Quando fala sobre as eleições presidenciais no Brasil, marcadas para 2022, Gleisi Hoffmann, deputada federal e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), não vislumbra outra hipótese se não Lula da Silva ser o candidato do partido. No entanto, como a própria diz em entrevista ao Observador, o ex-Presidente ainda não decidiu se vai ou não concorrer novamente ao Palácio do Planalto, sendo que essa decisão deverá ser tomada “em meados do segundo semestre” deste ano. “O partido tem uma unidade grande e total em torno do nome do Lula. Achamos que é o melhor candidato”, garante.
Para Gleisi Hoffmann, o ambiente político está a mudar no Brasil, conforme comprova o aumento da rejeição ao Presidente Jair Bolsonaro, que atingiu máximos desde o início do mandato. Nesse sentido, e com o avançar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 e com o aumento da contestação na ruas, acredita que o impeachment contra o atual Presidente possa avançar, embora não adiante um prazo para que tal aconteça. Sobre se o PT está mesmo comprometido com o impeachment, numa altura em que Lula da Silva continua a ganhar pontos graças à queda a pique de Bolsonaro, é assertiva: “Não há saída para o Brasil sem a saída de Bolsonaro daquela cadeira. O PT não aposta no quanto pior melhor.”
A presidente do PT, absolvida em 2018 de acusações de corrupção, não poupa críticas a Sérgio Moro e à Operação Lava Jato, afirmando que o seu partido foi vítima de “perseguição”, embora políticos de outros partidos, como Eduardo Cunha (um dos responsáveis pela destituição de Dilma Rousseff), também tenham sido julgados e condenados nesse processo. Apesar dos ex-ministros do PT condenados por corrupção, Gleisi Hoffmann considera que o partido não precisa de “fazer nenhuma catarse”. “Ninguém do PT teve enriquecimento ilícito, ninguém do PT roubou para enriquecer, ninguém do PT colocou conta no exterior. Isso eu desafio qualquer um a mostrar”, atira.
Quanto à estratégia para os próximos tempos, Gleisi Hoffmann garante que o PT vai continuar a procurar o diálogo com outros partidos, não só de esquerda mas também de centro. Se isso se irá traduzir em alianças eleitorais futuras, diz que ainda é cedo para saber. A prioridade, garante, é “derrotar o bolsonarismo e as atitudes autoritárias de Bolsonaro”.
Foi um dos rostos do super impeachment contra o Presidente Jair Bolsonaro apresentado na semana passada na Câmara dos Deputados. O que é que este pedido de impeachment traz de novo em relação aos 120 pedidos que foram entregues antes?
Exatamente a união das forças que apresentaram os pedidos separadamente. Nós fizemos uma assembleia com os proponentes desses mais de 120 pedidos de impeachment, tanto entidades como partidos políticos, autoridades, lideranças e pessoas físicas, e decidimos que faríamos um esforço jurídico e político para fazer uma peça só, mostrando que todos ali concordavam com tudo o que foi exposto nessas peças de impeachment. Organizações de juristas aqui do Brasil — Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e Grupo Prerrogativas — fizeram um esforço jurídico no sentido de compilar todos os crimes que foram apontados contra Bolsonaro nos impeachments protocolares. Crimes comuns que têm correspondência na responsabilidade do Presidente da República. E nós, dos partidos políticos, fizemos um esforço para unificar a ação política de todas as entidades e de todos aqueles que tinham apresentado impeachment, inclusive de parlamentares que não são da oposição clássica de Bolsonaro, que é a oposição do campo da esquerda e do centro-esquerda. Nessa unidade, fizemos um movimento político e jurídico que eu considero muito importante.
Os pedidos anteriores estão todos na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Mas mesmo que Lira permitisse a votação, o chumbo era praticamente certo. Não há apoio suficiente no Congresso nesta fase para o impeachment avançar. Por isso, porquê apresentá-lo?
