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“Imagine um hotel onde todos querem ficar, mas os quartos estão cheios. Há duas opções: ou não se recebe mais hóspedes ou se põe duas pessoas em cada cama de solteiro.” O hotel não é um hotel, é antes uma faculdade, neste caso o Instituto Superior Técnico, em Lisboa. A comparação é feita pelo seu presidente, Rogério Colaço, que assim explica por que motivo não tem capacidade para receber mais alunos.
Não é o único. Em Coimbra, o diretor da Faculdade de Medicina não abriu nenhuma das novas vagas que podia — uma discussão à parte, mantendo-se um braço de ferro entre o ministro do Ensino Superior e a classe médica. Em contrapartida, na Universidade de Évora ainda é possível acolher alunos com o corpo docente existente, mas a reitora lembra que sem aumentar o financiamento a situação tende a complicar-se. Soluções inovadoras é o que procuram os politécnicos de Setúbal e do Cávado e do Ave que apostam em cursos híbridos e salas de aula fora do campus para responder à procura.
Nos últimos dois anos, houve um novo boom no número de candidatos ao ensino superior, como já não se via há 25 anos. E se há algumas instituições que ainda sofrem da quebra de alunos sentida nos anos da troika e da crise económica, outras há que não têm lugar para sentar todos os alunos se estes decidissem aparecer ao mesmo tempo na sala de aula.
Com o número de candidatos a aproximar-se dos 64 mil (em 2020 foram mais de 62 mil), o país assiste, de novo, ao cenário dos anos 1990. É preciso recuar a 96 para encontrar um número semelhante, quando havia quase 69 mil candidatos. No entanto, foi no ano anterior, 1995, que se bateu máximos históricos: mais de 80.500 alunos tentaram ingressar nos politécnicos e faculdades do país (e só 33.473 conseguiram). O recorde mantém-se.
“Haver mais estudantes no ensino superior é, em si mesmo, bom.” Eduardo Marçal Grilo, antigo ministro da Educação, expressa assim uma ideia que é partilhada por todos os professores ouvidos pelo Observador, ao mesmo tempo que lembra que o país tem um défice grande de formação académica. “Tudo o que possa ser feito para aumentar esses números, desde que possa ser feito dentro dos parâmetros de qualidade, é positivo.”
E, porque a questão é a qualidade, Marçal Grilo diz que nem todas as instituições estarão em pé de igualdade. “Há uma vontade de fazer mais e melhor. Agora, as universidades têm meios para isso? Umas têm, outras não. Há universidades que lutam com muitas dificuldades, que batalham com o número de docentes e há o problema de subfinanciamento crónico, um problema que existe em todo o mundo”, diz o presidente do Conselho Geral da Universidade de Aveiro, que está em fim de mandato.
Faculdades evitam overbooking. “Simplesmente não cabem”
Na instituição presidida por Rogério Colaço esta corrida sente-se todos os anos e as vagas são rapidamente ocupadas. Apontando a lupa ao curso de Engenharia Aeroespacial — no qual, em 2019 e 2020, todos os alunos entraram com mais de 19 valores — entende-se o argumento do professor e a imagem de um hotel que evita fazer overbooking. No ano passado, entre 673 candidatos, apenas 122 conseguiram lugar.
No seu todo, o Técnico está dimensionado para ter cerca de 8.500 estudantes e, este ano, já se aproxima dos 12 mil.
“Não temos capacidade para receber mais alunos. Neste momento atingimos o limite da nossa capacidade de resposta.” Um limite que é físico, mas também financeiro, explica o presidente do Instituto Superior Técnico. Para abrir a porta a mais estudantes, seria necessário mais salas e laboratórios. Seria preciso criar mais turmas, ter mais professores e mais técnicos administrativos. E seria preciso, em média, mais 60 mil euros por ano por cada professor novo.
“Para receber mais alunos fizemos uma espécie de trabalho de relojoeiro, para ver em que cursos podíamos ter mais”, conta. O resultado foram mais 75 vagas, quando o aumento extraordinário aprovado pelo Ministério do Ensino Superior lhe dava a possibilidade de criar mais de 320, o que poderia significar custos na ordem dos 650 mil euros. A qualidade do ensino, que poderia decair com salas demasiado cheias, não foi determinante. “Nem chegamos a esse ponto. Simplesmente não cabem. Não posso ter cada aluno sentado em meio estirador ou ter oito numa bancada que só tem lugar para quatro”, argumenta Rogério Colaço.
