A realização de festivais de música este verão em Portugal foi uma questão discutida ao longo das últimas semanas, sabendo-se esta quinta-feira, após o Conselho de Ministros, que existe uma proibição generalizada para este tipo de eventos até 30 de setembro.
“Foi aprovado a proposta de lei, a submeter à apreciação da Assembleia da República, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença Covid-19 no âmbito cultural e artístico, em especial quanto aos festivais de música. Neste contexto, impõe-se a proibição de realização de festivais de música, até 30 de setembro de 2020, e a adoção de um regime de caráter excecional dirigido aos festivais de música que não se possam realizar no lugar, dia ou hora agendados, em virtude da pandemia”, pode ler-se em comunicado.
A decisão está tomada, só falta a lei: não haverá festivais este verão em Portugal
Há pouco mais de uma semana, alguns dos principais promotores de festivais de música e concertos do país reuniram com o Governo para delinear uma decisão definitiva. Apesar de nem todos concordarem com ela, a proibição dos festivais tornou-se agora pública e sem surpresas. João Carvalho foi um dos promotores presentes à mesa com o Executivo. É fundador e diretor do Paredes de Coura, um dos festivais mais antigos do país, criado em 1993. Este ano estava marcado no calendário entre os dias 19 e 22 de agosto e tinha nomes no cartaz como Jarvis Cocker, Idles, Pixies, Mac DeMarco ou Ty Segall.
O responsável não foi surpreendido pela decisão do Governo, mas mostra-se triste com a situação e não esconde a preocupação relativamente ao futuro. “Este ano, mais do que nunca, precisávamos de estar juntos.” Ainda assim, João Carvalho recusa-se a perder o otimismo para encontrar soluções e a esperança de uma vacina que devolva a confiança ao público de frequentar este tipo de eventos. Entre chamadas a sócios, advogados e patrocinadores, falou com o Observador.
Estava à espera desta decisão do Governo?
Não fomos surpreendidos, como pessoas conscientes que somos, há vários dias que pensávamos nesta hipótese. Lemos notícias, sabemos o que se passa no mundo, não só no mundo em geral, mas no mundo da música em particular. A maioria dos festivais europeus foram cancelados no mês de agosto, portanto, fomos preparando e montando cenários. Não é propriamente uma surpresa. Não quero com isto dizer que não fique triste, porque mais do que nunca precisávamos este ano de estar juntos, de nos abraçar. O Paredes de Coura sempre foi o festival das relações, das cumplicidades, por isso é que lhe chamam o festival do amor. Este ano, transmitir amor é estarmos quietos, é o mais sensato. Estamos já a preparar uma edição histórica para 2021.
Vão conseguir manter o cartaz?
Posso dizer que já há alguns dias que preparamos este cenário, parece-me que vamos conseguir manter grande parte do cartaz e até me parece que a próxima edição será ainda melhor que esta, porque há mais oferta de bandas. Isto é, as bandas que estão em digressão em 2020 vão voltar a estar em 2021, porque não podem estar paradas, e depois há as bandas que tinham tours marcadas para 2021, que vão estar na estrada. Vai haver mais oferta e para mim o cenário ideal era manter o cartaz e melhorá-lo.
Os cabeças de cartaz vão manter-se?
Garantias ainda não há. Isto é ainda muito recente, é tudo muito novo. Embora nós andássemos já a sondar algumas bandas, ainda não temos respostas definitivas, mas está tudo muito bem encaminhado para mantermos parte substancial de todo o cartaz. O Paredes de Coura não vive apenas de cabeças cartaz, vive também das coisas novas, das surpresas e das bandas que se agigantam e que às vezes poucos conhecem.
Em março disse que esperava que em agosto o problema estivesse resolvido. Em abril afirmou que a única certeza que tinha era a incerteza. Manteve a esperança durante algum que o festival se realizasse?
Sim, no mês de março tinha essa convicção, a partir de meados de abril comecei a pensar que iria ser muito complicado fazer, daí termos começado imediatamente a traçar cenários em termos criativos e a pensar em alternativas. O festival faz-se no interior do país, com uma população envelhecida, portanto, mesmo quando acreditávamos, tínhamos sempre esse receio de o fazer e de contribuirmos para a alastrar a pandemia ou a doença a um concelho que até tem poucos casos. A verdade é que estamos a falar disto há dois meses, mas parece que estamos a falar disto há três ou quatro anos. O tempo passa muito rapidamente, todos mudámos de opinião muito rapidamente e todos fomos invadidos pela incerteza. Queríamos muito fazer o festival, mas sempre tivemos essa consciência. Sim, acreditei muito no mês de março, em abril comecei a achar que provavelmente ia ser muito complicado.