O impeachment é um processo, certo? E conseguir abri-lo é um processo político de pressão sobre o Congresso. Então esse foi um facto político relevante, que despertou na sociedade muito interesse e mostrou uma união de forças diversas em torno do tema. Somado a isso, nós temos aumentado o tom das mobilizações de rua no Brasil. Em 35 dias, foram três grandes manifestações que tomaram as ruas de centenas de cidades em todo o Brasil, reunindo milhares e milhares de pessoas com o slogan “Fora Bolsonaro”, na luta por vacinas e na luta por rendas. E no próximo dia 24 nós teremos mais uma manifestação de rua em todo o Brasil. Já está agendada, os movimentos, as entidades, os partidos, mas também personalidades do mundo da cultura, já iniciaram a convocação. Então eu acredito que essa articulação política em torno do super pedido de impeachment e as manifestações de rua vão pressionar a Câmara a abrir o pedido de impeachment, vão pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira. E ontem [quinta-feira] saiu uma pesquisa de um dos principais institutos aqui do Brasil, o Datafolha, mostrando que a rejeição de Bolsonaro chegou a 51%.
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Exatamente. E a maioria dos brasileiros consideram Bolsonaro despreparado, autoritário, desonesto, incompetente para governar o Brasil. Isso tudo somado começa a aumentar o clima contra ele e contra o seu governo, e é óbvio que isso tem repercussão dentro do Congresso nacional fazendo com que o impeachment passe a ser uma possibilidade. Eu não diria que vai haver um processo de impeachment para amanhã ou na semana que vem, mas é um processo que começa a crescer.
Como diz, é um processo que começa a crescer mas que não é para o imediato. Isso leva-me a perguntar, e tendo em conta que a rejeição a Bolsonaro é cada vez maior, se o Partido dos Trabalhadores (PT) quer, realmente, que o impeachment avance. Ou seja, com Bolsonaro em queda, o desgaste também aumenta, e isso beneficia o PT. Será que o PT quer mesmo que este impeachment vá adiante?
Errado, isso não beneficia o PT. A continuidade de Bolsonaro no governo é uma tragédia para a sociedade brasileira. Não há saída para o Brasil sem a saída de Bolsonaro daquela cadeira. O PT não aposta no quanto pior melhor, e também não escolhemos adversários no processo eleitoral. Nós estamos na luta do impeachment, na mobilização para tirar Bolsonaro. Queremos que ele saia antes das eleições para a gente tentar ver se o Brasil pode pegar um outro rumo. Nós não temos medo do embate eleitoral. Então, para nós não tem essa história nem essa conversa de que o impeachment prejudicaria o PT. Nós estamos na luta pelo impeachment, somos um dos partidos que está à frente dessa luta, e vamos continuar nela, porque achamos que ela é muito importante para o Brasil e para salvar o povo brasileiro.
Com Bolsonaro fora da presidência e fora das eleições do próximo ano, o PT não teme que uma terceira via possa impedir a vitória do candidato do partido, que ao que tudo indica será Lula da Silva?
O PT está preparado para disputar a eleição de 2022 com quer que seja. Nós temos proposta para esse Brasil, temos experiência de governança e temos um melhor candidato a Presidente, que, aliás, é o candidato do povo, a maior liderança política e popular, que é Lula. E o Lula tem despertado a esperança do povo brasileiro. Então vamos fazer um enfrentamento eleitoral, mostrando as nossas propostas, a nossa experiência e, principalmente, alguém que é qualificado para governar o Brasil.
Pelas suas palavras, posso assumir que Lula da Silva é candidato às eleições presidenciais de 2022?
Pelo PT, sim. Basta ele agora definir que será. Mas o partido tem uma unidade grande e total em torno do nome do Lula. Achamos que é o melhor candidato, não só para o PT. É o candidato do povo. Mas, obviamente, que ele ainda está a avaliar. E nós estamos a fazer todos os esforços para que a avaliação dele seja positiva nesse sentido.
Certamente fala muito regularmente com o ex-Presidente Lula sobre o assunto. O que é que ele lhe tem dito a esse respeito, quando é que tenciona tomar uma decisão sobre se é ou não candidato?
Ele acha que o momento ainda não é adequado, porque estamos a viver uma crise muito grande, e que o papel dele é buscar uma unidade política para enfrentar essa crise e poder fazer acordos para minimamente ter uma unidade em torno do tema da vacina e da renda, isso com todas forças políticas, independentemente do acordo eleitoral. Então, ele avalia que é uma posição que deve tomar mais à frente. Eu acredito que no segundo semestre, mais para meados do segundo semestre, ele deve tomar essa decisão.
