Movimentava-se nos mesmos círculos que Mick Jagger, Jerry Hall ou André Leon, o antigo editor da Vogue, e a Vanity Fair deu-lhe a alcunha de “Princesa TNT da Baviera”. Naquela época, Gloria von Thurn und Taxis era uma socialite que impressionava pela estética punk e pela personalidade extrovertida. Com o passar dos anos, o rumo da sua vida mudou um pouco, e a “princesa punk” dos anos 80 (que há um cerca de um ano passou por Portugal para assistir ao casamento da infanta Maria Francisca) tem dado que falar nos últimos dias por ligações que se estendem ao outro lado do oceano — e que chegaram até às páginas do The Guardian.

O apelido Thurn und Taxis voltou a estar em destaque depois de a princesa alemã — que apesar de o país não ter monarquia reinante continua a usar o título — ter oferecido bilhetes a Samuel Alito, juiz do Supremo Tribunal dos EUA, e à mulher deste para que pudessem ir ao festival que decorreu no palácio de St. Emmeram, em Regensburg, na Alemanha. Os bilhetes para o evento anual, que tem lugar no palácio de Gloria na Baviera, um edifício com cerca de 500 quartos, custam mais de 900 dólares e apareceram no relatório financeiro divulgado pelo juiz na última semana. A notícia surge numa altura em que algumas controvérsias têm posto em causa a ética de juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, devido, entre outros, ao género de presentes que aceitam e revelam ao público. E não é a única polémica que envolve os passos mais recentes da princesa, outrora ícone de estilo e nome de referência das revistas de moda.

Nascida condessa Gloria von Schönburg-Glauchau, é filha de Joaquim, conde de Schönburg-Glauchau, descendente de príncipes do Sacro Império Romano-Germânico, e de Beatriz, condessa de Schönburg-Glauchau, uma nobre húngara. Em 1980, casou-se com Johannes von Thurn und Taxis, um empresário alemão que viria a ser o chefe da casa Thurn und Taxis. Johannes era 34 anos mais velho do que Gloria (ele tinha 54 anos e ela 20 quando se casaram) e o maior proprietário de terras em toda a Alemanha. O casal teve três filhos, a princesa Marie, nascida em 1980, a princesa Elisabeth, em 1982, e o príncipe Albert, que nasceu em 1983 e é hoje o chefe da casa Thurn und Taxis, tendo herdado o título do pai quando este morreu. Gloria e Johannes von Thurn und Taxis foram casados durante 10 anos, até à morte do príncipe, em 1990, aos 64 anos. Desde então, a princesa não voltou a casar-se.

Como a “princesa punk” alemã se tornou próxima da extrema direita norte-americana

Houve uma altura em que Gloria von Thurn und Taxis era conhecida como a “princesa TNT ou a socialite dinamite” pelo seu estilo de vida hedonista e corte de cabelo punk, refere o The Times. Fez manchetes por imitar o ladrar de um cão no talk show ‘Late Night’, de David Letterman, por ser apanhada com haxixe em sua posse no aeroporto de Munique — que afirmou ter sido colocado na sua bagagem — e por ter amigos muito conhecidos da alta sociedade, como Michael Jackson, Prince ou Andy Warhol, mantendo ainda relações de amizade com os príncipes Carlos e Diana de Gales.

O príncipe Johannes tinha raízes familiares na Lombardia do século XII e possuiria uma fortuna avaliada em três mil milhões de dólares na altura em que morreu. Nos anos que se seguiram à morte do marido, a princesa abraçou uma vertente mais tradicionalista do catolicismo, fazendo parte do grupo dos que se opõem ao Papa Francisco, por o considerarem liberal, e recebendo no seu castelo diversos nomes ligados à direita conservadora. Das suas relações de amizade faz ainda parte Steve Bannon, o antigo estratega-chefe de Donald Trump na Casa Branca. Bannon, de 70 anos, está a cumprir pena de prisão de quatro meses por se ter recusado a cumprir uma intimação da comissão da Câmara dos Representantes, que investigou o ataque ao Capitólio dos EUA a 6 de janeiro de 2021.

