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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

João Pedro Galveias, o RTP Lab e a RTP Play: "Não sei onde vai poder passar melhor uma noite, se na nossa plataforma, se na Netflix"

Em entrevista, João Pedro Galveias fala de um possível algoritmo de serviço de público, do potencial ainda não atingido no campeonato do streaming e da agilidade que o canal precisa.

João Pedro Galveias, diretor dos Conteúdos Para Público Jovem (desde outubro de 2023) e dos Serviços Digitais (desde 2014), tem um cargo com um nome pomposo que contrasta, em absoluto, com o seu discurso descontraído e pragmático. O Observador conversou com ele, uma semana depois de terem sido apresentados novos títulos títulos do RTP Lab, laboratório que, desde 2016 (o ano passado não aconteceu), ajudou a criar 24 projetos de baixo orçamento como Frágil ou Casa do Cais. Portanto, tempo de balanço, sem falar de orçamentos nem da internacionalização destas obras.

Entre as novas apostas há aliens, saúde mental ou lugares de estacionamento repletos de histórias. E uma certeza: ao contrário do ano passado, em 2024, haverá nova consulta para os jovens criadores. Por outro lado, a consulta regular da RTP terá uma novidade que já está a ser preparada. A oportunidade do canal público em “aproveitar” projetos que mereçam estar na plataforma digital e de mais dinheiro do que os que saem do Lab e com menos do que séries maiores como Codex 632. Porque tal como o cargo indica, João Pedro Galveias acredita muito na componente digital do serviço público. “Vamos fazer projetos que estão num degrau acima. Há o degrau RTP Lab, há outro que é fazer conteúdos para públicos jovens e o grande objetivo já não é distribuir na RTP1, é nos canais digitais”, conta.

Apesar dessa crença, confessa nesta entrevista que a RTP Play “merece mais atenção”, tanto por parte do público como por parte do “ecossistema” dos média em Portugal. “A RTP Play tem dezenas de milhares de títulos. Nós estamos aqui para servir. A Netflix está para se servir das pessoas. Legitimamente e bem. Na nossa plataforma temos mais de 30 séries nacionais. Não sei onde vai poder passar melhor uma noite: se na nossa plataforma, se na Netflix”, alega. Contudo, não nega quando a insistência leva a uma conclusão real e, um tanto ou quanto, trágica: falta público e falta que aconteça mais vezes a possibilidade de ficar com a plataforma gratuita de streaming portuguesa em vez de ir parar ao algoritmo netflixiano. Por falar em algoritmo, já se fala num de serviço público. E o que será? Já se começa a estudar, mas João Pedro Galveias ainda não tem uma definição clara. Tudo a seu tempo.

Quanto aos jovens, outra das prioridades da RTP (RTP Arena, Whatsapp, Twitch) garante que foi criado um gabinete dentro desta área do canal público para se dedicar a essas camadas da sociedade portuguesa mas não se atravessa, com clareza, sobre que tipos de conteúdos poderão estar para vir. É ainda cedo. “Não estamos a fazer conteúdos específicos para as redes sociais. Queremos um framework de agilidade e rapidez, porque os públicos alteram os seus hábitos de consumo rapidamente. Uma empresa da RTP, com o seu peso e história, onde há dificuldade nessa agilidade, tem de perceber o que se passa, agir rápido e depois voltar ao início do processo”. Agilidade nos conteúdos e na própria empresa porque o serviço público, se quer continuar em campo, tem de saber marcar golos no audiovisual internacional.

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"Emília", de Filipa Amaro, e "Meu Sangue", de Tota Alves e Vitor Ferreira

O que é hoje o público jovem para a RTP?
Em alguns aspetos é um pouco desconhecido, o que é um problema. Tradicionalmente, a RTP tem tido uma relação muito forte com uma franja do público jovem, que é o que vai até aos 12 anos, com marcas com o Zig Zag, muito bem estabelecidas. Todos crescemos a ver os bonecos da RTP, séries como o Verão Azul ou Os Pequenos Vagabundos, fazem parte do imaginário da nossa juventude. Também temos agora o Zig Zag Play, a rádio Zig Zag. Dos 10 aos 12 anos é um buraco negro, dos 12 anos até à vida adulta, sendo certo que os públicos jovens vão até aos 24 anos, é, de facto, difícil definir. Mas não só para a RTP, para todos os media em Portugal. A não ser operações mais dedicadas às redes sociais que conseguem ter retorno comercial e estar presente na vida deles. Não há operações organizadas muito fortes mas há marcas com um foot print grande. Temos tido alguma dificuldade em manter-nos aí. Agora, na nova reestruturação que aconteceu na RTP, foi criado um grupo para trabalhar esses públicos de forma mais estruturada.

