O mercado de compra e venda de casas já começou, nas últimas semanas, a sentir um “decréscimo” da atividade, em particular uma menor procura por parte de clientes compradores. Quem o confirma são os líderes de quatro das principais empresas a operar no setor imobiliário português – e a justificação é aquela que se poderia esperar: a subida das taxas de juro e do custo de vida e, sobretudo, a incerteza económica que isso provoca. A subida dos preços já estará a “desacelerar” mas o setor não acredita em descidas e muito menos numa nova crise. Uma vez que se reduza o nível de incerteza, os preços vão voltar a acelerar, garantem.
“Nestes últimos 15 dias, sensivelmente, sentimos um ligeiro decréscimo de clientes compradores”, afirma Rui Torgal, presidente-executivo da Era, entrevistado pelo Observador no dia 24 de outubro. “Isto acontece apenas devido à incerteza” que é gerada, diz o responsável, pela chuva de notícias que além de apontarem para uma “desaceleração significativa” na economia também não permitem prever até que níveis o Banco Central Europeu (BCE) irá subir os juros. Rui Torgal confia, porém, que, “a partir do momento em que se definir qual será o valor final da taxa de juro, estou confiante de que voltaremos a ter mais contactos”.
Também Beatriz Rubio, presidente da Remax Portugal, confirma ao Observador que se está “a notar ligeiras alterações no padrão de procura devido a todas as notícias sobre a subida da inflação e das taxas de juro”. Porém, assegura: “mesmo com uma diminuição, a procura tem sido muito superior à oferta, pelo que continuamos a vender a um bom ritmo”.
Juros sobem “a galope”? BCE devolve críticas e culpa governos por alimentarem a inflação
E o líder de outra das principais empresas deste setor, Ricardo Sousa, presidente da Century 21 Portugal, corrobora que “o número de pessoas que fazem propostas para comprar casas tem vindo a diminuir”, algo que para o responsável traduz uma situação em que se “começa a entrar numa normalidade de mercado, porque no ano de 2021 e no arranque de 2022 tínhamos muito mais propostas para comprar do que imóveis para vender”.
“Este abrandamento é um sinal”, reconhece Ricardo Sousa, “mas ainda não significa um abrandamento do número de transações” – nem tal irá acontecer, a prazo, acredita o presidente da Century 21. Dada a escassez de oferta, “viemos de um desequilíbrio muito grande entre oferta e procura e, agora, com menor procura, o que acontece é que o mercado se equilibra um pouco mais“.
“Aflitinhos” com a subida dos juros. É desta que os preços das casas vão cair?
O diagnóstico é partilhado por quem concentra mais a sua atividade nos segmentos médio-alto e alto, como é o caso da JLL. Patrícia Barão, responsável pela área de mercado residencial da agência, admite que o mercado “vai ter um abrandamento, não há a menor dúvida, vamos ver famílias a adiar a decisão de compra de casa”: porém, “eu sinto é que pode existir esse abrandamento em algumas localizações mas não noutras, mais nuns segmentos e menos noutros“, afirma a especialista.
É certo que “o mercado está agora num contexto económico diferente do que estava antes”, mas Patrícia Barão sublinha que, quando se fala em “factos”, isso não parece estar a ter uma tradução prática: “Por exemplo, nós lançámos o Campo Novo, um dos maiores projetos de Lisboa (que será feito nos terrenos do antigo estádio de Alvalade) e estamos neste momento com 40% de reservas, a caminhar para 50%”.
Lembrando que “na pandemia também houve muitos profetas da desgraça“, quando se comentava o mercado imobiliário, a responsável pela área de residencial da JLL reconhece que não se deve “enfiar a cabeça na areia” e ignorar a realidade: desta feita estamos perante um momento em que as taxas de juro estão a subir, o que é um fator-chave para o mercado imobiliário – em contraste, na resposta à pandemia aconteceu o inverso: as taxas de juro baixaram mais ainda, o que sustentou os preços das casas.