Não acha que é importante essa clarificação para os brasileiros? Nas sondagens, Lula da Silva surge cada vez mais destacado nas intenções de voto. Era importante que os brasileiros soubessem se Lula é ou não candidato. Até porque o discurso de Lula da Silva já é um discurso de campanha eleitoral.
Não é um discurso de campanha eleitoral, é um discurso que ele sempre fez a favor do Brasil e do povo, demarcando a oposição. Ele é a grande voz da oposição aqui. É interessante que a população brasileira o quer como candidato, apesar de ele não se ter definido. Eu acho que isso mostra a força de Lula, o respeito que tem com o povo, principalmente, e o respeito que o povo mais pobre tem para com ele. É a esperança de que o Brasil saia da crise.
No meio disso, o que acontece a outras figuras do PT, que se calhar também ambicionavam concorrer à presidência. Penso, por exemplo, em Fernando Haddad.
Fernando Haddad deverá ser o nosso candidato ao governo de São Paulo, que é o maior estado do Brasil. Está a preparar-se para isso. O PT está a fazer uma discussão, mas ele deve ser o nosso candidato.
O nome de Lula da Silva é consensual dentro do partido?
Totalmente consensual.
Houve tempo para o PT fazer uma catarse sobre o que correu mal nos anos das presidências de Lula da Silva e também de Dilma Rousseff?
Não pretendemos fazer nenhuma catarse. Estamos avaliando tudo o que aconteceu. A experiência que o PT adquiriu no governo vai fazer com que, assumindo o governo de novo, com o Presidente Lula à frente, que é o nosso desejo, vai ter a experiência de saber conduzir o governo olhando para erros e acertos, e temos a obrigação de fazer um governo bem melhor do que já fizemos nos outros mandatos.
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Enquanto presidente do partido, quando olha para esses anos, quais são os principais erros? O que correu mal?
Acho que tivemos grandes acertos e como como qualquer organização humana também tivemos erros. Eu tenho a avaliação de que o PT sofreu toda a sua perseguição muito mais pelos acertos que fez do que pelos erros que cometeu. E isso fica muito evidenciado no julgamento e nos processos do presidente Lula no Supremo Tribunal Federal, em que nós, por mais de cinco anos, tivemos uma perseguição atroz aqui no Brasil, uma tentativa de desconstrução, uma hegemonia nos setores da media, da política e da parte do judiciário contra o PT e contra Lula, e depois de cinco anos de muita luta e de muita persistência demonstrámos, jurídica e politicamente, o que significou a Operação Lava Jato e a tentativa de desconstrução. Hoje o Presidente Lula é um homem livre, um homem inocente, não tem nenhuma sentença em trânsito em julgado, e todos os seus processos têm sido ou arquivados ou ele tem sido inocentado nos julgamentos fora dessa vara da Lava Jato. Então mostra que o partido foi vítima de um grande lawfare, de uma grande perseguição jurídica, e nesse processo também fazemos balanço político de reposicionamento de visão e de projeto de país. Acho que hoje temos um partido mais maduro, um partido que teve a experiência, sabe o que aconteceu, e muito mais preparado para assumir com Lula a Presidência da República e levar o Brasil de novo a um plano de desenvolvimento com inclusão e crescimento.
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Quando diz que Lula da Silva foi considerado inocente, isso remete-nos para a decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou que antigo juiz e antigo ministro Sérgio Moro foi parcial nas decisões sobre a Lava Jato. No entanto, o Supremo não disse que Lula era inocente. A investigação pode sempre voltar à estaca zero.
Pois é, mas qualquer pessoa é inocente até ter trânsito em julgado e sentença condenatória. O facto de voltar à estaca zero e o ministério público querer abrir um outro processo contra o Presidente [Lula] não quer dizer que ele seja culpado. Se não estaríamos negando todo o ordenamento jurídico que não é só brasileiro, é internacional. Deve funcionar assim para Portugal também. As pessoas só são considerados culpadas depois do julgamento, não pode ser antes.
Depois de Sérgio Moro ter sido considerado um juiz parcial, acha que é toda a Operação Lava Jato que perde a credibilidade e cai por terra?
