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Uma “operação complexa que se afigura suscetível de contornar a lei” e que permitiu aos privados meterem dinheiro na TAP que vinha da própria TAP ou uma “uma operação de financiamento” que “não é esquisita” e que resolveu um problema grave da TAP e ajudou a companhia a crescer? Tudo isto e o seu contrário já foi dito sobre os fundos Airbus e o seu papel na privatização de 2015 que voltou a marcar a agenda com a divulgação da auditoria da Inspeção-Geral de Finanças.
Uma “operação complexa” que contornou a lei e um negócio “simulado” As suspeitas da IGF na TAP
A TAP já tinha um contrato com a Airbus antes da entrada em cena de David Neeleman?
Sim. Em 2005, a TAP pública assinou um contrato com a Airbus para a compra de 17 aviões, sete A330 e dez A355. Este acordo foi alterado várias vezes, tendo passado a 12 aviões A350 e cinco aviões A330 (estes últimos entregues entre 2007 e 2008) mas a alteração mais importante que nos leva aos fundos Airbus é relativa aos A350, aviões de maior alcance e mais caros, que aconteceu em 2015 no quadro da privatização da companhia.
A TAP estava a cumprir o contrato?
A TAP estava em risco de incumprimento do contrato e não conseguiu adiar mais pagamentos com a Airbus, o que implicava a perda dos adiantamentos até então realizados de mais de 40 milhões de dólares. E este” é um dos ângulos mortos” que ajuda a explicar o que aconteceu na fase decisiva do fecho da compra de 61% da TAP. Segundo Sérgio Monteiro, ex-secretário de Estado, a TAP estava em risco de entrar em incumprimento e perder um contrato que tinha um grande valor económico. E, se isso acontecesse, perdia os mais de 50 milhões de euros já pagos ao fabricante europeu.
Quando quis David Neeleman alterar o contrato com a Airbus?
Durante a fase das negociações com o Governo de Passos Coelho, o empresário sinalizou logo a intenção de usar este contrato da TAP na engenharia financeira para recapitalizar a empresa. Numa primeira proposta de maio David Neeleman propunha-se comprar o contrato de fornecimento dos A350 à TAP. Este contrato tinha um grande valor no mercado da aviação, porque se tratava de um novo modelo com muita procura e a TAP tinha sido uma das primeiras clientes a fechar a compra. Mas o Governo e a Parpública recusaram porque era a compra de um ativo da TAP, segundo relatou Pires de Lima, ex-ministro da Economia do Executivo de Passos Coelho. Na proposta revista, apresentada em junho, a capitalização “era assumida em termos claros” sem condicionamento àquele contrato. “Entendemos que a proposta, no que dizia respeito à capitalização, cumpria os requisitos necessários para ser aceite”, afirmou Pires de Lima, na comissão de inquérito.
Quando é que a operação dos fundos Airbus começou a ser preparada?
Logo a seguir à primeira recusa do Governo, em junho de 2015, segundo refere a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças. “antes, portanto, da privatização da TAP, foi assinado entre a DGN (DGN Corporation de David Neeleman) e a Airbus um memorando de entendimento através do qual a DGN se comprometia a adquirir 53 aeronaves, entregando para o efeito quatro milhões de dólares à Airbus, a título de commitment fees (sinal)”. Este documento não foi disponibilizado à IGF, mas a auditoria sinaliza que os 4 milhões de dólares seriam devolvidos à DGN pela Airbus “logo após a privatização da TAP e logo que esta procedesse ao pagamento do primeiro pagamento pré-entrega (PDP na expressão inglesa). Ou seja, a DGN negociou em nome da TAP quando só assinou a 24 de junho o acordo de compra dos 61% da TAP e de compromissos estratégicos.
A operação foi comunicada às autoridades portuguesas?
Em setembro, o consórcio composto por David Neeleman e Humberto Pedrosa entrega o modelo de financiamento da sua entrada de capital na TAP à Parpública no qual era apresentada uma renegociação do contrato com a Airbus. O documento “Atlantic Gateway Group — presentation regarding Airbus contracts/capital funding” defendia a necessidade de modernização da frota da TAP através da compra de 53 aviões à Airbus, e indicava que seria esta empresa a realizar uma injeção de capital na Atlantic Gateway, e, indiretamente, na TAP, através do tal contrato de aquisição celebrado três meses antes com David Neeleman. Essa injeção corresponde aos 226,75 milhões de dólares (pouco mais de 200 milhões de euros) das prestações acessórias que eram referidas no plano de capitalização da TAP.
