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Existe forma de contornar a falta de efetivos que não através do regresso serviço militar obrigatório?
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Existe forma de contornar a falta de efetivos que não através do regresso serviço militar obrigatório?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Existe forma de contornar a falta de efetivos que não através do regresso serviço militar obrigatório?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Guerra na Ucrânia relança discussão sobre regresso do Serviço Militar Obrigatório

Discussão sobre regresso do serviço militar obrigatório ganha força apesar da rejeição de todos os partidos - menos do PCP. Há, no entanto, um diagnóstico comum: é preciso melhorar a carreira militar.

Precários, mal pagos e sem perspetivas de evolução na carreira. O diagnóstico sobre o estado das Forças Armadas é partilhado por (quase) todos e ajuda a explicar em parte o problema da falta de efetivos militares. A esse propósito, e apesar dos números para todos os gostos, há dois dados objetivos e uma reflexão a fazer: o contexto geoestratégico mudou, o Estado português está aquém dos compromissos assumidos (internos e externos) e é preciso garantir, de alguma forma, que há mais jovens a ingressarem na carreira militar.

O debate é cíclico e surge recorrentemente: existe forma de contornar a falta de efetivos que não através do regresso serviço militar obrigatório? Em contexto de guerra na Europa, com países como a Suécia a retomarem a conscrição, há quem, em Portugal, esteja a tentar relançar esse debate sobre o modelo de recrutamento das Forças Armadas. Mesmo sem defender abertamente o regresso do modelo extinto em 2004, o primeiro a falar do tema com grande destaque foi o general Luís Valença Pinto, antigo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) entre 2006 e 2011.

“Se me perguntassem há um mês o que é que eu pensava sobre uma eventual retoma do serviço militar obrigatório em Portugal e no resto da Europa eu diria que não havia espaço político nem psicológico. [Face ao contexto europeu] talvez venha a colocar o debate do serviço militar obrigatório em cima da mesa mais cedo do que se pensava”, consentiu.

A questão contaminou de imediato a visita de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa a Moçambique — onde, de resto, Portugal tem tropas destacadas. Confrontado pelos jornalistas, o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas tentou arrumar a questão. “Por causa da evolução do pós-pandemia, no quadro das alternativas de trabalho e também pelo apelo que parece crescente as Forças Armadas em relação a muitos jovens as perspetivas podem melhorar nos próximos tempos. Por isso não se fala nessa matéria até porque o tema colocaria outras questões, que não estão na ordem do dia neste momento”, argumentou Marcelo.

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Mas a posição do Presidente da República está muito longe de ser unânime. Mesmo sem defenderem o regresso do serviço militar obrigatório no sentido estrito do termo, da esquerda à direita do espectro político e nas próprias Forças Armadas, são muitas vozes a defenderem que se repense o modelo de recrutamento para fazer face aos desafios colocados pela falta de efetivos e pela fraca valorização da carreira militar.

Luís Valença Pinto, general e antigo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, entende que é preciso voltar a pensar no serviço militar obrigatório. Marcelo Rebelo de Sousa discorda: "Não se fala dessa matéria, até porque o tema colocaria outras questões que não estão na ordem do dia neste momento”

Bloco central de acordo: é preciso reforçar o efetivo militar

“A realidade geoestratégica mudou profundamente. Aquilo que era uma ameaça transformou-se numa agressão e pôs fim a um longo período em que as democracias ocidentais procuraram estabelecer uma relação normal com a Rússia”, começa por dizer ao Observador o socialista Marcos Perestrello, ex-secretário de Estado da Defesa e presidente da comissão parlamentar da mesma área.

Ora, isto “vai implicar uma adequação da estrutura de Defesa”, continua o deputado. “Portugal vai ter decidir qual é o seu papel nisto tudo e o que é que está disponível para fazer. Temos de saber que Forças Armadas queremos. No meu entender, obrigará necessariamente a reforçar o efetivo militar e a revermos a forma de recrutamento, melhorando as condições de atratividade da carreira”, argumenta Perestrello.

O social-democrata Carlos Eduardo Reis, vice-presidente da mesma comissão parlamentar de Defesa, concorda. “Os nossos militares precisam de um ordenado digno e de um horizonte de carreira. Não é uma carreira atrativa e não vale a pena falar do serviço militar obrigatório sem se resolver estas duas questões”, nota.

