boas.”

Nuno Afonso sobre a sua queda no Chega: “Quando há demasiada mediocridade tentam afastar-se os bons”

Nuno Afonso não está sozinho no desconforto em relação à falta de democraticidade interna do partido. Fernanda Marques Lopes, também ela amiga de longa data de André Ventura e militante número três do partido, não gostou do que aconteceu no último Conselho Nacional do Chega — em que André Ventura apresentou uma proposta para adiar por um período de até um ano as eleições internas — e resolveu apresentar uma impugnação que não agradou à direção.

No documento enviado ao Conselho de Jurisdição, quatro militantes do Chega apontam alegadas ilegalidades no órgão mais importante entre congressos, nomeadamente, o facto de não se ter apurado o quórum e de terem existidos diferentes direitos e tempos para os conselheiros. Ao Observador, Fernanda Marques Lopes, que chegou a ser presidente do Conselho de Jurisdição Nacional, explicou que se trata de uma “regressão naquilo que é a democracia interna do partido”.

As queixas de Fernanda Marques Lopes são partilhadas em parte por todos os críticos, sobretudo em relação às suspensões e expulsões decididas pela Comissão de Ética, liderada pelo deputado Rui Paulo Sousa, e pelo Conselho de Jurisdição, presidido por Rodrigo Alves Taxa — dois membros do inner circle de André Ventura.

“Internamente, as pessoas que fazem algum tipo de reparo não são bem-vistas”, acusa Fernanda Marques Lopes, que acrescenta outra pormenor: o e-mail institucional que tinha (e que usava como deputada do Chega na Assembleia Municipal da Lourinhã) terá deixado de funcionar sem qualquer pré-aviso, algo que acredita ter sido uma represália por estar assumidamente ao lado de Nuno Afonso. “Estou incondicionalmente do lado da Justiça e da Democracia”, atalha.

“Ai de quem abra a boca, que é imediatamente suspenso. André Ventura tem de ter tudo controlado, ai daquele que abre a boca”
Carlos Monteiro, militante número quatro do partido

Nuno Afonso e Fernanda Marques Lopes não são os únicos a pensar assim. Carlos Monteiro, militante número quatro do partido, acusa André Ventura de ter uma “falta de moral tremenda” depois de ter afastado ou estar a afastar “amigos” e pessoas que “fizeram tudo pelo partido”.

Monteiro, que deixou o partido no final de 2021, não hesita em acusar Ventura de controlar com pulso férreo o partido. “Ai de quem abra a boca, que é imediatamente suspenso. André Ventura tem de ter tudo controlado, ai daquele que abre a boca”, comenta com o Observador.

O caso de Gerardo Pedro é diferente. O homem que chegou a ser vogal da direção e responsável pela comunicação do Chega demitiu-se deste último cargo à boleia da polémica dos perfis falsos, na qual sempre negou ter responsabilidade.

Mais tarde, em dezembro de 2021 e já em rota de colisão com a direção, deixou mesmo de ser funcionário do partido, mantendo-se apenas como militante. Para o número oito do Chega, a saída de Nuno Afonso do cargo de chefe de gabinete foi a gota de água e só resiste no partido por aguardar que apareça uma “oposição credível”.

“André Ventura manda em tudo, controla tudo. Se tivermos opiniões próprias somos olhados de lado, somos uns ratos”, atira Gerardo Pedro. Só não se desfilia do partido, continua, por acreditar que ainda é possível recuperar o espírito do “projeto inicial do Chega”.

“André Ventura manda em tudo, controla tudo. Se tivermos opiniões próprias somos olhados de lado, somos uns ratos”
Gerardo Pedro, militante número oito do Chega

Dois pilares da fundação que caíram

Quem esteve na fundação do partido não esquece dois nomes: Lucinda Ribeiro e Patrícia Sousa Uva. A primeira foi a responsável pelo primeiro impacto do Chega nas redes sociais, através da divulgação do partido em várias plataformas — um trabalho que se espelhou na implantação do partido.

A segunda foi escolhida por André Ventura para ser a mandatária da campanha presidencial — e responsável pela recolha de assinaturas — tendo acabado por deixar o partido ainda antes do início da campanha. Rui Paulo Sousa ficou com o cargo que ocupou até ali.

Lucinda Ribeiro, número seis do Chega, que já se desfiliou, discorda do “rumo geral do partido” e justifica-o de duas formas: o funcionamento interno e as ideias para o país. “O funcionamento interno do partido não é democrático”, aponta a fundadora do partido, em declarações ao Observador.