O Governo soube que a TAP ia ser capitalizada através dos fundos Airbus?
O documento do modelo financeiro entregue em setembro de 2015 à Parpública, presidida à data por Ferreira Pinto, foi também apresentado aos membros do Governo das áreas das Finanças e das Infraestruturas, afirma a Inspeção-Geral das Finanças que não identifica esses responsáveis.
À época, Maria Luís Albuquerque e António Pires de Lima eram, respetivamente, ministros das Finanças e da Economia. Os secretários de Estado eram Isabel Castelo Branco (Tesouro) e Sérgio Monteiro (Obras Públicas). Estávamos a duas semanas de eleições legislativas. A IGF assume que este documento “Atlantic Gateway Group — presentation regarding Airbus contracts/capital funding” não lhe foi facultado nem pela TAP nem pela Parpública, tendo-se baseado nos pareceres de duas sociedades de advogados. A Vieira de Almeida, que assessorou o Estado em 2015, e a Serra Lopes, Cortes Martins que em 2022 fez um parecer para a TAP enviado ao Governo e remetido por este à Procuradoria-Geral da República.
Em novembro de 2015 já tinha caído, no Parlamento, o segundo governo de Passos Coelho, mas ainda não existia primeiro Governo de António. Estavam, portanto, em gestão os governantes das Finanças e das Infraestruturas de Passos Coelho. E, assim, os secretários de Estado, Isabel Castelo Branco e Miguel Pinto Luz, foram os pivôs da conclusão da privatização da TAP, o que envolveu vários passos jurídicos e contratuais. O parecer jurídico que validou a legalidade da operação tem a data de 12 de novembro de 2015. O chumbo do programa de Governo de Passos aconteceu a 10 de novembro e a tomada de posse de Costa a 26 de novembro.
Que explicações deram esses governantes?
Ouvido primeiro pela comissão parlamentar de economia (no ano passado, quando em paralelo decorria o inquérito sobre a TAP), Sérgio Monteiro assegurou que, até setembro de 2015, nunca foi feita referência à existência de um apoio da Airbus ao grupo privado que estava a comprar a TAP. Tendo admitido que a origem dos fundos “nunca nos preocupou”, porque o mais importante” era garantir que o dinheiro colocado na TAP ficava na TAP a longo prazo — o que foi conseguido com uma cláusula de que esse capital não seria reembolsado aos acionistas durante 30 anos.
Sobre a proposta de financiamento de setembro, Pires de Lima diz, por sua vez, que foi informado por Sérgio Monteiro da intenção da Atlantic Gateway de usar os fundos “para proceder à quase totalidade das responsabilidades de capitalização”. O Governo, diz, tentou perceber a operação, sabendo que os fundos “não podiam nunca” ser financiados pela TAP. “Não podiam significar um custo maior dos 53 aviões que a TAP ia comprar”. Se isso não fosse garantido, a operação não tinha condições de ser aprovada.
Só quando houve a formalização, com uma carta da Airbus e novas avaliações, para garantir que a TAP iria pagar os aviões a preços de mercado e que não seria prejudicada, é que o Governo aceitou. Pires de Lima citou ainda o parecer da Vieira de Almeida de novembro de 2015 que considerou legítima a forma de capitalização. Esta só seria ilegal se os fundos tivessem origem na TAP, o que, explicou para o ex-ministro da Economia, só teria acontecido se a empresa estivesse a pagar os aviões da encomenda trazida por Neeleman a um preço superior ao de mercado (fair value market).
Miguel Pinto Luz, que apanhou, em 2015, o desfecho da venda, enquanto secretário de Estado das Infraestruturas, garantiu na comissão de Economia (não foi chamado à de inquérito) no ano passado que havia avaliações sobre a compra de aviões que indicavam, até, que seria feita com desconto. “É referida a existência de uma avaliação que aponta para um sobrecusto dos novos aviões. É uma avaliação que eu não conheço. Nós tínhamos três outras avaliações e tínhamos no contrato essa situação salvaguardada. Mas, se quisermos ser honestos, nenhum de nós, nesta mesa, consegue avaliar um avião. Nenhum de nós sabe quanto custa um Airbus depois de customizado às necessidades da companhia. E é por isso que deixamos prevista uma comissão de acompanhamento”.
