A forma como David Neeleman e Humberto Pedrosa capitalizaram a TAP, utilizando os que já são conhecidos como fundos Airbus, só foi do conhecimento do Governo de Passos Coelho em setembro de 2015, não constando escrito no acordo final. Mas Isabel Castelo Branco, que conduziu, como secretária de Estado do Tesouro, a privatização nessa altura, garante que nada há de escondido nos fundos Airbus. Aliás, diz mesmo ser uma operação transparente. E garante que foram previstos mecanismos de salvaguarda do interesse público nessa venda que não foram implementados.

Os fundos Airbus aconteceram pelas negociações de Neeleman com a fabricante de aviões para que a encomenda que a TAP tinha contratada de aviões maiores fosse alterada por outro tipo de aviõe (os Neo). Mas Isabel Castelo Branco não vê esta operação como uma troca, mas sim como uma operação de financiamento da Airbus ao comprador, como tantas que a Airbus fez e que consta, diz, como atividade de financiamento nos relatórios e contas. “A Airbus não é uma empresa qualquer, é uma das maiores empresas do mundo, 113 mil trabalhadores, tem balanço que não acaba”, salienta na comissão de Economia e Obras públicas no Parlamento (as audições sobre privatização de 2015 foram pedidos pelo PS à margem da comissão de inquérito). Garante mesmo que, no seu entender, “não podemos tratar como se fosse operação esquisita, feita por baixo da mesa. É uma operação transparente, a própria Airbus fez questão que fosse transparente. E que foi feita neste contexto de financiamento do mercado de aviões”.

A operação, explica ainda, “aparece porque no âmbito do plano estratégico [de Neeleman] havia novas rotas, que implicavam a modernização da frota, com 53 aviões mais pequenos, plano que não era compatível com os 12 aviões muito maiores que estavam encomendados. Nesse âmbito, a Airbus permitiu esse financiamento, que é um rappel, um adiantamento à cabeça. A troca dos aviões resulta simplesmente da alteração do plano estratégico”. Se esta troca resultou em vantagens para a Airbus “não sei responder”. Isabel Castelo Branco não tem dúvidas no entanto que “os aviões como estavam não tinham valor para a TAP e não cumpriam o plano estratégico. Não faziam sentido. E os novos aviões faziam”.

Na audição parlamentar, à margem da de inquérito, a ex-secretária de Estado do Tesouro, que esteve envolvida na venda de uma posição da TAP à Atlantic Gateway (de Neeleman e Pedrosa), refuta a ideia de que Neeleman não arriscou nada com a TAP. “Arriscava tudo. Tomou 60% da operação em junho [de 2015], formalizámos em novembro, e com a possibilidade de assumir os 100% em 2017. Previa que os fundos Airbus permanecessem 30 anos, ou seja só seriam libertados em 2045. Arriscava toda a operação da TAP durante 30 anos”. E foi mais longe. Além de arriscar os 10 milhões de euros que meteu para compra de ações, Neeleman arriscava a perda da relação com o principal fornecedor. Ou seja, concluiu: “Arriscava bastante do seu nome e em termos operação da TAP”.

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Isabel Castelo Branco explicou que só soube dos fundos Airbus em setembro, tal como António Pires de Lima já tinha dito.

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Na primeira proposta de junho não houve essa referência. E que tal não ficou expresso no acordo final, porque não tinha de estar. Os contratos, diz, têm de verificar a existência de financiamento, mas “nunca vi” um contrato em que tenha ficado “exatamente escrito de onde vem o financiamento”. A informação foi dada “pela primeira vez” no final setembro, quando foi prestado um conjunto de informações, no qual constava uma “carta da própria Airbus dirigida a Neeleman com explicações sobre financiamento. Em junho não existia”, tendo a “proposta sido aprovada e contratualizada sem referência ou conhecimento dessa informação”.

