Cerca de metade da despesa do SNS é gasta na necessidade de contratar serviços ao privado e social.”
Luís Montenegro, primeiro-ministro

Em resposta ao líder do PS, Pedro Nuno Santos, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, referiu, no debate do Programa do Governo (que está a decorrer na Assembleia da República) que metade da despesa do Serviço Nacional de Saúde já é direcionada para os setores privado e social de saúde. “É de hipocrisia política que estamos a falar. Cerca de metade da despesa do SNS é gasta na necessidade de contratar serviços ao privado e social. O PS foi de longe o melhor amigo da saúde privada em Portugal”. Será verdade que metade despesa em saúde diz respeito a serviços contratualizados aos privados e ao setor social?

Segundo o último orçamento aprovado, ainda pelo governo de António Costa — e que se encontra em vigor —, está previsto gastar em 2024 na área da saúde cerca de 15.658 milhões de euros. Destes, uma grande fatia (8.029 milhões, isto é, 51% do orçamento total da Saúde) destina-se à aquisição de bens e serviços. Aqui, incluem-se rubricas como a compra de medicamentos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e despesa com parcerias público-privadas.

O orçamento prevê um gasto de 3.900 milhões em produtos farmacêuticos e outros produtos vendidos por farmácias, 1.286 milhões em meios complementares de diagnóstico e terapêutica, cerca de 770 milhões em material de consumo clínico. Já as PPP representam um gasto de 211 milhões de euros.

A rubrica onde se incluem os medicamentos, PPP e os meios complementares de diagnóstico (área onde o SNS recorre de forma significativa ao setor privado, muitas vezes por falta de capacidade de realizar exames e análises nos hospitais públicos) representa 51% da despesa total do orçamento da Saúde. Mas a verdade é que cerca de metade desse valor (quase 4 mil milhões de euros) são gastos em produtos farmacêuticos, que o SNS não tem capacidade de produzir. O Laboratório Nacional do Medicamento fabrica apenas 16 medicamentos. As compras de fármacos não são feitas ao setor privado de saúde, mas sim à indústria farmacêutica, pelo que não se pode considerar que metade do orçamento da saúde seja gasto nos setores privado e social de saúde.

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ENGANADOR

[Montenegro] lidera um partido que chumbou nove orçamentos e que se dirigia ao anterior presidente demonstrando incompreensão por não dizer que vota logo contra o OE mesmo sem o conhecer”

Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS

As acusações de arrogância foram mútuas entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos no debate do Programa de Governo. O líder do PS lamentou a “arrogância” com que o novo primeiro-ministro “se dirigiu ao PS na sua intervenção”, defendendo que a atitude vem de “alguém que lidera um partido que não só chumbou nove orçamentos, como chumbou o orçamento de 2021, e que se dirigia ao anterior presidente [do PSD] demonstrando incompreensão por não dizer que votaria logo contra o OE, mesmo sem o conhecer”.

Os registos políticos do passado dão razão a Pedro Nuno Santos. Em 2018, Luís Montenegro defendia que o PSD deveria clarificar no imediato o voto contra o próximo Orçamento do Estado (OE) para não ficar a ideia de “hesitação”. As declarações chocavam diretamente com a posição assumida pelo então líder do partido, Rui Rio, que entendia apenas dizer se era contra ou a favor da proposta quando a conhecesse.

É também verdade que, desde 2015, quando António Costa assumiu a governação através da Gerigonça, o PSD votou sempre contra os diversos Orçamentos do Estado, as tais nove vezes. A exceção aconteceu em 2020, em plena pandemia de Covid-19, com o PSD a abster-se na votação final global do Orçamento Suplementar, tal como tinha feito na generalidade, o que se traduz numa viabilização do documento.

CERTO

Hoje, cerca de 3,5 milhões de portugueses têm seguros de saúde, na sequência da governação do PS, aos quais acrescento mais de 1 milhão que têm ADSE.”
Luís Montenegro, primeiro-ministro

Em resposta ao líder do PS, que criticou a opção do governo de reforçar a cooperação com o setor privado de saúde, o primeiro-ministro Luís Montenegro lembrou que 3,5 milhões de pessoas já têm seguros privados de saúde, aos quais se soma mais um milhão de pessoas com ADSE. Estarão estes números corretos?

Em Dezembro, a Associação Portuguesa de Seguradores revelava os números relativos ao primeiro semestre de 2023. Nesse período, 3,6 milhões de pessoas tinham contratado seguros de saúde, um crescimento de cerca de 200 mil pessoas (ou seja, de 8,5%) em relação ao ano de 2022. Aliás, o número de portugueses cobertos por estes seguros tem vindo a aumentar de forma continuada ao longo dos últimos anos, à medida que crescem as listas de espera para consultas e cirurgias no SNS e que se agravam os problemas nas urgências hospitalares e na área dos cuidados de saúde primários (onde é conhecida a carência crónica de médicos de família).

Relativamente à ADSE, os últimos dados conhecidos quanto ao número total de beneficiários, e que se reportam ainda ao ano de 2022, dão conta de 1 milhão e 275 mil pessoas cobertas por este sistema de saúde, entre titulares diretos e familiares.

Os números confirmam os dados avançados por Luís Montenegro, cujos valores até pecam por defeito. Na verdade, entre seguros de saúde privados e ADSE, quase quatro milhões de portugueses têm uma proteção extra nesta área, para além da que é (ou deveria ser) assegurada pelo SNS.