Aos olhos de Lucinda Ribeiro “tudo é decidido pela cúpula”, desde logo com críticas ao facto de as estruturas locais, nomeadamente as concelhias, serem nomeadas e não sujeitas a eleição; e ainda ao facto de a direção do partido ter imposto uma lei da rolha, que, aos olhos dos críticos, torna impossível o debate político franco. “Ninguém pode dar uma opinião e é logo considerada persona non grata no partido. Qualquer opinião contrária faz com que a pessoa fique logo rotulada como inimiga.”

A ex-militante do Chega critica ainda o facto de André Ventura ter passado a assumir abertamente disponibilidade para entendimentos à direita — uma referência à carta aberta do líder do Chega a desafiar os concorrentes para uma eventual frente não socialista –, esquecendo o espírito original do partido, como “antissistema“.

“Ninguém pode dar uma opinião e é logo considerada persona non grata no partido, qualquer opinião a pessoa fica rotulada como inimigo”
Lucinda Ribeiro, militante número seis do Chega

Patrícia Sousa Uva chegou a ser porta-voz na primeira direção de André Ventura e subiu a vogal na liderança que se seguiu. O problema na recolha de assinaturas fez com que se incompatibilizasse com André Ventura e decidiu sair pelo próprio pé.

“Entrei em rota de colisão com praticamente tudo no partido, senti que estávamos a pregar para fora e a fazer o oposto dentro”, conta Patrícia Sousa Uva ao Observador, lembrando o facto de ter saído na altura em que se começou a falar das suspensões de militantes.

Agora, à distância, acredita que André Ventura “usou as pessoas” que tinha por perto para “alavancar o partido. Entrei para o Chega para ajudar e mudar o país, vim-me embora a pensar que tinha arranjado mais um problema para o país”, desabafa, admitindo que saiu em “total rutura” com o partido.

“Entrei em rota de colisão com praticamente tudo no partido, senti que estávamos a pregar para fora e a fazer o oposto dentro”
Patrícia Sousa Uva, militante número sete do Chega

A desilusão e o regresso a militante base

Cristina Vieira ainda está no Chega, mantém-se como “militante base” e não pretende ser mais do que isso. Chegou a ser a presidente do Movimento Mulheres do Chega, mas a forma como o partido alterou a narrativa no combate a uma das bandeiras que mais defendida, a violência doméstica, deixou-a desiludida.

Conheceu André Ventura quando foi sua aluna no curso de Direito, na cadeira de Direito Penal. Sofreu de violência doméstica e a experiência levou-a a dedicar parte da vida à defesa das mulheres. Sentiu-se abandonada pela direção do partido.

“Não concordo que uma das maiores bandeiras, que era contra a violência doméstica, tenha sido posta na gaveta e ninguém fala disto”, aponta. Neste momento ainda representa o partido na junta de freguesia de Loures, onde foi eleita, mas não pensa voltar a trabalhar no partido como fez na fundação.

As duas exceções

Floriado Rocha, o militante número nove do Chega, relativiza todas as saídas e críticas. “É normal que exista crispação, resulta da liberdade de pensamento e debate de ideias”, reforça. “Amigo de longa data” de Ventura, mantém-se perfeitamente alinhado com a atual direção.

“Concordo e apoio a liderança, mas isso não significa que diga amém a tudo. É uma liderança legítima e com o mandato quase no início”, esclarece o militante do Chega, que admite a existência de disputas internas, mas diz serem “normais” nas organizações.

Floriado Rocha não tem, nem nunca teve, na verdade, o peso político de outros fundadores. De resto, Diogo Pacheco Amorim é o único que continua verdadeiramente ao lado de André Ventura. Chegou a ser vice-presidente do partido e passou depois para vogal, ainda que numa estratégia criada pelo próprio de renovação dos nomes cimeiros da direção (e na qual Nuno Afonso e José Dias também perderam o lugar).

É o ideólogo do Chega e foi eleito deputado depois de várias incógnitas sobre a possibilidade de conseguir um lugar no Parlamento (tendo em conta que era o número dois no Porto, depois de em 2019 ter sido o segundo em Lisboa, logo atrás de André Ventura).

Faz parte do inner circle do presidente do partido e foi ganhando destaque ao longo dos últimos anos, nomeadamente ao ser a escolha para a candidatura à vice-presidência da Assembleia da República, acabando por não ser eleito. Agora, feitas as contas aos que saíram, aos que se afastaram e aos críticos, Diogo Pacheco Amorim é o último dos dez militantes com quem André Ventura pode contar na definição do caminho político do partido.

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