O que implicou a troca de encomenda de aviões para a TAP?
A 11 de novembro, os dois contratos celebrados entre a DGN e a Airbus foram transferidos para a TAP que assumiu junto da Airbus a posição do comprador das 53 aeronaves. Foi cancelada a produção dos dize A350 da encomenda original e os pagamentos que já tinham sido feitos pela TAP de 43,5 milhões de dólares passaram para o novo contrato. Apesar de “idênticos aos celebrados com a DGN”, os novos contratos “passaram a prever uma penalização, no montante total de 226,75 milhões de dólares, a pagar pelo comprador em caso de cancelamento da compra dos aviões (39 A320 e 14 A330), comprometendo-se a TAP no pagamento deste valor em caso de incumprimento”.
E não foi coincidência. “Este valor corresponde ao somatório das prestações suplementares concedidas pela DGN à Atlantic Gateway no montante de 150 milhões de dólares com as prestações acessórias no montante de 76,75 milhões de dólares, ambas transferidas pela Atlantic Gateway para a TAP, SGPS em 2016”. A TAP assumiu ainda o pagamento do sinal dado por Neeleman à Airbus em junho de 4,8 milhões de euros, o que elevou a primeira prestação a pagar até final desse ano de 2015 relativa ao novo contrato a 48,3 milhões de euros.
A TAP podia ter feito ela própria a operação com Airbus?
Sérgio Monteiro garantiu que não. A mera desistência pela TAP do contrato dos A350 não permitiria obter o valor que veio a ser injetado na empresa pelo empresário americano. A TAP nem tinha dinheiro para pagar os aviões já encomendados, pelo que não conseguiria comprar os 53. O ex-secretário de Estado das Obras Públicas invocou ainda a excelente relação de Neeleman com a Airbus, descrevendo-o como o “homem que abriu o mercado americano”, dominado pela Boeing, ao fabricante europeu.
David Neeleman, que está no centro da polémica, justificou, no ano passado aos deputados da comissão de inquérito, que a Airbus “só ajudou a TAP, aceitando a troca de encomendas dos aviões e dando a sua contribuição financeira, porque acreditava em mim e na nossa equipa, na minha experiência na indústria da aviação”.
A mudança de nova frota foi apenas uma operação financeira?
Para o ex-secretário de Estado, Sérgio Monteiro, foi mais do que uma operação financeira. Se, por um lado, foi a dimensão da encomenda de 53 aviões (em vez dos 17 originais) que permitiu alavancar a margem que resultou nos fundos emprestados pela Airbus a Neeleman, na condição de serem metidos na TAP; por outro lado, esta troca de frota correspondia a uma visão estratégica que apostava na expansão da oferta para a América do Norte e do Sul que, pela localização do hub da TAP no ponto mais ocidental da Europa, era viável para aviões de menor alcance do que os A350. A compra de mais aviões de médio curso A320 permitia uma maior capilaridade de destinos.
Também a ex-secretária de Estado, Isabel Castelo Branco, defendeu que a operação “aparece porque no âmbito do plano estratégico [de Neeleman] havia novas rotas, que implicavam a modernização da frota, com 53 aviões mais pequenos, plano que não era compatível com os 12 aviões muito maiores que estavam encomendados. Nesse âmbito, a Airbus permitiu esse financiamento, que é um rappel, um adiantamento à cabeça. A troca dos aviões resulta simplesmente da alteração do plano estratégico”.
Quem ganhou?
Na perspetiva dos protagonistas da privatização de 2015 parece que todas as parte ganharam. O ex-ministro da Economia reconhece que a Airbus terá beneficiado, “em faturação, de forma significativa” com esta operação. E, por isso, afirmou Pires de Lima aos deputados durante a comissão parlamentar de inquérito à TAP, “não é muito surpreendente que Neeleman tenha procurado financiar, num fornecedor muito beneficiado com a mudança do plano estratégico, uma parte das obrigações de capitalização que tinha assumido”.
“Não me incomoda se a Airbus ganhou dinheiro, se foi um negócio bom para Neeleman. Com a criação de riqueza dos outros eu não durmo mal. O importante é que a TAP tivesse solução e deixasse de ser uma empresa em falência técnica”. E a TAP, acredita, não foi prejudicada, foi capitalizada em 226 milhões de euros e com isso concretizou um projeto de crescimento que durou até 2019”, frisou Pires de Lima.