Em que sentido?
Em todos. Por um lado, há uma série de produtos generalistas que conseguem atingir vários públicos. O Taskmaster percorre uma série deles, tal como o Pôr do Sol. Depois, além da programação linear, é preciso ir até outras plataformas e conseguir criar uma narrativa de promoção para que as pessoas reconheçam esses produtos. Em segundo plano, que percebam que os produtos são originados na RTP. No serviço público que é delas. Por outro lado, talvez exista uma série de linguagens e metodologias de distribuição usadas por outro tipo de públicos que, nos últimos 15 anos, não estão nas nossas antenas de televisão.

Peguemos nessa ideia do “buraco negro”, teme-se que os mais novos estejam só dentro do Tik-Tok. Esse gabinete faria também esse trabalho?
Não estamos a fazer conteúdos específicos para as redes sociais. Queremos um framework de agilidade e rapidez, porque os públicos alteram os seus hábitos de consumo rapidamente. Uma empresa da RTP, com o seu peso e história, onde há dificuldade nessa agilidade, tem de perceber o que se passa, agir rápido e depois voltar ao início do processo. É o primeiro ponto nesta abordagem. Depois, o que queremos é servir esse público.

Como? Mais virados para o gaming?
Por exemplo. Temos a RTP Arena, desenhado para um determinado público, começando por distribuir na RTP Play e rapidamente percebemos que essa plataforma podia ter distribuição não linear, mas não estava preparada para essa área do gaming, porque tem chats e outras vertentes. Um dos maiores canais portugueses da Twitch é o da RTP Arena. Inicialmente estivemos mais na Esports, agora já temos uma transição mais genérica ao desporto. Tivemos transmissões de jogos da seleção nacional, de skate, de basquetebol, com uma linguagem distinta e adaptada àquele público.

A agilidade desse trabalho é mais ligada ao entretenimento.
A informação na RTP é uma missão das direções de informação. Não sei se tem ideia, mas o maior canal de jornalismo no Whatsapp é da RTP. Temos essas componentes digitais. Mas essa missão é na área de jornalismo.

Já conseguem dizer o que os miúdos gostam ou essa é a definição do buraco negro? Além do gaming, o que existe?
O trabalho que temos feito na RTP Lab, mais no início, em trazer histórias de gerações mais novas e executá-las, serve para trabalhar numa relação com esse público e, lá está, ver, analisar e agir. O ver é muito importante. Tem de haver um diálogo. Não é possível ditar, do alto de uma poltrona, de uma torre de cristal, o que vai acontecer. Estas gerações estão habituadas a ser interventivas e a ser ouvidas, a expressarem o seu interesse. É preciso ter esse mecanismo.  O mais importante é construir um framework em que seja possível acertar ou corrigir o produto.

"Queremos encontrar jovens criadores. Levantar as pedras e ver quem estava por debaixo. Ajudá-los a fazer os projectos. A partir daqui, a preocupação não pode ser a internacionalização. A escala destes projetos está limitada por serem low budget."

Mais investimento nesta área, então.
A RTP tem um determinado tipo de recursos e sobre isso fala o nosso Conselho de Administração, que até tem sido bastante vocal sobre este tema. Não vou entrar em discussões sobre como é que o dinheiro é distribuído, claro. O que posso dizer é que isto é importante, é uma missão da RTP. Estamos a alocar esforço nessa missão. Porque é que os jovens são importantes? Porque a RTP não é a casa dos velhos, é a de todos os portugueses.

Dantes havia muito essa ideia.
É a casa dos jovens. Dos mais velhos. De todos. Temos de conseguir chegar a estas pessoas que, ainda por cima, são o futuro.