Estrangeiros entram “com pujança” e “mesmo em Portugal há muito dinheiro”
Desta vez é diferente. Em países como a Suécia já se estão a registar quedas de dois dígitos no preço da casas, numa correção brusca que estará a ser acelerada pela subida das taxas de juro e o maior aperto na concessão de crédito bancário. Mas Patrícia Barão, que já trabalhava no setor aquando da crise que começou em 2008/2009, defende que os dois momentos são incomparáveis: “Agora Portugal entrou no radar internacional, novas nacionalidades estão a entrar com grande pujança – como os norte-americanos – e mesmo em Portugal há muito dinheiro, há muita liquidez e o imobiliário é um refúgio”, defende.
Rui Torgal, da ERA, por seu lado, reconhece que nunca desde que se tornou líder da empresa houve tantos contactos por parte de clientes, que lhe perguntam se há mesmo risco de uma nova crise. O que é que a ERA lhes tem respondido? Que “só por ignorância ou desejo de colocar notícias catastróficas na imprensa” se pode comparar o momento atual com a crise anterior – uma “crise que rebentou, de facto, mas nessa altura foi uma bolha financeira que rebentou, não uma bolha imobiliária“.
“Aquilo que tínhamos no passado era avaliações mal feitas, sobreendividamento, financiamento superior ao valor das casas, era um gigante com pés de barro“, afirma Rui Torgal, lembrando as mudanças que houve na banca e as limitações à concessão de crédito que as autoridades, como o Banco de Portugal, tomaram nos últimos anos “para tentar evitar que aquilo se voltasse a repetir”.
Prazos dos créditos à habitação vão baixar para quem tem mais de 30 anos
Nesta fase, os supervisores não denotam muita preocupação com a generalidade dos clientes de crédito à habitação, dado que a vasta maioria pôde aproveitar os anos de taxas de juro para amortizar os créditos e ganhou, com isso, alguma margem para eventuais renegociações da prestação. O que preocupa mais, embora seja uma minoria dos clientes, é quem comprou casa há poucos anos, a preços mais elevados, no limite de idade no final do empréstimo e, agora, pode ficar numa situação mais difícil.
Porém, para Rui Torgal, “mesmo essas pessoas tiveram uma valorização das casas, não estão ‘debaixo de água’ – se colocarem a casa no mercado vai ser vendida a um valor superior ao que pagou – e a casa é vendida amanhã”. “Há pessoas que podem fazer esse ajuste, se não conseguirem pagar a prestação”, afirma o presidente da Era, concordando que o Governo deveria pensar em formas (incentivos fiscais ou outros) de ajudar essas pessoas a fazer o tal “ajuste”, se for necessário.
Os últimos dados do INE, relativos ao segundo trimestre, apontam para um crescimento de 13,2% no índice de preços da habitação, a nível nacional, em comparação com o período homólogo. Olhando para o que aí poderá vir, “ninguém pode adivinhar o futuro mas não perspetivo que haja uma queda [dos preços], apenas uma desaceleração”, ou seja, “não se chegará um valor negativo, mas um valor menos positivo do que temos hoje”, diz o presidente da Era.
A convicção de Rui Torgal é de que “não está em causa saber se as taxas de juro estão em 2%, 3% ou 3,5%, o problema é a incerteza em relação ao nível até onde podem subir“. Assim que houver uma perceção de que o movimento de subida das taxas de juro chegou ao fim, seja isso em que nível de taxas for, o líder da Era acredita que o mercado vai reequilibrar-se e voltar a acelerar.
Antes disso, porém, pode haver uma “correção” do ritmo de subidas mas não será homogénea. “Acho que vai corrigir mais nas casas mais baratas e corrigir menos nas casas mais caras“, ou seja, “o imobiliário de luxo, médio-alto, vai corrigir muito pouco, segmento médio-baixo vai corrigir muito mais”, diz Rui Torgal. “Os promotores, aliás, estão muito mais disponíveis a construir habitação média-alta, por causa disso mesmo, por se acreditar que irá haver essa diferença”, acrescenta.