Nunca houve tantos diplomados em Portugal. 86 mil estudantes acabaram o ensino superior
A reitora Ana Costa Freitas não sente o mesmo problema. Na universidade que dirige, a de Évora, o decréscimo de estudantes foi grande até 2014, na sequência da crise económica. “Desde então temos subido bastante o número de alunos e, para já, não temos necessitado de mais corpo docente.” Entre salas vazias ou salas cheias, a reitora não hesita em escolher a segunda opção. “É mais eficiente termos mais alunos por curso do que menos.”
Apesar de não lutar com dificuldades no imediato, nem ter falta de cadeiras para sentar alunos, Ana Costa Freitas defende que ter mais estudantes devia ser sinónimo de maior financiamento, uma opinião partilhada pelos reitores, em geral. Mas as dotações orçamentais estão fechadas e as instituições sabem que só podem contar com um aumento de 2% ao ano das verbas que chegam do Orçamento de Estado. “Há um subfinanciamento crónico no ensino superior, mas não são mais 100 alunos que nos vão impossibilitar de garantir a qualidade do ensino na Universidade de Évora”, sustenta a reitora.
Nos anos 1990, até ao pico em 1995, o número de candidatos era mais do dobro dos lugares que abriam no ensino superior. A partir daí, o rácio de vagas versus candidatos que andava, em média, nos 47% começou a subir. Em 2001, pela primeira vez, aconteceu algo inédito: houve mais vagas do que alunos e o rácio chegou aos 101%. A tendência manteve-se ao longo das duas primeiras décadas do século XXI: o padrão passou a ser haver mais lugares disponíveis do que candidatos e, nas poucas vezes que os estudantes foram mais, superaram os lugares vazios por muito pouco.
Agora, a inversão de marcha está à vista. Desde 2018 que o número de candidatos mantém a subida, acelerada durante a pandemia. Este ano e no ano passado, o rácio desceu para 81% e 82%, respetivamente, sendo preciso recuar até 2000 para se encontrar valor semelhante (89%).
Embora o aumento de candidatos esteja fortemente ligado às novas regras de exames criadas para lidar com a pandemia, e que ajudaram a média dos exames nacionais a subir, a presidente do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave não tem certezas absolutas que esse seja o único fator. “Achamos nós que é da pandemia. Nos próximos dois anos vamos ver se há mais gente convencida em seguir para o ensino superior”, diz Maria José Fernandes.
Também Mariana Gaio Alves, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), afirma que este aumento de candidatos era expectável. “Estamos a assistir à concretização do aumento da escolaridade obrigatória, e embora ainda estejamos a perder uma parte desses jovens, cumprir a escolaridade até ao 12.º ano ajuda a que mais estudantes queiram prosseguir com os estudos.”
O aumento leva a uma diversificação cada vez maior da origem dos alunos, e a professora deixa um alerta: “Quanto mais se alarga a base, mais diversos são os estudantes, com percursos escolares diferentes. É preciso diversificar os métodos pedagógicos e a oferta para se chegar a todos.”
Para o presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, a grande procura deve-se à convicção de que vale a pena apostar no ensino superior, uma ideia que nem sempre existiu na sociedade portuguesa. Apesar disso, Fontainhas Fernandes pensa que a procura tende a estabilizar. O motivo? A esperada quebra demográfica. “Vamos assistir a uma enorme queda no número de jovens de 20 anos e esse esvaziamento demográfico vai, de certa forma, compensar o número crescente de candidatos ao ensino superior.” Por isso mesmo, o antigo reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro acredita que o número de candidatos acabará por estabilizar.
Estratégia dos politécnicos: fugir do campus e das salas de aulas
No Instituto Politécnico de Setúbal as aulas chegam a ser a mais de 100 quilómetros de distância da cidade banhada pelo Sado. Ponte de Sôr, Grândola, Sines, Amadora e Loures são as regiões a que a instituição dirigida por Pedro Dominguinhos chegou, através de protocolos assinados com as câmaras municipais. A estratégia é evidente: ter salas de aulas onde os alunos se encontram.
Também o Politécnico do Cávado e do Ave, liderado por Maria José Fernandes, tem espaços em Braga, Guimarães, Esposende e Vila Nova de Famalicão, quatro cidades a meia hora de distância do campus de Barcelos, se a viagem for de carro.