Falando do RTP Lab, no Anuário do Setor de Produção Audiovisual em Portugal 2023 dizia-se que a ficção portuguesa está bem de saúde, mas um dos indicadores menos bom é não conseguirmos exportar os nossos conteúdos. A RTP Lab foi albergue de muitos dos novos protagonistas que vemos na ficção nacional, mas, e a nível de exportação? Foi possível ir até outros mercados?
O objetivo do RTP Lab não é exportar. É um muito concreto de atingir uma geração de criadores, que dificilmente mostra as suas histórias e as coloca em operação. Pode entrar no mercado de trabalho em projetos de algum fôlego, mas se quiser fazer ficção, tem de ir trabalhar em telenovela em vez de fazer outras coisas. Queríamos encontrar essas pessoas. Levantar as pedras e ver quem estava por debaixo. Ajudá-los a fazer os projetos. A partir daqui, a preocupação não pode ser a internacionalização. A escala destes projetos está limitada por serem low budget. Imaginemos um projeto que tem uma música associada: só para assegurar os direitos para o mercado A ou B, ou para poder vender a outros broadcasters, é uma diferença enorme no valor de direitos que vou ter de pagar. Quando estamos a funcionar com o objetivo de produzir para ter determinada escala, é preciso assegurar logo de início todas as condições e recursos para ter essa escala. Esse não era o objetivo.

Quantos projetos fizeram?
24.

Não haveria um ou outro que poderia ter tido essa escala?
Não digo que não tenham qualidade para isso. Os projetos estão na RTP Play e a maior parte deles está disponível para o mundo inteiro. Agora, falando da venda, para se vender é preciso assegurar uma série de coisas à partida. Para o fazer, é preciso um nível orçamental distinto daquele que um projeto como a RTP Lab tem.

Porque não se pensou num reforço das verbas para as produções? A segunda temporada de Casa do Cais teve mais dinheiro, sabendo que a primeira saiu do RTP Lab e a segunda já não.
Sim, a segunda já foi encomendada pela RTP1, sendo lá transmitida.

Isso não aconteceu muitas vezes.
Só a segunda temporada é que passou lá. Temos a ambição e, em conjunto com a área da ficção do José Fragoso, em criar uma outra linha de produção que não é a de grande fôlego que a RTP tem feito. A RTP é um dos grandes motores da ficção. Aliás, é o player principal. E isso se deve aos vários diretores, como o José Fragoso. A RTP está na maioria de todos os projetos de ficção nacionais. Essa é a marca: dar apoio à produção independente.

Mas sendo o player principal não deveria assegurar melhores condições para os jovens criadores?
Uma coisa é o Lab…

… mas no Lab, sim.
Não estou a dizer que não as vamos melhorar. Nem que vamos. Uma coisa é o Lab, que tem de ter a dotação certa para o que faz. Estamos a falar de primeiras obras. É uma prova de conceito. Muitas vezes é muito mais do que isso. Alguns destes projetos são muito bem feitos. E ainda bem. Dou sempre o exemplo da Filipa Amaro, que começou com o Frágil, fez o Emília e agora está a escrever a segunda temporada de Rabo de Peixe. Ou o caso da Tota Alves, que é das pessoas que mais escreve ficção nacional em Portugal.

A minha questão é o início das carreiras.
Foram 24 projetos que se iniciaram, o que é que está mal?

A série documental "A Conspiração" e "A Casa do Cais": "[as plataformas de streaming] Querem maximizar tempo de consumo. O nosso propósito nunca será esse"

O que está mal são as queixas que já recebi de produtores ou jovens criadores que consideram fazer muito com pouco, segundo as condições que o Lab lhes dá.
Para mim isso não é uma queixa. Ainda bem que conseguem fazer isso. Não digo que estamos a dar o conforto que desejaríamos. Estamos a dar o que é possível. Podemos equacionar que isso seja diferente.

Não vai acontecer para já?
Não lhe vou dizer. O que digo é: há um nível a seguir, onde já não é o Lab, é outra coisa.

Isso significa o quê?
Já estamos a encomendar séries dedicadas a um determinado público e especificamente para estarem na RTP Play.

A quem já fez séries com vocês?
Depende, é quem for.

