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“Vejo-me presidente, sim. Caso contrário não me apresentaria a uma investidura. Não faria este teatro.” Numa conferência de imprensa na localidade francesa de Argelès-sur-Mer esta segunda-feira, o ex-presidente do governo regional da Catalunha e líder do partido Junts per Catalunya, Carles Puigdemont, parecia convencido de que poderá liderar novamente a Generalitat. De calculadora na mão, o responsável político, que espera regressar a Espanha após a lei da amnistia ser aprovada (provavelmente a 30 de maio), revelou de que forma poderia governar. Precisa de contar com o apoio dos seus eternos rivais regionais — a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) — e ainda com a abstenção dos socialistas.
“Podemos somar uma maioria coerente, mais ampla do que a que pode formar o candidato socialista”, declarou. Este tom confiante de Carles Puigdemont ignora o facto de que o Partido Socialista da Catalunha (PSC) foi o grande vencedor das eleições para o Parlamento regional catalão, realizadas este domingo. Os socialistas obtiveram 27,96% dos votos e elegeram 42 deputados, ao passo que o Junts per Catalunya se ficou pelos 21,61% e 35 parlamentares.
Foi a primeira vez que os socialistas ganharam as eleições catalãs em número de deputados, ainda que já tivessem sido vencedores em termos percentuais em 2021 (naquele ano, os socialistas obtiveram 22,7%, a ERC ficou-se pelos 20,99% e o Junts não foi além dos 19,78%). Além disso, noutras más notícias para os partidos independentistas, esta foi a primeira vez desde 1984 que as formações políticas que defendem a autodeterminação da Catalunha não obtiveram maioria absoluta na Generalitat.
Qué comunicó Cataluña? Abro ????!
Postprocés? Los partidos independentistas quedan lejos de la mayoría absoluta. Desde 2012, que no sucedía esto. El clivaje ideológico eclipsa al clivaje identitario. Sequía, vivienda, educación y Hard Rock copan la agenda pública. pic.twitter.com/kEylWIAZ0G
— Gonzalo (@gogosarasqueta) May 12, 2024
“Houve uma mobilização do eleitorado unionista como consequência da estratégia de espanholização [da vida política catalã], que denunciámos e que foi promovida pelo PSC”, lamentou Carles Puigdemont no discurso deste domingo, indicando que uma “parte significativa do eleitorado independentista” não se mobilizou e optou por abster-se nestas eleições. De qualquer modo, o Junts conseguiu aumentar o número de votos e de deputados face a 2021; a maior prejudicada foi mesmo a Esquerda Republicana.
Socialistas dependem da Esquerda Republicana para alcançar a “nova etapa” desejada
Por sua vez, os socialistas festejaram o que dizem ser uma “nova etapa” na vida política catalã. O candidato Salvador Illa enfatizou a importância do chefe do governo espanhol, Pedro Sánchez, na campanha e garantiu que assumirá a “responsabilidade” de tentar uma investidura, ainda que não conte com uma maioria absoluta. Para isso, precisará ou de se unir ao Junts, ou então a solução que o PSOE vê como mais desejável: uma coligação de esquerda entre o PSC (42), a ERC (20) e o Comuns Sumar (6), do partido da vice-presidente do governo, Yolanda Díaz. Os três somariam 68 parlamentares, o número exato de deputados para ter maioria na câmara.
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O problema? A disponibilidade da Esquerda Republicana da Catalunha, que obteve um péssimo resultado nestas eleições, passando de força independentista hegemónica na região a um terceiro lugar com cerca de 13% dos votos. Os principais dirigentes da ERC já prometeram uma reflexão e o líder parlamentar e presidente do governo catalão demissionário, Pere Aragonès, anunciou esta segunda-feira que vai abandonar a “primeira linha” da vida política e que não vai assumir o mandato de deputado na comunidade autonómica.
Em termos políticos, Pere Aragonès atirou desde logo a responsabilidade de formar um governo para o PSC e para o Junts, posicionado a ERC na oposição. “A cidadania mandou-nos para a oposição”, insistiu o presidente demissionário da Generalitat esta segunda-feira, aclarando: “Oposição é oposição e desde aí [há que] contribuir [para] melhorar o país. Não facilitaremos uma investidura do Partido Socialista e não participaremos em operações para o acordo entre o Junts e o PSC”.
Ainda que fragilizada, a Esquerda Republicana Catalã parece ser a única capaz de resolver o impasse governativo. Por agora, o partido não se mostra interessado nisso, se bem que nunca tenha descartado uma eventual abstenção a um governo liderado pelo PSC, ou pelo Junts. O guião deixado pelos dirigentes republicanos sugere que a ERC deseja que o seu maior rival na Catalunha, o Junts, se una aos socialistas — e consiga capitalizar com essa coligação.
