O novo vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Hugo Oliveira, tem estado nos últimos dias em contacto com vários autarcas do distrito pelo qual foi eleito, Leiria, que têm sido afetados pelos incêndios. O também presidente da mesma distrital do PSD dá conta de situações de “aflição” e critica o Governo por ter aprendido pouco com 2017.
O deputado social-democrata critica sobretudo a falta de reforma da floresta e deixa acusações à FlorestGal, a empresa pública criada para gerir a floresta, mas sobre a qual diz “fazer pouco para além de protocolos”. Depois de ultrapassada a fase de combate, o dirigente da bancada social-democrata garante que “o PSD vai apresentar propostas para corrigir as situações que se repetem ano após ano”.
Sobre a nova direção da bancada, desvaloriza a votação abaixo de Paulo Mota Pinto e garante que “uma votação mais ou menos expressiva não é o mais importante para o trabalho que tem que ser feito”.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com a entrevista ao deputado Hugo Oliveira, do PSD]
Hugo Oliveira, do PSD: Fogos. “Paira no ar um receio grande de repetir 2017”
Nos últimos dias, vários municípios do distrito de Leiria têm sido afetados pelos incêndios. O que é que os autarcas do distrito lhe têm transmitido?
Muita preocupação. Esta quinta-feira falei com o presidente de Pombal e de Alvaiázere e não queria utilizar a palavra desespero, mas é quase. Viram o território a arder e a não conseguiam dormir para estar no terreno a dar apoio. O presidente da Câmara de Pombal dizia-me que tentou deitar-se às 3h mas às 5h foi preciso evacuar mais uma aldeia e esse tem sido o dia-a-dia num território que tem sido fustigado desde 2017. Parece que há cinco anos não aprendemos e é triste sentir isto nas palavras dos autarcas.
Já surgiram queixas de autarcas que se sentem impotentes e bombeiros a queixarem-se da falta de meios. A Secretária de Estado da Proteção Civil diz que não há falta de meios. O Estado já está a falhar a estas populações?
Não tenho dúvidas que está a falhar. É óbvio que há mais meios disponíveis e mal seria. É claro que um autarca sente que os meios são sempre insuficientes face aos fogos que tem que enfrentar e face às condições climatéricas. O grande problema não é o combate. Os incêndios não podem ser vistos a partir da perspetiva do combate. A montante do que tem que ser feito é que o Estado tem falhado e não aprendeu com a tragédia de 2017 e tinha obrigação de o fazer. Há pouco tempo o presidente da Liga dos Bombeiros, na visita de Luís Montenegro a Pedrógão Grande, foi bem claro a dizer que podia acontecer algo negativo e que o território não estava preparado para isso. E comprovámos isso, embora preferisse que não. Temos que olhar para o problema da floresta e como é que vai ser resolvido. Não chega o primeiro-ministro vir agora falar da reforma florestal, que está no papel, mas não está no terreno. Perante o problema é fácil falar. É preciso é agir.
O PSD de Leiria criticou a gestão florestal, pouco virada para a floresta produtiva, mas esta semana António Costa veio falar nessa necessidade de criar riqueza na floresta. É um volte-face?
Espero que sim. O primeiro-ministro entende finalmente o problema da floresta. O cadastro florestal está a ser feito, mas demora tempo. E temos o problema da limpeza dos terrenos, que está a ser feita, mas onde espero que o primeiro-ministro perceba que o Estado não está a cumprir a sua obrigação nos terrenos abandonados que são se calhar muitos dos que estão a arder. Mas se o primeiro-ministro o percebe agora, que o faça concretamente. Espero que António Costa a valorize e que nos diga também o que é que empresas como a FlorestGal estão a fazer. É uma empresa para a gestão da floresta mas que para além de protocolos tem feito pouco. Estou desiludido, mas não me espanta, porque quando foi criada percebemos a intenção que podia existir para além da floresta. Uma empresa pública fazia sentido mas era se cumprisse os seus objetivos.
Os deputados do PSD de Leiria emitiram um comunicado nos 5 anos de Pedrógão Grande a dar conta de várias medidas para “inglês ver”. Que outras medidas são essas que ficaram a meio caminho?
Esta do cadastro florestal, onde não existe uma ação concreta para além desses protocolos. Queríamos ver dados concretos e que tivessem um resultado diferente dos dias de hoje. Claro que todos percebemos a questão do clima, mas o problema não é só esse. Ainda há pouco o presidente da câmara de Pombal me dava conta de mais um reacendimento e do efeito que isso tem no cansaço dos bombeiros. O primeiro-ministro dizia esta manhã que há uma gestão de meios europeus, mas também esses têm um limite. E estão a existir problemas no combate: em Pombal, havia problemas com a água canalizada nalguns locais. A população sente-se desprotegida por parte do Estado. Felizmente até ao momento, e esperamos que assim continue, não existem mortes. Que se tenha aprendido pelo menos essa parte. Os bens são importantes para as pessoas, mas que não se percam vidas.
As populações e os autarcas com quem contacta sentiram que desde 2017 alguma coisa melhorou?
Está muita coisa a meio caminho. Ainda assim, há mais estradas cortadas — embora se tenha falhado nalguns locais –, e essa organização permite evitar perdas de vidas humanas. Mas de resto o problema a montante não foi resolvido e enquanto isso não for encarado de frente, por mais meios que existam não vão ser suficientes. Para além disto, a organização da Proteção Civil também tem problemas. Uma vez olhei para um quadro e não percebi aquela organização, com respeito por quem lá trabalha.
