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Augusto Santos Silva esteve na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, mas o à data ministro dos Negócios Estrangeiros pouco tinha de novo para dizer. Na audição de 1h30 ficou apenas claro que na sua opinião “não houve nenhuma interferência política” na obtenção da nacionalidade para as duas crianças, num processo que considerou “normalíssimo”. O antigo governante garantiu também que nunca tentou obter informações sobre o caso junto dos seus antigos funcionários do ministério.
Foi quando o caso se tornou público, através da Comunicação Social, que, disse Augusto Santos Silva, ficou a par do caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no hospital de Santa Maria. As crianças vieram para Portugal em dezembro de 2019 (tendo obtido a nacionalidade três meses antes) e ficaram no país até fevereiro de 2023. De acordo com a presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, desde que os pedidos de nacionalidade chegaram à conservatória dos registos centrais, por via informática, demoraram 13 e 14 dias até estarem concluídos.
Esta terça-feira, questionado pelos deputados, o então responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros disse que o processo para a obtenção de nacionalidade foi “normalíssimo”, uma vez que, por serem “filhas de mãe portuguesa”, podiam “exercer o seu direito originário”. Daí, assegurou, o tempo e prazo em que crianças receberam a nacionalidade foi “absolutamente normal”.
Questionado se Nuno Rebelo de Sousa, que terá ajudado as gémeas a aceder ao tratamento em Portugal, “intercedeu perante si para pedir a facilitação ou agilização do processo” de nacionalidade, o antigo governante negou: “Da parte do Dr. Nuno Rebelo de Sousa não. E do senhor Presidente da República também nunca.” No entanto, disse ter sido contactado pelo filho do chefe de Estado para outros assuntos, que apenas e só tinham que ver com a Câmara Portuguesa de Comércio em São Paulo, que Nuno Rebelo de Sousa liderou entre 2019 e 2024.
Nuno Rebelo de Sousa demitiu-se da liderança na Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo
Os deputados ainda tentaram perceber se, em algum momento, Santos Silva “teve conhecimento de que Nuno Rebelo de Sousa atuava como lobista, facilitando negócios e fazendo-se valer da ligação a Portugal e ao senhor Presidente da República?”. A pergunta foi feita pela bloquista Joana Mortágua, que ouviu uma resposta negativa: “Não, não conheço nenhuma ação de lobi para angariar negócios ou investimentos recorrendo a ligações familiares”. E negou ainda ter conhecimento que o filho do Presidente da República podia agir como “facilitador de negócios” no sentido de ser um “agente de cunhas”, conforme o apelidou a deputada do Bloco de Esquerda.
“Não fiz nenhum contacto com ninguém a propósito deste assunto”
O antigo líder do MNE alegou que “não estranhou” nada neste processo e que, mesmo quando ficou a saber do caso, não tentou ligar a nenhum dos seus antigos funcionários para apurar factos e responsabilidades. “A partir do momento em que se constituiu uma CPI e que foi aprovada a minha audição, não fiz nenhum contacto com ninguém a propósito deste assunto”, nem mesmo com a sua antiga secretária de Estado, garantiu.
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E antes disso? A questão foi feita pelo deputado e líder do Chega, André Ventura, referindo-se ao período de tempo entre a divulgação do caso e a constituição da comissão parlamentar. “Não [fiz questões a ninguém]. Confio nos colaboradores que tive e, sobretudo, nas instituições”, disse, acrescentando que só seria sua responsabilidade política apurar os factos “se acaso houvesse indício de irregularidade praticada”, algo que não foi detetado nos documentos que o MNE fez chegar à CPI.
Confrontado com o facto de o primeiro-ministro à época, António Costa, ter tentado perceber o que tinha acontecido, Santos Silva lembrou que “o primeiro-ministro é responsável por todos os ministérios” e que assume funções diferentes das suas.
“Não houve nenhuma interferência política”
Na sua curta audição, o antigo governante assumiu não ter “registo nem memória de intervenção neste processo”, daí ter, inclusivamente, pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que lhe facultasse os documentos associados ao processo de obtenção de nacionalidade. Santos Silva disse ainda que tinha (e tem) “curiosidade em saber que tipo de dúvidas, questões ou esclarecimentos que motivam esta determinação” para que fosse depor à CPI.
E admitiu que optou por prestar declarações presencialmente (sem usufruir do seu direito de responder por escrito) por considerar que era a “melhor maneira de esclarecer qualquer questão”. Mas alguns deputados não acreditaram na sua explicação — e fizeram questão de o frisar —, como foi o caso do social-democrata António Rodrigues, que perguntou ao antigo governante se quis marcar presença “por outra razão?”.
“Intriga-me esse raciocínio e essa lógica. Estou aqui obrigado. Em todas as cartas que recebi fui lembrado que o meu depoimento era obrigatório”, respondeu. E acrescentou: “O facto é que não houve nenhuma interferência política da parte do MNE no tempo em que fui ministro sobre um processo meramente administrativo, como é a obtenção de nacionalidade.”
O ataque ao também antigo presidente da Assembleia da República socialista levou o PS a sair em sua defesa, afirmando que a audição de Santos Silva só seria “justificável” se, “da documentação que está em posse da CPI, o seu nome tivesse o mínimo de envolvimento”. “Não há rigorosamente nada que leve a suspeitar da interferência do MNE. É uma audição com motivação política”, acusou o deputado João Paulo Correia.
IL diz que “continua a haver uma ponta solta”
Mas os liberais, responsáveis por chamar ao Parlamento o então ministro dos Negócios Estrangeiros, depressa clarificaram que o caso era outro: “Continua a haver uma ponta solta sobre a questão do agendamento” da reunião no consulado de Portugal em S. Paulo para pedir a nacionalidade portuguesa.
Reconhecendo a existência de uma prática ilegal que apelidou de “mercado negro de agendamentos”— em que os chamados despachantes ocupam vagas de atendimento gratuito para depois as vender a quem efetivamente necessita —, Augusto Santos Silva disse que, de acordo com a documentação a que a CPI teve acesso, não há qualquer informação sobre um possível recurso a este mercado por parte da mãe das gémeas luso-brasileiras.
Este “mercado negro de agendamento” acontece em vários consulados, não apenas no de S. Paulo, mas ainda assim o antigo governante reconheceu que neste consulado há “problemas de funcionamento” que resultaram em várias queixas.
“Procurei responder a essas queixas”, disse o antigo ministro, acrescentando que estas motivaram depois “a intervenção da inspeção geral das entidades consulares”, que iniciou uma investigação, tendo sido elaboradas várias recomendações.
O líder do Chega questionou Santos Silva sobre que recomendações foram apresentadas e em que data foi feita esta intervenção e investigação, mas o antigo governante não conseguiu entrar em detalhes, levando André Ventura a pedir à comissão que fossem apresentadas as conclusões então elaboradas.