Para chegar a todos os estudantes que os procuram, a solução é deslocalizar a oferta, explica Pedro Dominguinhos, também presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). O exemplo são os CTeSP — os cursos de técnico superior profissional que são formações de curta duração —, cuja procura tem aumentado bastante nos últimos anos. “As formações de curta duração estão ligadas ao ensino de proximidade e, por isso, faz sentido fazer-se essa deslocalização. Temos 34 CTeSP fora de Setúbal. É uma resposta que estamos a dar às populações e vamos continuar a crescer”, explica o professor.
Espalhar-se pelos municípios vizinhos não basta. Por vezes, a estratégia é a de ter a sala de aula na casa do aluno ou numa empresa e Pedro Dominguinhos aponta a necessidade de ter cursos acreditados com muito menos horas presenciais. “Os cursos têm demasiadas horas de contacto quando os espaços de aprendizagem são cada vez menos nas salas de aulas”, argumenta. Parte desse tempo pode ser feito em ensino à distância ou até mesmo nas empresas que têm parcerias com as instituições de ensino superior. Esta modalidade, diz, é importante para os alunos que saem agora do ensino profissional — os candidatos naturais aos CTeSP — e também para alguns adultos, inseridos no mundo do trabalho, e que querem prosseguir com os estudos.
“Temos de ir ao encontro do público-alvo, jovens e adultos. Não é possível estar no mercado de trabalho e fazer um mestrado que tem aulas presenciais cinco dias por semana”, defende. Pedro Dominguinhos acredita que há abertura da A3ES, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, para acreditar cursos híbridos, algo em que o Politécnico de Setúbal está a apostar, reestruturando cursos nesse sentido. Alguns estão em fase final de aprovação.
Outra forma de poder receber mais alunos é aumentando o espaço físico. O Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) é disso exemplo e cresce em várias direções, numa “estratégia de crescimento associada à qualidade”, diz a sua presidente. Se há 25 anos tinha apenas 75 alunos e não tinha um edifício próprio, agora tem um terreno com mais de 32 mil metros quadrados, fruto de uma parceria com a câmara, onde irá nascer o Barcelos Collaborative Research and Innovation Centre. Para além desse espaço dedicado à investigação, haverá lugar para um auditório de 500 lugares, uma residência universitária com 130 camas e um espaço multiusos.
No ano passado, o IPCA ofereceu 715 vagas e ocupou 706 na 1.ª fase do concurso nacional de acesso, um recorde da instituição. No total, recebeu 3.810 candidaturas.
O caminho do futuro é simples. “As instituições têm, naturalmente, de se ajustar para receber mais alunos”, diz Maria José Fernandes, lembrando que nas candidaturas ao Plano de Recuperação e Resiliência as instituições de ensino superior assumiram um compromisso — “formar mais pessoas”.
No imediato, e com aquele que é, no fundo, um financiamento extraordinário para um momento extraordinário, acredita que as instituições vão ter condições para formar mais gente e dar resposta à procura crescente. “Neste caso, estamos a falar de um objetivo muito concreto, com meta em 2026. Paralelamente há necessidade de continuar a apostar no ensino superior”, diz a presidente do IPCA, através da contratação de mais professores e criando mais espaços.
Ao abrigo do PRR já foram lançados dois concursos, dirigidos ao ensino superior, para aceder aos fundos europeus e que somam mais de 250 milhões de euros — o Programa Impulso Jovem STEAM e o Programa Incentivo Adultos. Entre as despesas elegíveis estão a contratação de recursos humanos, docentes incluídos, construção de infraestruturas ou bolsas para alunos. O montante do apoio a conceder por candidatura pode variar entre 2 e 40 milhões de euros para o período 2021-26.
Com mais alunos a querer entrar, a solução tem de passar pelos dois lados: mais vagas nas instituições e criação de novas faculdades e politécnicos. “As duas soluções são positivas”, diz Mariana Gaio Alves. No entanto, diz que é preciso evitar que as novas vagas se concentrem no mesmo sítio até porque esse é um desafio das famílias que residem longe das instituições de ensino superior e não conseguem suportar os custos.