Tempos médios de venda começam a prolongar-se mais
Apesar de Rui Torgal dizer que mesmo quem comprou casa nos anos mais recentes tem uma valorização no seu imóvel – e se o colocar no mercado “vende a casa amanhã” –, quem quer vender está, regra geral, a ter de esperar um pouco mais para fechar o negócio. Ricardo Sousa, da Century 21, reconhece que “o tempo médio de venda está a aumentar“: “Estávamos a fazer menos de 45 dias desde que entrava em venda até escriturar, o que é pouquíssimo tempo, agora temos uma média 90 dias ou um pouco mais”. Porém, sublinha, “na crise anterior foi de seis, sete, oito meses”, sublinha.
“Continuamos a ter um mercado líquido”, reforça Ricardo Sousa: “qualquer proprietário que coloque a casa no mercado em princípio conseguirá vender com relativa rapidez”, sobretudo se aceitar fazer “um preço mais competitivo”. O presidente-executivo da Century 21 nota que, no que diz respeito aos imóveis em segunda mão, “o que temos visto até agora é que a expectativa do cliente [vendedor] era muito alta. Agora começamos a ver um maior realismo“.
Em média, no caso da Century 21, neste momento as vendas estão a ser feitas com um “acerto” médio de 10%, ou seja, a diferença entre aquilo que o vendedor pede inicialmente e o valor a que a escritura acaba por ser feita. Há um “acerto”, ou seja, a casa acaba por ser vendida 10% abaixo, em média, ao valor inicialmente pedido – embora não seja raro existir “acerto” em sentido contrário: em zonas com muita procura, muitas vezes o elevado número de propostas faz com que as casas sejam vendidas acima do anunciado.
O presidente da Century 21 não antecipa, porém, que os “acertos” se alarguem mais (no sentido negativo), o que, a confirmar-se, ajudará a garantir que a “desaceleração” dos preços não se transforma numa queda. Ricardo Sousa antecipa que em Lisboa o segmento médio e médio-baixo poderá ter uma “descida a zero ou até pequenas correções”, porém, em zonas como Odivelas, Loures, Margem Sul, ainda há espaço “para subidas até ao final do ano”, afirma.
Por outro lado, fora de Lisboa, em “cidades como Aveiro, Braga, Leiria… Aí ainda se podem manter estes níveis de subidas de preços”, diz Ricardo Sousa, reconhecendo, porém, que em alguns concelhos do interior os números podem mostrar – como já está a acontecer – descidas nos preços das casas.
Também Beatriz Rubio acredita que os dados mais recentes do INE permitem “antecipar uma manutenção de subida generalizada dos preços, mas a um ritmo menos acentuado“. Os preços vão continuar a subir, afirma a responsável da Remax, porque “a oferta é muito escassa e tem vindo a ser menor de ano para ano – essa é uma realidade que não é nova independentemente dos novos indicadores de mercado”.
Com as dificuldades na construção – mão de obra escassa e materiais mais caros – o setor não antecipa aumentos repentinos da oferta de casas, que pudesse tornar os preços mais acessíveis para quem quer comprar, sobretudo num contexto de “excessiva burocracia e lentidão nos licenciamentos”.
Mas será que a oferta disponível no mercado pode aumentar porque se forma um grande número de pessoas a vender por recear uma baixa de preços? “Sim, já notámos que alguns proprietários procuram antecipar uma eventual correção do mercado“, diz Beatriz Rubio. Porém, esses clientes “não são muitos e compreendemos porque não o são: uma habitação é um bem de primeira necessidade, pelo que ao venderem a sua casa terão de ter uma outra solução” e “é do conhecimento geral que o arrendamento é pouco competitivo, pelo que essa antecipação [de venda] ocorre em situações específicas, como de uma segunda habitação ou uma mudança para uma região com preços mais reduzidos”.