Pode ser alguém muito novo ou muito velho?
São as séries que queremos fazer. Não as vamos dar a pessoas. Vamos fazer projetos que estão num degrau acima. Há o degrau RTP Lab, há outro que é fazer conteúdos para públicos jovens e o grande objetivo já não é distribuir na RTP1, é nos canais digitais. E isto fez parte da consulta de conteúdos normais, que saem daí e que podiam não ser produzidos.

É a primeira vez?
Já houve outros, como o Four Play, que entraram na esfera da RTP2. Mas nesta nova área de públicos jovens está a trabalhar com o da ficção para conseguir satisfazer essa necessidade.

Pode ir parar à grelha?
Pode ir, mas não é o objetivo principal. A RTP tem de entender que a sua programação é multicanal.

O que faz com que esses projetos mereçam a encomenda?
A consulta é analisada pelas áreas de gestão de conteúdos e, a partir daí, faz-se uma análise.

Quem são as pessoas que avaliam os projetos da RTP Lab, por exemplo?
As equipas de ficção, de laboratório da RTP e de públicos jovens.

E a consulta normal?
Também há documentários para avaliar, por exemplo, portanto é a equipa de conteúdos. Essa consulta é gerida pelo José Fragoso e a sua equipa. Nós não somos os drivers dessa consulta. Somos clientes.

Por uma questão de transparência, porque é que não consigo saber os orçamentos das séries do RTP Lab?
Não são públicos. Não é uma questão de transparência, não vou falar sobre orçamentos.

E projetos passados?
Não vou falar sobre orçamentos.

Se é um canal público, isso não deveria ser divulgado?
Isso é divulgado nos relatórios que o devem fazer. Na minha posição, não o vou fazer. Nem me parece que fosse bom fazê-lo.

Porquê?
Se é percecionado que até é alocado mais esforço do que o que está, de repente, ser possível fazer algo com um orçamento não tão adequado pode até nem ser bom.

Mas bom para os autores ou…
Bom para os autores não será de certeza.

Este ano apresentaram quatro projetos, já houve anos que foram seis. Podemos vir a ter dez? O número não pode aumentar?
Se os recursos forem os mesmos, menos existem para cada projeto. Vai depender. Só para o corrigir: não estou a dizer que vamos aumentar os recursos do Lab ou diminuir. Simplesmente estou a dizer que não lhe vou responder. Nem que vamos fazer quatro ou cinco. Não sei ainda.

"Na RTP Play podíamos fazer melhor em termos de números. Muita gente não percebe o alcance e a profundidade que a plataforma tem. Há pouco tempo lançámos a hipótese das pessoas se registarem, o que vai possibilitar ver a forma como as pessoas consomem os nossos produtos."

O ano passado porque é que não houve?
Foi uma questão da forma como a RTP processa a contratação destes projetos. Havia um tema para resolver durante o ano e optámos por não fazer essa consulta.

Que balanço faz deste projeto? Tiveram algumas comédia, por exemplo, algo que José Fragoso falou nos Encontros do Cinema Português deste ano, de que falta mais deste género no país.
Em 2016 lançámos a primeira consulta. O balanço é positivo porque quando vemos um produto como a Casa do Cais, novos tipos de humor, comunidades representadas, ou o caso da Filipa Amaro ou mesmo experiências como o Inquilinos, é positivo. Há um programa que faz parte do Lab, que é o O Meu Sangue, da Tota Alves e do Vitor Ferreira. É muito interessante como foi desenhado  e como conseguiu tratar aquele tema de perspetivas completamente diferentes. Tem estado a ser interessado. O facto de me fazer perguntas quer dizer que considera interessante.

Mais do que isso, diria que é importante. E a Academia RTP, nunca mais? De formação de jovens.
Já houve várias. A última edição terá sido há três anos, mas é gerido por outras áreas. Não tenho ideia de quando poderá haver uma nova. Não quer dizer que não vá haver uma proximamente.