Venda da TAP em 2015. Preocupação não era a origem (dos fundos Airbus), mas sim que o dinheiro ficasse na empresa

A ex-secretário de estado, que se fez acompanhar por Filipa Alarcão (que foi sua chefe de gabinete e que hoje trabalha, segundo o currículo disponível no site do PSD com Sérgio Monteiro) e por Carlos Lopes (ex-chefe de gabinete de Sérgio Monteiro), explicou, ainda, porque foi assinado contrato final em novembro, dois dias depois do Governo de Passos Coelho ter visto o seu programa ser chumbado no Parlamento e que levou à queda do seu segundo executivo. É que, nas palavras da ex-secretária de Estado, tratou-se do “fecho efetivo da transação”, mas para dar cumprimento “ao contrato assinado em junho”, e tendo em conta a situação financeira da TAP que nas palavras de Isabel Castelo Branco era muito débil.

Escusando-se a comentar a questão sobre o valor dos aviões estarem (ou não) acima do preço do mercado, diz que acompanhou essa questão pela “imprensa. Não tenho informação. À data a informação que tínhamos era que os 53 novos aviões teriam uma diferença no custo total de 233 milhões de dólares face ao custo mercado”, o que tinha por base “um conjunto de valorizações de avaliação mercado credíveis”. E diz não ser especialista em aviões ou aeronáutica para poder comentar o valor, além de haver uma série de pressuposto que não são conhecidos. E recordou o que Sérgio Monteiro revelou que teve de falar com a Airbus, porque a TAP não tinha capacidade para continuar o pagamento dos A350. “O contrato era completamente leonino, e que o incumprimento resultaria na perda de todos os direitos futuros por parte da TAP, era de facto um tema que nos preocupava”.

Na operação de venda, o Estado contou, além da Parpública, com um conjunto de assessores: PwC, Deloitte, Citibank e Vieira de Almeida. No acordo ficou previsto, segundo referiu Isabel Castelo Branco, um conjunto de mecanismos de fiscalização, mas também se criou a obrigação dos fundos de capitalização (agora conhecidos como fundos Airbus) permanecerem na TAP por 30 anos “sem limitações ou exceções”. A ex-secretária de Estado do tesouro não soube dizer se estes fundos ainda permanecem na companhia. Além disso, foi Isabel Castelo Branco que autorizou a Parpública a um direito potestativo do capital da TAP se a transportadora entrasse em incumprimento com os bancos. Segundo explicou a ex-secretária de Estado os bancos não pretendiam abdicar da “segurança” Estado que iam perder com a passagem para um acionista privado. Para a responsável, não se trata de dar garantia a uma dívida, mas sim um compromisso pela Parpública perante os bancos de um direito de compra potestativo se houvesse incumprimento da TAP num conjunto de operações bancárias. Essa compra potestativa ficou prevista em junho.

Além disso, segundo Isabel Castelo Branco, estavam previstos mecanismos de fiscalização que “foram tornados mais estritos” em novembro. Uma dessas ferramentas era a constituição de uma comissão paritária (dois elementos escolhidos pelos privados, dois pelo Estado e um quinto por comum acordo) para fiscalizar relações entre a TAP e os seus acionistas e partes relacionadas e ainda o cumprimento dos compromissos estratégicos acordados com os privados.

“Tivesse havido interesse em montar mecanismos ou eventualmente melhorá-los haveria mais informação sobre transações entre acionistas, partes relacionadas e TAP. Foi uma oportunidade que se perdeu”, assumiu. Para Isabel Castelo Branco o tal direito de compra potestativo da Parpública era também um mecanismo de salvaguarda do interesse público.

Toda a documentação deste processo, garante, ficou na Parpública e a informação entregue ao Tribunal de Contas e ao Governo de António Costa que lhe sucedeu. A venda em 2015 “levou o tempo que precisava de levar”, e o cumprimento das operações acordadas foram, disse, apressadas pela “situação financeira da TAP debilitada”. Segundo revelou ao deputado liberal Carlos Guimarães Pinto, o equity value da TAP em 2015, na avaliação feita pelas duas entidades contratadas antes da privatização atribuíram à TAP SGPS uma valorização negativa de 124 milhões (PwC) e de entre -512 e -140 milhões no caso da Deloitte.

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