“Pelo posicionamento geoestratégico que tem”, continua Carlos Eduardo Reis, “pela costa e pelos compromissos internacionais a que está obrigado, Portugal não pode abdicar de Forças Armadas de qualidade e condignamente equipadas”. “Basta ver o papel que desempenharam durante a pandemia e olhar para o contexto atual. O investimento nas Forças Armadas tem de ser uma prioridade.”

Não é a única voz no PSD a defender o mesmo. “Os nossos filhos têm de estar preparados para um dia, eventualmente, combaterem e morrerem se for preciso, pela União Europeia”, argumentou Francisco Proença Garcia, tenente-coronel na reforma e conselheiro para a Defesa do PSD, em entrevista ao Diário de Notícias, lamentando ainda a falta de respostas da atual solução.

“Este modelo de voluntariado e profissional deixou de ser atrativo. Não sei se é preciso voltar o serviço militar obrigatório, mas temos de repensar o modelo atual e o mais importante é lançarmos o debate e esse debate deve ser informado”. Particularidade: a entrevista de Proença Garcia foi partilhada nas redes sociais por Rui Rio, ainda líder do PSD.

"Temos de saber que Forças Armadas queremos. No meu entender, obrigará necessariamente a reforçar o efetivo militar e a revermos a forma de recrutamento, melhorando as condições de atratividade da carreira"
Marcos Perestrello, deputado do PS e ex-secretário de Estado da Defesa

PCP: “Sejam bem-vindos à discussão sobre o serviço militar”

O serviço militar obrigatório chegou formalmente ao fim em setembro de 2004. Curiosamente, foi uma causa de Pedro Passos Coelho, uma decisão de António Guterres e uma medida oficializada por Paulo Portas, então ministro da Defesa.

Em 1999, Pedro Passos Coelho, então um jovem deputado, tentou pressionar António Guterres a colocar termo àquele modelo de recrutamento o quanto antes. Sob protesto do futuro primeiro-ministro, o socialista fixou um prazo de transição de quatro anos para adaptar as Forças Armadas à nova realidade. No Parlamento, a decisão foi aprovada com os votos favoráveis do PS e do CDS, a abstenção do PSD e o voto contra do PCP.

Em 2004, pela pena de Paulo Portas, o serviço militar obrigatório chegava finalmente e formalmente ao fim. Curiosamente, o mesmo Valença Pinto que agora relançou o debate e que ocupava então as funções CEMGFA esvaziava qualquer tipo de polémica. “Esta medida é perfeitamente pacífica e absolutamente esperada e pré-anunciada e não tem a mais pequena consequência a não ser para aqueles que persistem numa atitude de ‘Restelo’”, rematou então.

"Portugal não pode abdicar de Forças Armadas de qualidade e condignamente equipadas. O investimento nas Forças Armadas tem de ser uma prioridade"
Carlos Eduardo Reis, deputado do PSD

Tal como fizeram na altura, os comunistas lamentam a decisão. “Sejam bem-vindos à discussão”, ironiza o ainda deputado comunista António Filipe em declarações ao Observador. “Na altura, desvalorizam as consequências previsíveis do fim do serviço militar obrigatório. Quem desenhou este modelo está a colher aquilo que semeou”, aponta.

Para o PCP, a via profissionalizante só seria um caminho possível se viesse acompanhada de condições objetivas de valorização da carreira militar – coisa que, no entender dos comunistas, nunca aconteceu. Além disso, há a questão da Constituição da República Portuguesa que diz, recorda António Filipe, que a “defesa da pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses”.

“O modelo que se adotou desliga grande parte da população da Defesa Nacional. Aparece como uma coisa muito distante. Agora, é uma questão que vale a pena ser debatida, mas que não pode ser discutida como uma proposta avulsa”, nota.

“Na altura, desvalorizam as consequências previsíveis do fim do serviço militar obrigatório. Quem desenhou este modelo está a colher aquilo que semeou”
António Filipe, do PCP

Ventura admite obrigação de ir à tropa. Mas não para já

Apesar de não ter inscrito a medida nos programas eleitorais com que se apresentou a votos, André Ventura chegou a admitir apresentar uma proposta nesse sentido. A 6 de janeiro, em entrevista à revista Sábado, o líder do Chega assumiu que via com bons olhos o regresso do serviço militar obrigatório para homens e mulheres e que a questão estava a ser analisada e ponderada pelo gabinete de estudos do partido.