Não tenho dúvida que perde credibilidade. Isso não quer dizer que as pessoas que realmente tiveram os crimes comprovados serão inocentadas ou terão processos anulados. A maior parte dos processos continua, a não ser que seja mostrado que teve também perseguição ou não foi observado o devido processo legal. Mas a forma como a Operação Lava Jato foi montada, como Sérgio Moro montou, para fazer a perseguição principalmente a Lula e ao PT, com certeza comprometeu a operação. Uma coisa que poderia ser positiva em termos de combate à corrupção, ação judiciária mais rápida, fica comprometida. E Sérgio Moro sequer defendeu a operação. Está morando hoje nos Estados Unidos, não fala sobre isso. Não enfrentou a situação. Ou seja, ele sabe que tem culpa nisso tudo, que foi responsável por esse resultado, o que é muito ruim para o judiciário brasileiro também.
Mas a Operação Lava Jato não visou apenas o PT. Temos, por exemplo, o caso de Eduardo Cunha, um dos principais responsáveis pelo impeachment de Dilma Rousseff, ele próprio condenado por Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato. Não falamos apenas de perseguição a um único partido.
É verdade, ele foi condenado bem depois, porque não tinha, sequer, como justificar que não fosse quando apareceram os crimes praticados por ele. A prisão dele não teve nenhum show mediático, não teve imagens, foi muito tranquila, digamos assim, comparada com tudo o que se fez contra o PT e contra Lula. Ele foi para a prisão, agora já teve a prisão relaxada. Todos aqueles que não eram do PT não tiveram o mesmo tratamento mediático e de perseguição pela Lava Jato que tiveram o PT e teve Lula. E as pessoas foram condenadas muito depois. Se vir, do PSDB não tem ninguém preso. Ninguém foi preso, ninguém foi levado de forma arbitrária como Lula foi levado. Enfim, teve dois pesos e medidas, o que é muito ruim.
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Ao longo dos últimos anos, e refiro-me aos governos de Lula da Silva e de Dilma Rouseff, houve muitos casos de corrupção ligados ao PT. O mensalão, o petrolão, entre outros. Sente que é preciso olhar para esses casos e fazer um mea culpa e reconhecer que foram cometidos erros e crimes que não poderiam ter acontecido?
Muitas dessas pessoas já tiveram processos arquivados, já tiveram prisões revogadas. São pessoas que foram acusadas, muitas vezes, sem provas, e onde ainda tem algum resquício ou entendimento, os processos ainda estão seguindo. Nenhuma dessas pessoas enriqueceu ilicitamente. José Dirceu, Delúbio [Soares], [João] Vaccari, pessoas que foram envolvidas nisso, são pessoas com uma vida simples, com dificuldade, inclusive, para pagar advogados, que moram em lugares simples. O que tivemos naquele processo e também nessa situação da Lava Jato foram questões ligadas a financiamento eleitoral de campanha, o que todos os partidos fizeram. Não tem nenhum membro do PT que tenha conta no exterior, conta na Suíça, como tem gente do PSDB, do PP e de outros partidos, que não receberam um tratamento tão rude e tão cruel como membros do PT receberam nesses processos de investigação. É disso que temos de fazer uma avaliação, o PT não se ter diferenciado. Era um processo em termos de financiamento de campanha. Todos os outros o fizeram. Ninguém do PT teve enriquecimento ilícito, ninguém do PT roubou para enriquecer, ninguém do PT colocou conta no exterior. Isso eu desafio qualquer um a mostrar, tanto que a justiça não mostrou e não mostrou.
Como referiu, há o caso de José Dirceu, mas também outros, como Antonio Palocci, Fernando Pimentel, todos eles ex-ministros, que foram, de facto, condenados por corrupção.
Foram condenados, recorreram, estão revendo pena, já estão soltos e eu digo-lhe, todas essas ações envolvidas — com Palocci menos, que desde aquela delação mentirosa tentando atingir Lula na campanha não sei dizer porque não é uma pessoa de confiança —, tanto Pimentel como José Dirceu, todas as ações em que foram julgados referiam-se a questões de recursos de campanha.