Entre as controvérsias em torno da aceitação de viagens de luxo e outros favores por parte dos juízes do Supremo Tribunal dos EUA, a declaração financeira anual de Samuel Alito mostra que recebeu bilhetes oferecidos pela princesa para si e a sua mulher, Martha-Ann, visitarem o castelo em julho do ano passado, antes de todos assistirem à abertura do Festival de Bayreuth, que leva à Alemanha anualmente visitantes de todo o mundo para ouvirem as óperas de Wagner. Alito, que foi nomeado para o Supremo Tribunal por George W. Bush em 2006, tem-se oposto ao aborto e aos direitos LGBT. Numa entrevista ao New York Times, Gloria referiu que considerava o juiz um “herói” por essa sua posição em relação ao aborto. Alito já tinha estado envolvido noutra polémica por aceitar presentes em ocasiões anteriores, como aconteceu após dizer ‘sim’ a uma viagem de pesca de luxo ao Alasca em 2008, paga por republicanos.

A princesa, que admirava o Papa Bento XVI, já disse considerar a homossexualidade um “pecado”. Além disso, defende o direito a participar na política americana. “Não sou verdadeiramente conservadora. Há apenas algumas questões sociais que são importantes para mim. Estas incluem a família e o direito à vida”, afirmou, citada pelo The Times.

A “amizade” da princesa punk com Alito, de 74 anos, que apoiou a decisão maioritária do Supremo Tribunal que anulou a lei ‘Roe v Wade’ — que nasceu de uma decisão histórica do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, na qual ficou decidido que a Constituição dos EUA protegia, em geral, o direito ao aborto —, reflete essa posição. “Quando tive a honra de o conhecer em Roma convidei-o, naturalmente, para vir a Regensburg para o Thurn und Taxis Schlossfestspiele”, disse, referindo-se ao festival musical anual que organiza no palácio.

Nos últimos anos, a princesa tem estendido relações, aproximando-se de figuras da extrema-direita de vários países. No ano passado foi convidada do programa de Nigel Farage, fundador do UKIP, na GB News, e disse que considera a posição de Trump sobre direitos no que respeita à reprodução contraditórios. O antigo presidente e atual candidato republicano prometeu em campanha tornar os tratamentos de fertilização in vitro (FIV) gratuitos se regressar à Casa Branca. “Não acho que a FIV seja boa. Matar crianças no útero, por um lado, e fornecer assistência artificial de laboratório para a reprodução, por outro — isso não combina”, afirmou a princesa, citada pela mesma publicação.

Apesar da proximidade à extrema-direita, a princesa diz que não se identifica com esta fação em todas as questões e argumenta que passou parte da infância em África e que fez amizade com vários famosos homossexuais. “Os gays e as lésbicas são uma família para mim”, afirmou a um jornal alemão, citada pelo The Times.

Uma princesa apaixonada por tiaras

Ao longo dos anos, Gloria definiu-se pelo seu estilo um pouco excêntrico, destacando-se os seus adereços de cabelo, nomeadamente as tiaras. No dia do seu casamento usou a Tiara de Pérolas e Diamantes da Imperatriz Eugénia. Encomendada por Napoleão III a Gabriel Lemonnier, foi criada em 1853 para comemorar o seu casamento com Eugénia de Montijo. Atualmente, a tiara encontra-se exposta no Museu do Louvre, depois de Glória Thurn und Taxis a ter levado a leilão e de ter sido adquirida pelos Amigos do Louvre.

A princesa no dia do seu casamento, a 31 de maio de 1980

Outra das suas preferidas é a Tiara Rubi. Tal como o nome sugere, a peça está cravejada de rubis e é utilizada ainda hoje tanto pela princesa como pela sua filha Marie em diversas ocasiões.

Atualmente, é menos comum ver a princesa com looks extravagantes, como os penteados estilo punk que lhe valeram a famosa alcunha nos anos 80, ou a usar tiaras, estando mais dedicada à fé do que a dar cartas no mundo da moda. No entanto, e ainda que com visuais mais discretos, continua a pertencer à alta sociedade, mantendo um círculo seleto de amigos, do qual faz parte a democrata Hilary Clinton, relação através da qual reforça a ideia de que tem amigos de vários quadrantes políticos.