Agora, fonte oficial do Chega limita-se a dizer que “não se justifica relançar essa questão” e que Ventura, apesar de ter assumido “essa possibilidade” em janeiro, acredita que este “não é o momento” de discutir o regresso da conscrição.

Uma solução que a Iniciativa Liberal rejeita, embora reconheça a necessidade de aumentar o número de efetivos. “Não nos revemos em modelos obrigatórios de recrutamento ou serviço militar”, sintetiza fonte oficial do partido. O que é preciso, argumentam os liberais, é avançar com “a revisão da tabela remuneratória dos militares”, resolver a “manifesta desproporção entre o número de oficiais e o de praças e sargentos” e “garantir as condições que possibilitem a reintegração dos ex-militares no mercado de trabalho”.

“A Iniciativa Liberal lamenta que seja necessária uma crise militar, política e humanitária como a que agora foi gerada pela inaceitável invasão da Ucrânia pela Rússia imperialista, para que o PS saia da sua habitual letargia do deixa andar e encare a necessidade de resolver estes temas estratégicos”, remata a IL.

Posição de princípio partilhada pelo Bloco de Esquerda, um partido que historicamente contra a conscrição e que se opôs igualmente ao “Dia da Defesa Nacional”, tem há muito defendido que o regresso do serviço militar não é uma solução para a falta de efetivos e que se impõe antes uma aposta decidida na condição militar, com o reforço da saúde e assistência dos militares, do sistema remuneratório e da carreira militar.

Apesar de ter perdido representação parlamentar, o CDS, até pelo papel duplo que teve no fim do serviço militar obrigatório (na votação de 1999 e depois na extinção formal do modelo), tem defendido com insistência que se reveja a carreira militar e as condições de recrutamento.

Nuno Melo, o candidato, em teoria, em melhores condições para suceder a Francisco Rodrigues dos Santos, parte do mesmo diagnóstico para propor quatro soluções complementares: criar um regime de serviço militar facultativo aberto a todos os jovens que queiram ter experiência militar durante um período equivalente à recruta”; valorizar salários; e apoiar o ingresso na vida profissional civil dos ex-militares que terminam o regime de contratos; e firmar protocolos com as Forças Armadas para formar jovens em regime de internamento.

"A Iniciativa Liberal lamenta que seja necessária uma crise militar, política e humanitária como a que agora foi gerada pela inaceitável invasão da Ucrânia pela Rússia imperialista, para que o PS saia da sua habitual letargia do deixa andar e encare a necessidade de resolver estes temas estratégicos."
Fonte oficial da Iniciativa Liberal

Quantos efetivos existem? Ninguém se entende

No final de 2021, o Governo fixou em 32 mil número de efetivos das Forças Armadas para este ano, uma realidade muito distante da atual. Quão distante ninguém sabe exatamente — nem o próprio Governo socialista.

Em fevereiro, o Diário de Notícias atestava isso mesmo: no final do ano passado, o Ministério da Defesa garantia existir 27.741 efetivos nas Forças Armadas; a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) concluía que eram na verdade 26.130; a Pordata/INE diziam que eram 26.600; e o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) que junta Exército, Força Aérea e Marinha, contrapunha com 23.347.

Sem entrar na discussão sobre estes números, o general Fontes Ramalho, antigo representante militar de Portugal no Comité Militar da NATO e da União Europeia, entende que Portugal cometeu “quatro pecados cardeais” quando decidiu acabar com o serviço militar obrigatório e que ajudam a justificar o estado de coisas a que chegaram as Forças Armadas.

“Devíamos ter civilizado as Forças Armadas”, começa por dizer Fontes Ramalho, referindo-se a todas as “funções repetitivas, muitas vezes de logística e de manutenção”, que deviam estar adjudicadas a civis e não a militares, o que permitiria libertar “mão de obra muito qualificada” para se dedicar a outras tarefas.

A questão da “retribuição financeira” é, naturalmente, o outro grande obstáculo para o aumento do número de efetivos nas Forças Armadas, concede o general, que foi também diretor de Administração e Mobilização de Pessoal do Exército.

O outro erro de base, lamenta Fontes Ramalho, foi o de não se ter “aberto um horizonte de carreira” para os militares que não entram nos quadros permanentes e que depois de terminados os contratos (máximo de seis anos) têm poucas vantagens competitivas no regresso à vida civil. “Entram com uma mão vazia e outra cheia de nada.”

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