CERTO

Cerca de dois quintos da população portuguesa esteve e está a definhar na pobreza e tornou-se dependente das prestações sociais. Isto é empobrecer.”

Luís Montenegro, primeiro-ministro

Luís Montenegro criticava os níveis de pobreza em Portugal quando disse que cerca de dois quintos da população em Portugal “está a definhar” na pobreza e dependente das prestações sociais.

No mais recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2023 pelo INE quanto aos rendimentos de 2022, e conhecido no final do ano passado, o instituto calculava que a taxa de risco de pobreza (que em 2022 correspondia à proporção de habitantes com rendimentos líquidos por adulto equivalente inferiores a 591 euros por mês) fixou-se em 17%, mais 0,6 pontos do que no ano anterior. Este valor dos 17% está, portanto, longe dos dois quintos referidos por Montenegro, pelo que a primeira parte da afirmação do primeiro-ministro não estará correta.

Quanto à segunda parte da afirmação, da dependência de prestações sociais, o inquérito tem um capítulo sobre o contributo das transferências sociais para a redução da pobreza e diz que se olharmos apenas para o rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 41,8% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza — isto se não considerássemos as transferências sociais.

Com as pensões de reforma e de sobrevivência, a taxa de risco de pobreza diminui 20,6 p.p., “resultando assim numa taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais de 21,2%”. Já as transferências sociais relacionadas com doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social contribuíram para reduzir o risco de pobreza em 4,2 pontos percentuais, dos tais 21,2% para 17%, “sendo este contributo inferior ao registado nos anos anteriores”.

Importa referir que as pensões são vistas, neste âmbito, como “transferências sociais”, uma expressão que, no sentido estrito, se adequa às pensões mínimas (atribuídas quando da aplicação da fórmula de cálculo da pensão resultar um montante inferior ao mínimo estabelecido por lei, o que pode acontecer nos casos em que o trabalhador não descontou ao longo da vida para a Segurança Social ou teve uma carreira muito intermitente). Mas há um conjunto de outras pensões que, sendo pagas pela Segurança Social, resultam dos descontos que os trabalhadores foram fazendo ao longo da vida, pelo que não configuram necessariamente uma transferência social no sentido estrito (houve uma contribuição ativa para poderem receber).

De qualquer das formas, as pensões representam uma prestação social, que foi a expressão usada por Luís Montenegro, pelo que é correta a segunda parte da afirmação. Se não fossem as prestações sociais, dois quintos (neste caso, 41,8%) da população estaria em risco de pobreza em 2022. Mas há casos em que essas prestações resultam de um direito para o qual o beneficiário foi contribuindo durante a carreira, pelo que não se trata de uma transferência social no mesmo sentido em que o é, por exemplo, o abono de família (atribuído a famílias em maior carência).

ESTICADO

Apareceu o ministro da Agricultura que é engenheiro informático e que está em Bruxelas desde 1999, há 25 anos, senhores deputados”

Pedro Frazão, deputado do Chega

Pedro Frazão dá a cara pela Agricultura desde a última legislatura e é a ela que dedica grande parte das intervenções no Parlamento. O discurso no púlpito desta quinta-feira, no debate ao Programa do Governo, não foi exceção. O deputado do Chega criticou abertamente a escolha de José Manuel Fernandes para a pasta da Agricultura, bem como o destaque, que considera menor, dado à área na configuração do novo Governo.

“Apareceu o ministro da Agricultura, que é engenheiro informático e que está em Bruxelas desde 1999, há 25 anos, senhores deputados”, apontou Frazão, em jeito de crítica, mencionando ainda o facto de o social-democrata ter votado “a favor desta PAC e a favor da Agenda 2030 anti-agricultura” e colocando-o no grupo de decisores políticos cujas decisões levaram a uma série de manifestações de agricultores por toda a Europa.

Mas o deputado do Chega erra quando afirma que José Manuel Fernandes é eurodeputado desde 1999. O social-democrata assumiu aquelas funções 1o anos mais tarde do que a data referida por Frazão, em 2009. Na verdade, de 1998 a 2009 o agora ministro era presidente da Câmara Municipal de Vila Verde. Foi eleito deputado europeu nas eleições de 7 de junho de 2009.

ERRADO

No âmbito dos fundos europeus, onde temos taxas de execução baixíssimas: de 0,5% no Portugal 2030, apesar de mais de um ano de funcionamento, e de 20% no PRR em cerca de metade do tempo”
Luís Montenegro, primeiro-ministro

De acordo com o boletim mensal mais recente sobre a execução do Portugal 2030, em fevereiro, tinham sido executados 413 milhões de euros, o que significa uma taxa de execução de 1,79% (tendo em conta a dotação total prevista de 22.995 milhões de euros). Assim, e embora não seja uma taxa de execução significativa (é, até, inferior ao período homólogo do PT2020), não coincide exatamente com a referida por Luís Montenegro, mas não é muito distante do valor apontado pelo primeiro-ministro. O PT 2030 arrancou em 2022.

Já no caso do PRR, segundo o site da Estrutura de Missão Recuperar Portugal, a execução dos marcos e das metas vai nos 22% (102 cumpridos em 463), enquanto a implementação financeira (pagamentos a beneficiários) está nos 19% (4.129 milhões pagos a beneficiários diretos e finais de um total de 22.216 milhões), o que ronda o valor indicado por Luís Montenegro.

PRATICAMENTE CERTO