Recentemente, Gilberto Carvalho, que foi ex-chefe de gabinete de Lula e também ministro-chefe da secretaria geral da presidência de Dilma Rousseff, disse, numa entrevista à revista Veja, que houve corrupção durante os governos do PT.
Isso expressa uma opinião pessoal do Gilberto Carvalho, não é a opinião geral do partido. Era importante que quando ele falasse isso colocasse quem foi. Não estamos a dizer que não teve nenhum problema. Agora, quando a pessoa aponta e diz que teve corrupção, é importante relacionar os nomes, dizer quais são os fatos, o que é que aconteceu. Porque no genérico isso é muito ruim. Dizer que é corrupção sistémica é a tese do [Deltan] Dallagnol que foi derrubada com a anulação da Lava Jato, o que era um absurdo. Como se o Brasil fosse um país com 500 anos de história e não tivesse nenhum problema de desvios e de corrupção e que isso nasceu com o PT. É uma grande sacanagem, uma narrativa política que tentou se colocar. Lamento que o Gilberto esteja fortalecendo uma narrativa como essa. Acho que nem foi essa a intenção dele, acho que na realidade ele queria dizer que tinha de apurar a quem de direito, mas a opinião que o Gilberto expressou não é a opinião do PT. Casos de corrupção têm de ser apontados individualmente, têm de ser processados e a pessoa tem de responder por isso. Seja na Petrobras, no governo, onde for. Não queremos ter nenhuma conivência com casos de corrupção. Aquele que praticou e que tem problema, tem de responder. O que não pode é generalizar, achar que nos governos do PT a corrupção era generalizada. Isso não é verdade, não serve a democracia e isso faz parte de uma artimanha política que tentou tirar um partido da Presidência da República, e hoje tudo veio à tona, mostrando o que isso custou ao Brasil. Custou eleger Bolsonaro, um homem atrasado, autoritário, negacionista, que está a levar o Brasil para o buraco.
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Todos esses casos, ao longo dos anos, levaram a que houvesse uma diminuição da confiança do povo brasileiro no PT. Qual vai ser a estratégia do PT, a partir de agora, para recuperar essa confiança perdida?
É interessante, porque essa confiança foi retirada do PT numa campanha sistemática, mediática de comunicação, em que o PT tinha pouco espaço para se defender, mas todos os que o atacavam tinham muito espaço para fazê-lo. É algo absurdo. A principal rede de TV, a rede Globo, fez horas e horas de jornais nacionais falando de corrupção, atacando o PT e Lula, e nós tínhamos nem um décimo do tempo para colocar a nossa posição e nos defendermos. Isso é muito significativo, e é por isso que o partido sofreu essa desconfiança. Mas quando veio a crise, o que volta à cabeça das pessoas? Volta Lula, volta o PT, quem fez um governo que tirou o povo da crise. Então as pesquisas já mostram a recuperação do próprio partido e do próprio Lula em relação à população. Mostra a esperança e a confiança numa liderança e, obviamente, que vamos continuar a conversar com a sociedade brasileira e com o povo brasileiro, explicando o que aconteceu, explicando a perseguição, a forma como as coisas foram montadas, como se deu o lawfare, o papel que Moro cumpriu depois sendo ministro da Justiça de Bolsonaro, como foi feito o processo eleitoral que resultou nessa tragédia que está aí. O povo brasileiro já começa a compreender o que foi feito para tentar tirar um governo que era progressista e popular, que tinha uma visão de desenvolvimento nacional.
Tem viajado pelo país, juntamente com Lula da Silva, para falar com vários partidos e personalidades. O PT vai tentar juntar forças políticas, não só à esquerda mas também ao centro, para formar uma grande coligação contra Bolsonaro? É essa estratégia?
