O Movimento Alternativa Socialista (MAS) está numa espécie de processo de implosão interna com membros da direção a trocarem acusações em público, com comunicados alegadamente oficiais que não representam todos os dirigentes e com cada lado a contar uma versão diferente dos acontecimentos. Há desde acusações de “sequestro” dos materiais do partido (das redes sociais à conta bancária) a uma “ação destrutiva contra a liderança histórica” que levou André Pestana a abandonar o partido que ajudou a fundar em 2013.
A saída do líder do STOP foi a gota de água num copo que há muito estava cheio e que destapou uma guerra interna que se vinha a cozinhar no seio da direção do MAS: de um lado nomes como André Pestana e Gil Garcia, que se descrevem como “dirigentes históricos”, do outro Renata Cambra, porta-voz do MAS, que tem sido o rosto do partido e que se destacou no debate dos partidos pequenos quando foi candidata às eleições legislativas.
Quando o principal impulsionador das manifestações de professores dos últimos tempos anunciou que se ia demitir do MAS, numa altura em que fazia parte da Comissão Nacional composta por 11 membros, acusou “um grupo” do partido de ter lançado uma “ação destrutiva contra a liderança histórica do partido e contra militantes que têm estado na primeira linha das grandes lutas laborais”. Tal como Gil Garcia, um histórico da política de esquerda em Portugal, André Pestana faz parte dessa tal liderança histórica por ser um dos fundadores do MAS, o partido que foi legalizado pelo Tribunal Constitucional em 2013.
Aquilo que considera ter sido um afastamento dos elementos históricos levou o sindicalista a retirar consequências:”[Leva-me] a concluir, com tristeza, que no momento atual este já não é o espaço onde me sinto útil para lutar por um país/mundo mais justo, por isso demito-me do MAS.”
Depois de meses na rua a dar a cara pelo movimento dos professores encabeçado pelo STOP e no momento em que sai do MAS, André Pestana fez questão de justificar que “nunca” permitiu que o sindicato “deixasse de ser apartidário”, precisamente pelas “más experiências” que disse ter tido no passado com partidos que “viam o sindicalismo como correia de transmissão e controlo partidário” — aliás, em declarações ao Diário de Notícias chegou a dizer que uma das razões que o levou a abandonar o Bloco de Esquerda foi a forma como o partido olha para o sindicalismo e que descreveu como “uma perspetiva de controlo do movimento sindical”.
Agora de fora do partido que ajudou a criar, André Pestana prometeu continuar a centrar-se “na defesa da escola pública e no reforço de um sindicalismo independente, democrático e combativo” e refletir, “pela primeira vez como adulto de forma individual“, como poderá “contribuir para um país/mundo mais justo sustentável”. E dedicou ainda palavras à necessidade de combater a extrema-direita ao recusar que é “vista erradamente como a única alternativa ao centrão (PS/PSD) que temos tido e à Geringonça (PS/PCP/BE), quando precisamente aí foram realizados os maiores ataques ao direito à greve desde o 25 de Abril”.
“Nunca aceitarei isso para a nossa sociedade, nem para o futuro dos meus filhos [vejam o que a história passada e recente demonstra quando a extrema-direita chega ao poder, seja aos serviços públicos, à liberdade de expressão, seja ao sindicalismo independente/combativo, aos direitos de quem trabalha e ao meio ambiente]. Encontramo-nos nas ruas!”, concluiu o sindicalista que passou pela Juventude Comunista Portuguesa e pelo Bloco de Esquerda.
A despedida em formato de gota de água
O anúncio da saída de André Pestana teve direito a comunicado no site oficial do partido que, afinal, só tem cariz de oficial para alguns. Nos dois parágrafos do mesmo, pode ler-se que a direção do MAS “lamenta a demissão do camarada André Pestana”, mostra compreensão “face à ação destrutiva de um grupo interno do MAS”, admite que a ação pode resultar no “enfraquecimento do partido e, eventualmente, na sua destruição, como instrumento de emancipação da luta dos trabalhadores”. E não poupa o tal grupo (que não é mais nem menos o resto da direção): “Esta demissão do camarada André Pestana é já resultado e consequência dessas ações deste grupo.”
Por fim, ainda a garantia de que “como direção do MAS” haverá uma tentativa interna de “reverter estas ações, continuando a reforçar a intervenção do MAS para a construção de uma alternativa política revolucionária para o país”.
Porém, aquilo que pode parecer um comunicado em nome da direção do partido não é mais do que a representação de uma facção. Renata Cambra facilitou a leitura do momento do partido ao publicar um tweet de reação à notícia: “O problema não é Pestana ter saído do MAS para vir a ser convidado para líder de um projeto que conta eleger um deputado à boleia da luta nas escolas. O problema é a maioria do partido ser contra isto e o André, com Gil Garcia, sequestrar os meios do partido. Devolvam-nos o MAS.”