Que alternativas têm agora em cima da mesa?
Neste momento estamos a pensar em várias coisas, mas tudo depende da evolução da pandemia. Hoje em dia ninguém se quer comprometer com nada, cabe-nos pensar em fórmulas e em alternativas. Gostava imenso de fazer alguma coisa em Paredes de Coura no inverno, não sei se vai ser possível ou permitido, mas gostava de o fazer para manter Paredes de Coura viva na memória, para o celebrarmos e para ajudar um comércio local, que cada vez mais depende do festival para o seu sucesso financeiro a cada ano que passa. Não estou a comprometer-me com nada, isto não é uma proposta, é apenas um desejo. Gostava de fazer alguma coisa no inverno com outro conceito, em várias salas, é uma ideia e iria ajudar também as bandas portugueses, porque seria um cartaz essencialmente nacional. Não sei se isto vai ser possível, não é uma promessa, é uma intenção porque, obviamente, estamos todos a viver um momento triste.
Cálculo que seja muito dececionante.
Se fizer uma reflexão pelo meu passado, já não consigo lembrar-me de momentos felizes, tirando obviamente a família, sem estar ligado ao festival. Isto é uma coisa muito triste para todos nós que fazemos o festival consecutivamente há 27 anos. Éramos uns miúdos quando o começámos e é a primeira vez que isto nos acontece. Obviamente estamos invadidos por uma tristeza gigante, agora o mundo é cada vez um lugar mais estranho, temos de aceitar. Achamos de muito bom senso esta decisão do Governo.
Durante o encontro com o Governo, todos os promotores de festivais tiveram esta opinião?
Por norma não se conta o teor dessas reuniões, mas posso dizer que a grande maioria concordou que não se fizessem os festivais este ano. Sabíamos que havia um risco, porque o primeiro-ministro, a ministra da Saúde, a ministra da Cultura e o ministro da Economia nos elucidaram para isso mesmo, não que a gente desconhecesse a realidade, mas depois dessa conversa aceitamos essa posição e achamos que é uma decisão que nos entristece, que empobrece a economia, mas que é uma decisão sensata e com a qual concordamos em absoluto.
Quais são agora as vossas preocupações e prioridades relativamente aos cachets?
Os festivais têm despesas durante todo o ano, há uma série de funcionários e empresas que são contratadas e, claro, há cachets que são pagos. Quando se contrata uma banda, normalmente pagamos 50% do cachet e isto é um problema financeiro que vamos tentar contornar da melhor maneira. Estamos todos a trabalhar nisso, mas é tudo ainda muito recente. Neste momento, temos uma grande preocupação em mãos e estamos a tentar resolver.
O Governo prevê a emissão de um vale de igual valor ao preço do bilhete de ingresso pago, garantindo, assim, os direitos dos consumidores. O que é que isto quer dizer?
A maioria dos países da Europa estão a tomar essas medidas de voucher, não é uma medida portuguesa, vai de encontro a políticas europeias.
Será um reembolso dos bilhetes?
Não. Esta é uma decisão que ainda será discutida na Assembleia da República, mas,, à partida é uma garantia que o bilhete é válido no próximo ano.
Quantos bilhetes já tinham sido vendidos para esta edição?
Tínhamos cerca de nove mil bilhetes vendidos. Faltavam ainda muitos meses, por isso a perspetiva é que tivéssemos as 25 mil pessoas do ano passado. As vendas estavam até ligeiramente acima do ano passado.
Algum artista já tinha cancelado o concerto?
Estávamos em contacto constante com os artistas, perguntavam-nos como estava a situação em Portugal e qual era a nossa ideia. Nenhum deles cancelou o concerto, antes pelo contrário. Já com a pandemia em curso, em meados do mês de março, anunciámos o Jarvis Cocker, quando ainda acreditávamos que podíamos fazer tudo o que tínhamos planeado.
Acredita que no próximo ano o público, tanto português como estrangeiro, irá recuperar a confiança de frequentar eventos com grandes aglomerados de pessoas?
Se eu era otimista em abril, mal seria se não estivesse otimista daqui a um ano. Sinceramente, espero que sim. Neste momento, não temos a união mundial que todos pretendíamos no combate à pandemia, temos alguns líderes a pensar de forma muito diferente, não promovem sinergias e não têm tido um comportamento de união. Mesmo assim, há muita gente a trabalhar para que seja descoberta uma vacina e um tratamento, por isso espero que seja uma questão de meses e que para o ano haja essa confiança e nos possamos abraçar e comemorar a música.