Essa é a estratégia no momento, de uma aliança política, não necessariamente eleitoral. Temos feito isso porque achamos que é importante para o Brasil. Bolsonaro, levando o país para a crise como está, ainda tem uma escalada autoritária, fica a ameaçar de não realizar eleição, de não aceitar resultado, de dar golpe, de fazer uma intervenção militar. Ele fala claramente nisso. E nós achamos importante que agora a gente faça uma ampla aliança, inclusive com forças que não pensam como nós sobre economia ou questões sociais, mas que estão dispostas a fazer um enfrentamento ao Bolsonaro e salvar a democracia brasileira e garantir o processo eleitoral dentro da democracia, pela regra da política. Estamos a trabalhar nesse sentido. Se isso vai resultar numa aliança eleitoral mais ampla lá na frente? Não sabemos dizer. Mas no processo eleitoral, além de derrotar o bolsonarismo e as atitudes autoritárias de Bolsonaro, nós também queremos apresentar para o Brasil um projeto de desenvolvimento, em que o povo tenha centralidade. E vamos estar abertos a todas as forças políticas que pensarem como nós e quiserem um desenvolvimento soberano para o Brasil. São dois momentos que temos na construção da política.
Ciro Gomes está competindo c/ Bolsonaro na mentira e na baixaria. Os métodos são iguais pq os dois tremem de medo de enfrentar Lula nas urnas. No caso do Ciro é ainda pior. Mente e ofende p/ ter palanque na mídia e ficar mais "confiável". Passou de coronel p/ jagunço da direita
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) July 2, 2021
Lembro-me do caso de Ciro Gomes, que foi ministro de Lula da Silva e que agora está de costas voltadas para o PT e para o ex-Presidente. Tem sido particularmente crítica de Ciro Gomes e comparou-o mesmo a Bolsonaro. Não acha poderá ser um pouco exagerada essa comparação?
Acho que foi uma interpretação errada da imprensa. Eu disse que o Ciro estava a usar os mesmos métodos de Bolsonaro para atacar Lula, não disse que ele é igual a Bolsonaro, se não seria igual ao autoritarismo, ao negacionismo. Não acho isso, acho que há diferença. Mas os métodos que ele está a usar para atacar Lula são os mesmos que Bolsonaro, falando de quadrilha, de ladrão, de roubalheira, que são os métodos que Bolsonaro usa, o que eu acho muito ruim, principalmente para alguém como o Ciro, que se diz um democrata e que se diz uma pessoa que quer construir um outro projeto para o Brasil. Ele teve divergências connosco, teve divergências com Lula, é normal, não queria apoiar e queria ser candidato, é legítimo da parte dele. O que acho que não é ele usar esses métodos para tentar atacar Lula, porque isso são os métodos bolsonaristas, os métodos da direita, que já se comprovaram errados, inclusive pelo julgamento das ações em relação à Lula.
Mas há também lições a tirar do que aconteceu em 2018, porque se tivesse havido uma união entre as candidaturas de Fernando Haddad e de Ciro Gomes, provavelmente Bolsonaro teria sido derrotado.
Pois é, Ciro tem de responder sobre isso, porque é que ele decidiu ir para Paris. Muito triste para o Brasil.
E o PT também não tem também de defender uma maior aproximação a um candidato que, ideologicamente, é mais ou menos próximo do PT?
O PT sempre esteve aberto para conversar com o Ciro, nunca o destratou, muito pelo contrário. Nós temos uma boa relação com o PDT, mas ele insistentemente ataca PT e não quer conversar. Então, se não quer, não tem como conversarmos.
No último fim de semana, vimos grandes manifestações no Brasil contra Bolsonaro, mas têm sido sobretudo partidos e movimentos de esquerda a sair à rua. Acha que isso vai mudar nos próximos tempos e que, progressivamente, também a direita comece a juntar-se com mais força à contestação a Bolsonaro?
Eu acho que sim. Era importante que o campo da esquerda e do centro esquerda começassem a chamar as manifestações de rua, e acho que elas foram muito significativas. Nós esperamos que daqui para a frente, com todos os acontecimentos que estão a ser revelados pela CPI da Covid, e pela forma como Bolsonaro tem enfrentado tudo isso, essas manifestações cresçam, tanto no número de pessoas, como também em atitude de posicionamento político. Eu acho que isso vai acontecer.
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A investigação na CPI, e em particular as suspeitas de corrupção no caso Covaxin, podem ser o fim político de Bolsonaro?
Eu acredito que podem ajudar, exatamente porque abre um flanco que ele tinha muito fechado e se dizia inatacado, que é a questão da corrupção. Começa a mostrar corrupção no seu governo, então cai um bastião importante da política dele.