Sérgio Monteiro diz que a proposta de Neeleman permitiu evitar que a TAP entrasse em incumprimento com a Airbus e perdesse o que já tinha pago. Sublinhou ainda que a privatização e consequente capitalização permitiu ultrapassar uma situação “desafiante” de tesouraria, face à “crescente desconfiança dos credores sobre a sua capacidade de resolver compromissos sem uma injeção de capital”.
Questionada sobre se a troca de frotas teria resultado em vantagens para a Airbus, a ex-secretária de Estado do Tesouro não afastou esse cenário, mas Isabel Castelo Branco não tem dúvidas, no entanto, que “os aviões como estavam não tinham valor para a TAP e não cumpriam o plano estratégico. Não faziam sentido. E os novos aviões faziam”.
O principal protagonista (David Neeleman) salientou que a Airbus avançou com os fundos, “principalmente, porque confiava que o nosso plano estratégico para a TAP iria permitir um turn around (recuperação) da empresa, o que aliás se veio a confirmar. A Airbus ajudou a evitar a falência do seu cliente TAP e contribuiu para a solução e para o nosso plano estratégico”.
Fundos Airbus. Solução de Neeleman para capitalizar TAP fez “toda a diferença” e beneficiou o Estado
E até o insuspeito (porque mais próximo do PS) Lacerda Machado defendeu que a troca de frota negociada por Neeleman fez toda a diferença porque permitiu à TAP “transformar-se operacionalmente e valorizar-se”.
O dinheiro que Neeleman meteu na TAP era da TAP?
O dinheiro que entrou na TAP em 2015 teve como origem a Airbus. Mas mais do que um empréstimo foi um adiantamento que o fabricante fez ao futuro acionista da TAP para garantir uma encomenda que lhe seria proveitosa. E essa garantia não se limitou à encomenda, mas estendeu-se ao cumprimento dos pagamentos correspondentes.
IGF conclui que Neeleman comprou TAP através de contrato com Airbus e questiona negócio no Brasil
Para a IGF, “pode inferir-se que as prestações suplementares de capital efetuadas pela Atlantic Gateway à TAP resultaram de fundos da Airbus que a própria TAP, através dos contratos celebrados posteriormente com aquela empresa, se comprometeu a pagar”. Ou seja, os fundos “não decorrem diretamente da acionista Atlantic Gateway, mas sim de um terceiro com interesses diretos nos negócios da empresa e através de fundos que posteriormente viria a recuperar mediante pagamentos a que a TAP se vinculou contratualmente (efetuados por via da aquisição das aeronaves ou decorrentes de penalizações por eventuais incumprimentos)”.
Para a IGF, a introdução dessa penalização corresponde a uma garantia para a Airbus que assim assegura que vai recuperar a totalidade do dinheiro avançado. “Deste modo, não subsistiria qualquer risco para a Airbus (…) já que a sua posição permaneceria assegurada, seja através do pagamento dos aviões, seja pelas penalidades associadas a um eventual incumprimento”.
Além da parte menor da capitalização da TAP, executada por Humberto Pedrosa, de prestações de 12 milhões de euros, o investimento direto de David Neeleman na TAP terá assim ficado limitado aos 10 milhões de euros pagos ao Estado pelas ações, divididos com o parceiro português.
O empresário americano recebeu, posteriormente, 55 milhões de euros para sair da TAP em 2020, parte do qual foi entregue à companhia aérea que fundou no Brasil e da qual é presidente, a Azul. A IGF não obteve informação que permita perceber como se chegou a este valor.
Mas a TAP foi financeiramente prejudicada?
A Inspeção-Geral de Finanças só indica prejuízos para a TAP quando avalia a forma como os pagamentos foram realizados pela companhia, que, devido à falta de liquidez, foi obrigada a recorrer a intermediários financeiros como empresas de leasing e outros. Esta necessidade acaba por resultar das exigências de pagamento impostas pelo contrato que David Neeleman negociou em nome da companhia aérea.