Mas essa seria uma questão que terá sido corrigida a partir de 2017…
Sim, mas se nem o quadro se entende, quanto mais no terreno. Há questões no combate que têm que ser resolvidas de forma imediata porque aí sim, os autarcas sentem-se desprotegidos. Há uma aflição das pessoas a terem que salvaguardar os seus bens e vidas. Ainda esta quarta-feira falei com uma vice-presidente da distrital de Leiria, de Ansião, que me estava a dizer que estava a tirar coisas de casa e que esteve a apagar o fogo com os vizinhos. Felizmente tudo correu bem e as pessoas estão disponíveis para essa ajuda porque entendem que os bombeiros estão a dar tudo, por vezes até a vida. O Estado é que não consegue garantir, a montante, a resolução do problema. No combate, os bombeiros, que são voluntários, estão esgotados. Esta quarta-feira, os bombeiros de Alvaiázere estavam esgotadíssimos, a precisar de descansar e não tinham condições. Estive ao telefone com uma pessoa de Ansião, ouvi a sirene e não havia mais meios disponíveis. É uma aflição muito grande.
“O governo não pode desresponsabilizar-se”
O primeiro-ministro apelou no inicio da semana à responsabilidade individual. Há matérias em que o Estado e o governo nada podem fazer. Acha que as pessoas entendem essa mensagem?
Naturalmente que, naquilo que é a responsabilidade de cada um, as pessoas devem ter noção de que não podem utilizar certas máquinas porque podem provocar incêndios. O Governo não pode é desresponsabilizar-se. Na saúde, nas Caldas da Rainha, o meu concelho, morreu um bebé e o inquérito quase que recaiu sobre o médico que tentou prestar apoio. Em 2017, é o comandante dos bombeiros a estar indiciado por centenas de crimes, quando o governo tem responsabilidade sobre essa matéria. Parece que a dada altura é mais fácil lavar as mãos como Pilatos. Temos que tirar ilações políticas sobre as matérias quando as tutelamos. No caso de 2017, a responsabilidade criminal está sobre este comandante dos bombeiros.
Sendo que nesse caso existiu responsabilidade política, porque a ministra deixou o Governo.
Sim, mas nestes casos, mesmo quem está nestas funções, fica num papel quase desumano. Tive oportunidade de trocar impressões com esse comandante e sente uma enorme frustração, do ponto de vista psicológico até. O Estado tem que assumir as responsabilidades, resolvendo os problemas para evitar estas situações. Os incêndios vão sempre existir mas há formas de mitigar estas situações e a floresta é uma questão prioritária.
Depois de ultrapassada esta fase mais difícil de combate, o PSD pondera tomar alguma iniciativa no Parlamento, chamando algum ministro, por exemplo?
Tivemos esta quinta-feira a primeira reunião da direção do grupo parlamentar e ultrapassada a fase difícil a que temos que acudir agora, é preciso encontrar soluções. O PSD vai apresentar propostas para que isso seja uma realidade. Não podemos ficar a olhar ano após ano. Quando estive com Luís Montenegro em Pedrogão Grande, tive um sentimento de que poderia voltar a acontecer alguma coisa e agora passado duas semanas, o mesmo território é atingido. Para aquelas pessoas paira no ar um receio muito grande que volte a acontecer, a questão das mortes, porque de resto as casas já estão a arder. Isto significa que o Estado, em cinco anos, não resolveu o problema que tinha.
“Continuaremos de certeza a contar com Paulo Mota Pinto”
Foi eleito vice-presidente do grupo parlamentar. O presidente do partido optou por alargar a direção da bancada, isso não banaliza a direção do grupo?
Longe disso. O alargamento especializa, com cada um a ter uma área especifica de trabalho. O trabalho vai ser mais eficaz, eficiente e sobretudo com mais responsabilidades. Este formato cria melhores condições para uma melhor resposta aos problemas.
Paulo Mota Pinto, que foi cabeça-de-lista por Leiria, cessou funções como lider parlamentar e fez questão de dizer que foi por indicação de Montenegro. Acredita que é possível continuar a contar com Mota Pinto?
Ainda não tive oportunidade de falar com Paulo Mota Pinto, mas estamos a falar de um deputado que já deu provas. Agradeço todo o trabalho que fez enquanto líder parlamentar e enquanto deputado em Leiria. É um professor catedrático, com um conhecimento enorme e que acrescenta muito ao grupo parlamentar. A força de trabalho e know-how de Paulo Mota Pinto são muito importantes na bancada e não tenho dúvidas de que podemos continuar a contar com isso.
E o Hugo Oliveira pode ser um pivô importante para o aproximar,
Estou naturalmente disponível. Tenho a maior consideração por Paulo Mota Pinto, enquanto líder parlamentar e deputado por Leiria. Continuaremos a contar com ele de certeza.
Joaquim Miranda Sarmento foi eleito com 60% dos votos, bem abaixo de Mota Pinto. 30 dos 77 deputado entenderam não dar um voto de confiança a Miranda Sarmento. Isto enfraquece a liderança da bancada?
As palavras do nosso líder parlamentar foram corretas: “O que conta não é como se entra mas como se sai”. Quando há mudanças de liderança as pessoas têm uma expectativa e poderá sempre existir deputados que tinham uma expectativa e que quando exercem o voto tomam outra opção. Isso não diminui o trabalho que há-de ser feito por esta direção e pelo líder parlamentar.
E não belisca essa unidade à volta de Luís Montenegro?
Não, porque penso que não tem a ver com essa matéria. Quando há mudanças, há uma tentação de se dizer que começa uma noite de faca longas, onde se troca toda a equipa. Isso não aconteceu. Existiu uma preocupação de manter os melhores e muitas pessoas que estavam na anterior ficaram. Há um preocupação de unir com o objetivo de ganhar as próximas legislativas e fazer o que o PSD tem vocação que é governar o país. Uma votação mais ou menos expressiva não é o mais importante para o trabalho que tem que ser feito.