Contas curtas e ameaça de derrubar governo nacional se socialistas se apoiarem na direita. A estratégia arriscada de Puigdemont
Cerca de um mês antes das eleições, Carles Puigdemont apostou numa tática de tudo ou nada. O ex-presidente do governo catalão — que estava no poder aquando do referendo à independência da região em 2017, que levou à sua acusação judicial e fuga para o estrangeiro — assegurava que “abandonaria a política ativa”, caso perdesse as eleições regionais. “Tem pouco sentido que me dedique a ser líder da oposição”, disse, no que foi uma dramatização do discurso político. Esta estratégia acabou por não resultar na plenitude, mas deu alguns frutos: ainda que o PSC tenha ganhado, o Junts voltou a ser o partido independentista mais votado.
Catalunha. Socialistas vencem eleições, mas podem ser ultrapassados por aliança de independentistas
Dado que perdeu as eleições, Carles Puigdemont não cumpriu a promessa de se demitir. Isto porque mantém a esperança de que poderá novamente governar a Catalunha. “Estamos em condições de construir um governo sólido de obediência nitidamente catalã”, prometeu no discurso deste domingo, lembrando que o segundo lugar obtido pelo PSOE nas eleições legislativas de 23 de julho permitiu que os socialistas governassem Espanha.
Uma possível união entre o PSC, a ERC e o Comuns Sumar seria uma “má opção” para governar a Catalunha, alertou Carles Puigdemont, recordando a “maioria estreita” de que dispõem no parlamento regional. Em vez disto, o líder do Junts prefere um “governo de coerência soberana”.
Nas rebuscadas contas apresentadas esta segunda-feira por Carles Puigdemont em França, há algo que o líder do Junts parece interpretar como um facto consumado: que a ERC não se vai aliar ao PSC. Desta condição, o responsável político traça um cenário em que os partidos independentistas — Junts, Esquerda Republicana Catalã e ainda os quatro deputados dos independentistas de extrema-esquerda da Candidatura d’Unitat Popular (CUP)— se coligavam. Juntos, obteriam um total de 59 parlamentares — insuficiente, ainda assim, para uma maioria absoluta.
Na visão do líder independentista, o outro bloco capaz de levar a cabo uma investidura seria formado pelo PSC e pelo Comuns Sumar, mas estes dois partidos não vão além dos 48 parlamentares. Isto significa, de acordo com as contas do ex-presidente da Generalitat, que é o Junts que deve ter a iniciativa de formar governo. “Temos potencialmente mais opções de uma investidura numa segunda volta”, sinalizou o responsável político, o que significa que os socialistas ter-se-iam de abster na segunda volta da investidura de Carles Puigdemont. Na primeira ronda, é necessário haver uma maioria absoluta; já na segunda, basta que os votos a favor sejam superiores aos contra.
Tendo sempre como pano de fundo o voto contra da ERC e do Junts a um governo regional liderado pelos socialistas, Carles Puigdemont argumentou que um governo liderado por Salvador Illa teria de passar “necessariamente” pela abstenção do Partido Popular (que possui 15 deputados) e do VOX (que tem 11). “Temos de perguntar ao senhor Illa se o acordo de não aceitar a extrema-direita por ação ou por omissão continua a vigorar”, atirou.
Para já, Carles Puigdemont divulgou esta segunda-feira que começou os primeiros contactos com a ERC, ressalvando que um acordo entre as duas forças partidárias poderá revelar-se difícil. Para além disso, a estratégia é bastante arriscada e não está dependente apenas do Junts. Insiste, sem embargo, no argumento de que a “distância que existe entre o PSC e o Junts não é maior da que existe entre o PSOE e o PP no Congresso” dos Deputados.
Outra ameaça que tem pairado no ar prende-se com a possibilidade de que, se o PSC tiver êxito na investidura do governo catalão, Carles Puigdemont deixa cair o governo em Madrid, sendo que Pedro Sánchez está dependente dos sete deputados do Junts para continuar a governar. Contrariando algumas declarações iniciais na campanha, o líder do Junts assegurou esta segunda-feira não tira o tapete ao PSOE, se os socialistas se unirem à ERC ou ao Comuns Sumar.
No entanto, deixou o aviso de que se houver uma “aliança contranatura” não hesitará em deixar cair o executivo nacional. Carles Puigdemont aludia à possibilidade de o PSC precisar nem que seja da abstenção do PP ou do VOX para governar na Catalunha: “Não ameaçamos Sánchez com o fim da legislatura se as esquerdas se unirem, mas sim se houver jogo sujo, como [o PSC] apoiar-se no PP ou no VOX. Aí, não podemos continuar”.