“A celebração dos contratos com a Airbus impôs à TAP a assunção do compromisso de aquisição de 53 aeronaves sem que tivesse meios financeiros para o fazer, sob pena de ser acionada a cláusula de penalização no montante de 226,7 milhões de dólares”. E, “para fazer face às dificuldades de tesouraria, a TAP, recorreu a processos de financiamento cujo controlo é dificultado pela diversidade de empresas e de condições contratuais, cumulativamente com a ausência de procedimentos formalmente instituídos cujos gastos revelam elevada materialidade”, realça a IGF.
Os gastos líquidos associados à execução destes contratos de compra de aviões foram estimados em 1.256 milhões de euros entre 2015 e 2024.
A IGF não se pronuncia sobre o preço pago pela TAP pelos aviões nem sobre a sua adequação aos preços de mercado. A auditoria não valida assim a indicação dada num parecer financeiro pedido pela TAP em 2022 de que a transportadora estaria a pagar mais pelos aviões da Airbus do que outras companhias. Não se percebendo se este tema foi sequer analisado.
Já David Neeleman, na reação e respostas por escrito que deu à comissão de inquérito, rebate a acusação de ter penalizado a TAP com uma pergunta: qual seria o seu interesse em prejudicar uma companhia da qual tinha acabado de comprar 61% do capital? A ideia de que o consórcio Alantic Gateway queria em 2015 “negociar contra os interesses da TAP, uma empresa onde iria ter uma participação entre 95% e 100%” (nos termos da privatização inicial), é uma “tese insólita”.
Qual é então a grande suspeita/dúvida desta “operação complexa”?
Para a Inspeção-Geral de Finanças, a “questão essencial prende-se com o motivo subjacente à entrega pela Airbus à Atlantic Gateway de um montante tão elevado para que esta empresa pudesse” cumprir o compromisso financeiro de capitalizar a TAP. Esse motivo foi obter uma contrapartida de que o contrato com a TAP seria alterado (para os 53 aviões) e de que transportadora teria que cumprir sob pena de suportar uma penalização, o que na prática corresponderia ao reembolso do dinheiro avançado à acionista privada.
A coincidência dos valores envolvidos e a proximidade das datas dos acordos para a compra da TAP “suscita a existência de uma relação de causalidade entre a aquisição das ações da TAP pela Atlantic Gateway, a respetiva capitalização e as obrigações assumidas pela TAP nos contratos celebrados com a Airbus”.
Esta operação “complexa afigura-se suscetível de contornar a proibição imposta pelo Código das Sociedades Comerciais (nº.1 do artigo 322.º), o qual impede que uma sociedade conceda empréstimos ou forneça fundos a um terceiro para que este adquira ações do seu próprio capital, cuja penalidade consiste na nulidade dos contratos”. E que, por isso, deve ser averiguada pelo Ministério Público (que já o estava a fazer).
A IGF dá também como provado que o Governo foi informado da operação, o que aliás tinha sido reconhecido pelos protagonistas políticos ouvidos no parlamento no ano passado.
A ex-secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, considerou tratar-se de uma operação de financiamento da Airbus ao comprador, como tantas que a Airbus fez e que consta, diz, como atividade de financiamento nos relatórios e contas. “A Airbus não é uma empresa qualquer, é uma das maiores empresas do mundo, 113 mil trabalhadores, tem balanço que não acaba”. Para a ex-governante “não podemos tratar como se fosse uma operação esquisita, feita por baixo da mesa. É uma operação transparente, a própria Airbus fez questão que fosse transparente. E que foi feita neste contexto de financiamento do mercado de aviões”.
O ex-ministro da Economia defendeu, por sua vez, que não havia razão objetiva para impedir que a privatização se concretizasse. “Posso gostar mais ou menos da solução, mas não me pareceu estranho que Neeleman procurasse financiar uma parte da capitalização da empresa com dinheiro da Airbus”. Esse dinheiro eram “fundos próprios” e cumpriam com o compromisso firmado em junho, defende.
Para Pires de Lima, o simples facto de o dinheiro vir da Airbus não significa nenhum crime, acrescentou. Mas admite que se, porventura, “vier a comprovar-se que a TAP financiou a Airbus e que a Airbus financiou Neeleman e que os aviões foram comprados acima do preço, repito o que disse Pedro Nuno Santos: ‘Se fomos todos enganados tem de se tirar consequências’. Ainda bem que o Ministério Público está a fazer as suas averiguações”, concluiu.