Na imagem que partilhou, pode ver-se um texto assinado por “militantes do MAS”, e dirigido “aos camaradas Gil Garcia, João Pascoal, Daniel Martins e André Pestana”, no qual é exigida a “devolução imediata de todos os meios da organização” e a entrega da ligação do partido ao Tribunal Constitucional. E não só: os militantes em causa sugeriram que o MAS está a ser usado como “barriga de aluguer para a legalização do seu novo sujeito político, o MUDAR” e prometeram não ficar de braços cruzados enquanto a assistir à “usurpação e destruição” do partido.
O problema não é Pestana ter saído do MAS para vir a ser convidado para líder de um projeto que conta eleger um deputado à boleia da luta nas escolas. O problema é a maioria do partido ser contra isto e o André, com Gil Garcia, sequestrar os meios do partido. Devolvam-nos o MAS. https://t.co/mC3d6a4hV2 pic.twitter.com/dxF0W3Safs
— renata cambra (@renata_cambra) July 11, 2023
Mas o novelo não fica por aqui. Seis membros da direção composta por 11 (“a Comissão Nacional do MAS em maioria”) assinaram um comunicado no qual se incrimina os restantes cinco — e começa logo pelo título: “André Pestana apoia-se em minoria de “dirigentes históricos” do MAS para roubar o património à maioria dos militantes e construir o partido MUDAR.”
Os argumentos multiplicam-se nas mais de mil palavras usadas no comunicado para falar em “sequestro de todo o património material, fundos e meios de comunicação por parte de um grupo minoritário da organização, encabeçado por André Pestana, Daniel Martins, Gil Garcia, João Pascoal e Flávio Ferreira.” Em causa está, segundo estes dirigentes do MAS, o facto de, “na madrugada do dia 1 de julho”, os restantes elementos terem decidido “retirar à maioria da direção do MAS o acesso às redes sociais, ao e-mail e ao site do partido, assim como à conta bancária” — o que justifica o comunicado publicado após a saída de Pestana.
Aos olhos da maioria, em que está incluída Renata Cambra, tudo começou a 11 de março, quando foi reprovada uma proposta de “criação de um novo partido político, sem grande definição ideológica, com o objetivo de canalizar o descontentamento dos profissionais da educação para uma votação massiva em André Pestana e assim mais facilmente alcançar a eleição de um deputado”. Por outras palavras, os dirigentes acusam os colegas de terem resolvido “tomar de assalto o aparato do MAS”.
Os elementos da direção do MAS asseguram, no comunicado, que tentaram alcançar um “acordo amigável” para que “fossem criar o seu novo projeto sem destruir o MAS” e para que fossem devolvidas as plataformas do partido. Contudo, aperceberam-se de que estavam perante aquilo a que chamam uma “tentativa de golpe”.
“Neste processo, descobrimos que este grupo se crê de tal forma acima de tudo e de todos que nunca comunicou ao Tribunal Constitucional a verdadeira direção eleita no IV Congresso do MAS, realizado em junho de 2022, afirmando agora que os elementos em maioria na direção nunca foram sequer eleitos e que até a porta-voz do partido, Renata Cambra, já muitas vezes referida no nosso site e jornal como dirigente nacional do MAS, nunca o foi”, pode ler-se na nota.
Os seis dirigentes consideram que a saída de André Pestana foi “encenada” e que no comunicado de saída do sindicalista foram “ocultados os verdadeiros motivos políticos, rompendo com as negociações e levando a crise interna do partido a público” — “André Pestana e Daniel Martins, o presidente do STOP e o seu braço direito, não representam a maioria do MAS, mas um grupo minoritário que, por ser composto por auto-intitulados ‘dirigentes históricos’, não reconhece a legitimidade da maioria do partido (dirigentes e militantes no seu conjunto).”
Aliás, ao contrário do que André Pestana argumentou no momento da saída, estes dirigentes reiteram que são e sempre foram “contra o aproveitamento da luta dos trabalhadores para o lançamento de partidos políticos” e retribuem a acusação ao dizer que os “históricos” do partido estão a cometer “um erro monumental” por estarem a fazer um “aproveitamento da luta dos profissionais da educação para criar um partido eleitoralista baseado na ideia de que se o STOP consegue mobilizar cem mil nas ruas, então um partido liderado por André Pestana consegue automaticamente cem mil votos e, assim, a eleição de um deputado”.
Crentes de que André Pestana e os aliados “já não têm qualquer preocupação sobre o efeito destrutivo das suas ações para o MAS”, os seis dirigentes consideram que ou pretendem “ficar com a legalidade do partido” junto do TC para o poderem “usar como barriga de aluguer ou para simplesmente impedir que, ao criarem o seu novo partido, não terem este como empecilho no caminho”.
Num clima de guerra interna que foi transportada para o espaço público, o MAS está dividido até no eixo mais importante do partido, com uma direção que não se entende e que já nem faz questão de o esconder. Com a saída de André Pestana as feridas ficaram ainda mais expostas, pelo que o partido terá de o desafio de se organizar internamente para se preparar para o novo ciclo eleitoral que se inicia já este ano na Madeira, mas que prossegue com Europeias, eleições nas quais o sindicalista se chegou a candidatar como número dois.