E o presidente do Junts recordou o que aconteceu na autarquia de Barcelona, em que o PP permitiu a investidura do candidato socialista, Jaume Collboni, na sequência das eleições regionais de 2023. “Se o PSC abraçar o PP como na autarquia de Barcelona, deixaria de ter sentido o acordo que temos com o PSOE em Madrid”, avisou Carles Puigdemont.
Até ao momento, o Partido Popular não se pronunciou sobre se poderá dar a mão a Salvador Illa e permitir a investidura ao candidato socialista. Não obstante, uma coligação de bloco central nunca seria suficiente para que isso acontecesse, estando tudo dependente do VOX — e esta dependência do partido liderado por Santiago Abascal parece deitar por terra qualquer chance de acordo.
Como Sánchez tenta recolher os ouros da vitória na Catalunha — e capitalizá-la em próximas eleições
Tal como Carles Puigdemont, os socialistas querem governar e vão tentar uma investidura, celebrando um “novo ciclo” que, de acordo com as palavras de Salvador Illa, será “para todos os catalães, pensem o que pensarem, falem a língua que falarem e venham de donde vierem”. O PSC conta com o apoio garantido dos seis deputados do Comuns Sumar, mas está a tentar pressionar a ERC para apoiar a solução governativa.
“A ERC tem de fazer agora uma reflexão”, indicaram fontes do governo ao jornal El Mundo, questionando o futuro daquele partido: “Vai desistir, arriscar uma repetição eleitoral ao ir para a oposição, ou prefere tentar recuperar-se dentro de um governo?” Uma ‘nega’ dos republicanos catalães não seria o fim das ambições socialistas, ainda que seja mais difícil governar.
Como escreve o jornal El País, uma segunda opção passaria por um governo entre os socialistas e o Junts, mas Carles Puigdemont já veio negar categoricamente essa hipótese. Outra seria, pelo menos, conseguir a abstenção de outras forças partidárias numa segunda volta da investidura para conseguir governar — e aí, o leque é mais alargado, podendo passar pela ERC e pelo PP.
Neste contexto, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha, José Manuel Albares, defendeu esta segunda-feira que “há um mandato claro dos catalães e da sociedade para que Salvador Illa seja o presidente da Generalitat”: “É fundamental para a Catalunha e para Espanha”. Há, por este motivo, “legitimidade absoluta” para o socialista tentar a investidura, envergando a “bandeira do respeito, do diálogo e da convivência”.
Independentemente do que o PSC fará no futuro e se firmará algum acordo com os partidos independentistas ou à sua esquerda, o triunfo nestas eleições foi atribuído, inclusive por Salvador Illa, principalmente a Pedro Sánchez. “As políticas seguidas pelo governo de Espanha e pelo seu presidente, Pedro Sánchez” foram um dos motivos destacados pelo candidato do Partido Socialista da Catalunha para a vitória.
Com esta vitória, os socialistas pretendem demonstrar que a lei da amnistia foi validada nas urnas pelos catalães, dando luz verde à escolha pela “normalização” das relações com Catalunha defendida por Pedro Sánchez. Citada pela RTVE, a porta-voz do PSOE, Esther Peña, afirmou esta segunda-feira que o chefe do governo espanhol “tinha razão” e sabia de que “necessitava a Catalunha” para “virar a página” dos eventos relacionados com o referendo para a autodeterminação realizado em 2017.
A ideia de que existe uma reconciliação da Catalunha com Espanha, que terá ficado comprovada com estes resultados, poderá agora ser um trunfo eleitoral para os socialistas a menos de um mês para as eleições europeias. O PSOE espera igualmente que as críticas dirigidas contra a lei da amnistia diminuam substancialmente.
Adicionalmente, como nota o El País, esta campanha para as eleições catalãs ficou marcada pela presença quase ininterrupta de Pedro Sánchez na campanha, acabando por a dominar. Nos primeiros dias, o presidente do governo espanhol escreveu uma carta à cidadania, em que denunciava uma alegada campanha de assédio e começou um período de reflexão de cinco dias, em que ponderou se se demitia ou não. Acabou por permanecer no cargo e esse esforço acabou por ter um efeito positivo na campanha, tirando protagonismo a Carles Puigdemont.
Pedro Sánchez não se demite: “Decido continuar” com “mais força”
Nestas eleições da Catalunha, Pedro Sánchez obteve mais do que uma vitória nas eleições regionais. Os socialistas acreditam que receberam o aval dos catalães para a lei da amnistia, longe de ser consensual na sociedade espanhola. Cabe agora ao PSC a difícil tarefa de tentar governar a região. Inicialmente, terão de confrontar, nunca de forma hostil, Carles Puigdemont, que não baixa os braços e quer governar a região. Mas a chave está nas mãos da politicamente debilitada Esquerda Republicana Catalã, que pode, se mantiver o impasse, obrigar à realização de novas eleições na região.