Falando da RTP Play, é inegável que é uma ferramenta importante para o serviço público. Olhemos para os números: o que é mais relevante? O tipo de público alvo mudou muito? É também um buraco negro?
Há algum limite por causa da forma como estes sistemas funcionam, é difícil perceber quem está a navegar. Não há uma visão completamente precisa sobre demográficos. Sabemos a tipologia dos programas de maior sucesso da plataforma, desde o Pôr do Sol, o Taskmaster, o The Voice, as componentes de jornalismo também são muito consumidas, se bem que são diários. E diretos. A RTP Play não é só on demand. Podemos ter milhares de pessoas a assistir aos jogos da seleção nacional. Agora, a nível demográfico, não temos a visibilidade que gostaríamos.

Teve a progressão que queriam em termos de acessos?
É possível fazer mais. A RTP Play é uma plataforma que merecia mais atenção.

Por parte do público?
Sim. E do ecossistema de media em Portugal. Podíamos fazer melhor em termos de números. Muita gente não percebe o alcance e profundidade que a plataforma tem. Há pouco tempo lançámos a hipótese das pessoas se registarem, o que vai possibilitar ver a forma como as pessoas consomem os nossos produtos.

Como a Netflix.
E numa das próximas edições da RTP Play é no sentido da personalização. Aí vamos ter mais informação sobre padrões de consumo. Agora é preciso fazer mais do lado do produto.

De que profundidade está a falar?
Não é só o arquivo. Há o da RTP, que é uma coisa, outra é a RTP Play. Tem dezenas de milhares de títulos. Não sei onde vai poder passar melhor uma noite: se na nossa plataforma, se na Netflix.

É uma boa provocação.
Se for à Netflix e consegue ter dois ou três tipologias de conteúdos de muita qualidade, mas não tem a área documental, que é muito true crime. Aqui, não. Há documentários sobre as mais variadas temáticas. Temos muita ficção europeia, com um drive completamente diferente. Quando mostra a RTP Play a alguém, normalmente, a aceitação é muito grande.

Depois de mostrar, é mais difícil irem lá sozinhas.
Têm de conhecer. E fazer a ligação. A RTP tem de saber contar essa história, de que vamos além dos canais lineares.

Não é uma questão de conteúdo.
Também é. Se só temos conteúdos formatados para públicos que só veem televisão linear, não há correspondência.

E um público com uma relação de fricção com o seu próprio conteúdo. A RTP Play sofre com isso.
Se formos à plataforma, vamos ver mais de 30 séries nacionais. O documentário A Conspiração, todo disponível na RTP Play, é um conteúdo de grande fôlego, independentemente de dizer se há conteúdos bons ou maus para este tipo de distribuição. Há mesmo conteúdos incríveis.

Há algo que falte e que seja difícil recuperar?
Da RTP?

Sim.
Temos dificuldade com conteúdos mais antigos como quisemos colocar alguns registos de espectáculos nacionais na RTP Palco. Não entrando em detalhes, tivemos dificuldade em garantir esses direitos. Em alguns casos não conseguimos mesmo.

A plataforma de cinema Mubi, por exemplo, faz coleções de filmes na sua plataforma. Porque não voltar a formatar a página?
Pode ser por aí.

Estamos a bater bolas, no fundo.
O que quer dizer a personalização? O CEO da Netflix, Greg Peters, dizia recentemente que muitos dos concorrentes deles, como a Prime ou a Disney, nem sequer têm personalização, o que é estranho. Ele tem mecanismos de análise em tempo real de cada um dos clientes. Tem mecanismos em tempo real de cada conteúdo. Consegue fazer um match em tempo real e fornecer dados. O que é uma coleção, então? É automática?

Uma curadoria, por exemplo.  Mas isto também está relacionado com pagamento de subscrições.
Mas isso é comprar contexto.

"A abordagem tem de ser multigénero. Não é só uma coisa ou só outra. Não sei se há maior apetência por comédia nos jovens. Existe uma série de conteúdos com grande sucesso numa camada jovem"

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Certo, a RTP Play não tem essa lógica.
Do ponto de vista do utilizador, quando chega, do que está à espera? O que espera da Netflix? É quase nem pensar. Ter séries que podem ser interessantes e podem nem acertar. O thumbnail pode não ser o certo para, mas o conteúdo sim. E nunca mais vemos essa série. Será uma margem de erro com que a Netflix vive bem. Querem otimizar os minutos vistos por dia. E nessa conversa do CEO da plataforma, diz-se mesmo que dormir é competição. Querem maximizar tempo de consumo. O nosso propósito nunca será esse. O serviço público tem de dizer, a certa altura, à pessoa para se ir deitar porque são três da manhã. Um algoritmo de serviço público podia ser isso, não sei, estou a inventar. Temos andado a falar muito sobre isso na EBU (União Europeia de Difusão), de o que pode ser um algoritmo que sirva o serviço público. Como se aplica, o que é preciso ter.