O problema da Medicina. “Não queremos formar médicos indiferenciados”
Medicina é um caso à parte. Carlos Robalo Cordeiro, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, tem uma posição semelhante à que já foi expressa pelo Conselho de Escolas Médicas Portuguesas. Não há condições para formar mais médicos em Portugal e os motivos são vários: instalações para lá do limite, rácio inadequado de alunos por professor e o número crescente de médicos que, depois de terminado o curso, não conseguem aceder às vagas de especialidade. Estas são abertas pelo Ministério da Saúde com base na capacidade de formação de cada hospital, ou seja, no número de médicos especialistas disponíveis para acompanhar a formação dos colegas.
Em Portugal, há oito mestrados integrados em Medicina em universidades públicas e dois ciclos básicos na Madeira e nos Açores, finalizados no continente. Este mês, abriu ainda o primeiro curso privado na Universidade Católica para 50 alunos. “As 8 faculdades são em número suficiente, se pensarmos que a Alemanha tem 42 para mais de 80 milhões de habitantes”, afirma Robalo Cordeiro, que defende que a aposta deve ser em melhorar os meios disponíveis, humanos e de tecnologia, nas escolas que existem.
“Formar médicos é uma grande responsabilidade e temos de os formar com os melhores meios possíveis. Há défices que têm sido repetidamente assinalados e que não estão a permitir um ensino com a qualidade que se desejaria”, defende o diretor da Faculdade de Medicina de Coimbra, lembrando que dos alunos que saem das faculdades, há 400 ou 500 que não são absorvidos pelo sistema. “Não queremos formar médicos indiferenciados que ou vão fazer tarefas avulsas ou vão para o estrangeiro”, acrescenta.
O ministro Manuel Heitor tem insistido na necessidade de abrir mais vagas em Medicina, mas as faculdades têm rejeitado fazê-lo, apesar de nos últimos dois anos terem tido luz verde para criar mais lugares. Mais recentemente, o ministro do Ensino Superior disse desejar ver a abertura de três novas faculdades de Medicina em Portugal até 2023. Um dos seus argumentos principais tem sido a falta de médicos em Portugal, algo que a classe médica contesta.
No Técnico, o presidente Rogério Colaço é o primeiro a dizer que faltam engenheiros em Portugal e que era importante formar mais, não faltando jovens com essa pretensão. Em Medicina, a questão não é vista da mesma forma, já que os médicos defendem que não há falta de mais profissionais no país.
“Somos o terceiro país da OCDE com maior número de médicos por mil habitantes. Podemos dizer que há uma má repartição de médicos no país, que há especialidades que têm défices, mas o que é preciso é perceber por que motivo o SNS deixou de ser atrativo”, concluiu Robalo Cordeiro.
Em 2020, 1.985 estudantes candidataram-se ao curso de Medicina em Coimbra. Entraram 256.
Universidades obrigatórias, sem propinas ou com mais bolsas de estudo?
“A única coisa que Portugal não pode desperdiçar é o seu talento”, afirma Rogério Colaço, presidente do Técnico. “Temos a sorte de ter uma geração muito talentosa, fundamental para o crescimento do país, com muita apetência para as competências necessárias para a transição digital e a transição climática.”
Neste ponto, todos estão de acordo. É preciso aproveitar o número crescente de alunos. “Com um curso superior, as pessoas têm melhores condições de vida, são mais felizes, têm melhores empregos. E nós temos estes dois desafios: trazer ainda mais jovens para o ensino superior e os adultos que já estão no mercado”, reconhece Maria José Fernandes, presidente do IPCA.
Chamá-los é importante, mantê-los nas instituições também. “Claro que este aumento de estudantes pode vir a engordar as taxas de abandono. É importante que não esbarrem com obstáculos que os desmotivem”, diz Mariana Gaio Alves. A sua receita? “Modificar as condições, como o método pedagógico, o rácio professor aluno… É fundamental analisar a situação e traçar um plano para responder à procura, porque temos de saber aproveitá-la.”
Inversão de marcha. Número de universitários que abandona curso no 1.º ano aumenta com a pandemia
Para isso, e para angariar outros candidatos, poderá Portugal pensar em tornar o ensino superior obrigatório ou torná-lo gratuito, suportado pelo Estado? As duas opções acabam por estar ligadas, já que para tornar a frequência obrigatória era necessário ter uma rede pública capaz de absorver todos os candidatos. A solução mais apontada é a aposta em bolsas de estudo para quem precisa.
“Ninguém deve deixar de estudar por não ter condições financeiras.” A frase, ipsis verbis, é dita por Marçal Grilo, Rogério Colaço e Maria José Fernandes e é hoje, como lembra o antigo ministro da Educação, quase um mantra entre os dirigentes de universidades e politécnicos.
Para Rogério Colaço, um ensino superior obrigatório não é caminho — deve ser sempre uma opção das pessoas, até por estarmos a falar de adultos —, e a gratuitidade só é possível em países muito ricos. “No caso de um país como Portugal, com uma dívida externa enorme, não me parece possível.” Mesmo que fosse, prefere a solução de bolsas de estudo atribuídas a quem não tem condições financeiras.
“Parte dos custos de formação deve ser assumida por quem vai beneficiar das vantagens de ter um curso superior. Não é justo ser diluído por todos os contribuintes. A redução das propinas tirou milhões de euros dos cofres do Estado porque as instituições tiveram de ser compensadas. Esse dinheiro não caiu do céu, saiu de outro sítio”, argumenta o presidente do Técnico.
O valor das propinas máximas, que entre 2014 e 2018 estava nos 1.063 euros, tem vindo a descer, por opção do Governo que, em seguida, tem de compensar as instituições pelas perdas financeiras. Em 2019, o valor desceu para 871 euros e atualmente está nos 697.
A reitora da Universidade de Évora, para quem apostar no ensino superior é uma obrigação do Estado, preferia ter visto o dinheiro das propinas ser aplicado de outra forma, já que o que mais pesa no orçamento das famílias são outros custos. “O congelamento das propinas equivale a uma compensação de 50 milhões de euros. Esse dinheiro dava muito mais jeito em ação social, em bolsas, porque há quem não possa mesmo pagar para frequentar o ensino superior”, refere Ana Costa Freitas, lembrando os custos do alojamento. Em Évora, queixa-se, a residência universitária só tem 527 camas para mais de 8 mil alunos.
Também Marçal Grilo defende que o dinheiro público deveria ser usado de outra forma. “Mesmo nas situações de dificuldades financeiras, o problema das famílias não são as propinas, são as refeições, o alojamento… Quantos lugares poderiam ter sido criados de alojamento estudantil e não são por causa do congelamento das propinas?” Por isso mesmo, defende que a ajuda aos mais desfavorecidos deve ser feita através de bolsas, onde haverá menos injustiça.
“Não quero castigar as pessoas fazendo-as pagar propinas. Mas é injusto estarmos a usar dinheiro público para pagar propinas a quem não precisa de ajuda para pagar”, defende. Em 1997, enquanto ministro de António Guterres, Marçal Grilo foi responsável pela decisão de subir as propinas de seis euros para 283 euros, decisão muito contestada na altura.
“Temos muitos candidatos que escolhem um curso que não é o que queriam porque é mais perto de casa, em detrimento daquele que realmente gostariam de tirar. Precisamos de políticas de acesso, de políticas de apoio social. Abaixamento das propinas não é o caminho certo”, defende Marçal Grilo.
Quanto a um ensino académico obrigatório, Maria José Fernandes não estranharia que a decisão fosse tomada, embora não no imediato. “Sou do tempo em que era obrigatório o ciclo, depois o 9.º ano, agora o 12.º ano. Tendencialmente a população tem de ser formada. Acredito que vamos acabar por criar esta obrigatoriedade. Com que modelo? Isso não sei.”
Seja qual for o futuro, os números atuais são extraordinários, considera Rogério Colaço, recordando que 34% dos portugueses entre os 24 e os 32 têm licenciaturas e mais de metade dos jovens com 20 anos (53%) frequentam o ensino superior.
Outro dado divulgado pelo gabinete de Manuel Heitor é que, no último trimestre de 2020, a taxa de escolaridade do ensino superior entre jovens dos 30 aos 34 anos chegou aos 43%, ultrapassando, pela primeira vez, a meta da Estratégia Europa 2020: chegar, no mínimo, aos 40%.
Indicadores que levam Marçal Grilo a defender que a qualidade do ensino superior em Portugal é boa na maioria das instituições, estando algumas num patamar muito elevado. “O esforço que tem vindo a ser feito é muito meritório. Não é pela universidade que o país não progride. Ela dá o seu contributo”, conclui o antigo ministro. “Não nos devemos envergonhar do ensino superior que temos. Agora se me pergunta se está tudo fantástico no ensino superior… Não, não está nada tudo fantástico.”