Como é que isso se vai fazer?
Obedecendo à lei. É a única maneira. Quando oiço essa expressão fico tranquilizado, quando oiço Tik-Tok ou Instagram, já não.  Um algoritmo de serviço público implica uma empresa de serviço público com uma série de obrigações para com a sociedade, dentro da lei e de um determinado mercado. Já quanto às outras plataformas, sim, são regulamentadas, mas nem se sabe bem como.

Está então a ser estudado?
A EBU tem tido essa discussão na qual a RTP está incluída. Faço parte do comité digital da EBU, sou o presidente. Há um grupo que decorre desse comité, que estuda as plataformas do serviço público. E falamos disso: como programar os conteúdos que vamos mostrar aos utilizadores. Se queremos personalizar, temos de ter uma componente automática. Esse algoritmo tem de ter princípios de serviço público.

Um “bom algoritmo”?
Não é isso. O algoritmo é o que cumpre os propósitos. Recebe uma série de instruções para um propósito, que é diferente entre uma empresa comercial e o serviço público. A primeira usa a nossa atenção para conseguir dinheiro, a segunda tem meios para fazer o serviço.

E também precisa de dinheiro.
Para ter meios para servir o público.

E o público dá dinheiro como contribuinte. Pedir uma subscrição para a RTP Play seria a morte do serviço? 
Neste momento não é um tema. A RTP Play faz parte do serviço da empresa como um todo. Isso não está em cima da mesa.

Será difícil captar a atenção para a RTP Play com uma presença tão forte do streaming em Portugal. Até no desporto, que agora vai passar a ser transmitido como o ténis ou os Jogos Olímpicos. É um problema para a plataforma?
Temos pessoas dedicadas só ao desporto. A RTP Play, dentro da sua estrutura, é uma série de canais da RTP Desporto, onde transmitimos centenas de transmissões por ano de desportos, de futebol feminino a canoagem, ginástica, tudo o que poderá pensar. Futebol de praia, ski, o que fizer sentido. Agora, este é o último ano do paradigma anterior dos Jogos Olímpicos. A seguir a abordagem vai ser diferente. Se for ver o Europeu, está muito clássico ainda: direitos televisivos free to air, direitos em canal temático e não entrou nenhuma plataforma. Se a Eleven europeia tivesse comprado, podia ter sido um tema. Continua a haver obrigações de janelas para grandes eventos para canais generalistas. Está na lei. Há eventos de interesse público. É uma obrigação do mercado. Agora, não sou a pessoa indicada para falar de desporto.

A minha pergunta era mais genérica. O streaming rouba público à RTP Play.
Mas a nível de desporto isso não acontece em Portugal. A Max vai transmitir o Wimbledon e o Roland Garros, em conjunto com a Eurosport. Sim, vamos ver concentração de direitos. Agora, free to air, ainda não existem plataformas nesse sentido. A RTP Play está sempre preocupada com o mercado. A RTP está aqui para servir. A Netflix está para se servir das pessoas. Legitimamente e bem.

Pôr do Sol foi um sucesso de audiências. É difícil prever uma repetição desses números.
Não sei. É um objetivo ter este tipo de produtos, claro. Agora, se é repetível? Não sei. Pode ser que sim.

É uma pergunta ingrata.
Os números foram interessantes por uma série de fatores.

Devíamos apostar mais em comédias? José Fragoso acredita que sim. Mas trabalhar para um público jovem não permite pensar só numa linha editorial.
A abordagem tem de ser multigénero. Não é só uma coisa ou só outra. Não sei se há maior apetência por comédia nos jovens. Existe uma série de conteúdos com grande sucesso numa camada jovem que não tem nada a ver com comédia, como o Euphoria. Os ponto-chave são ver, escutar, entrar em diálogo e ajudá-los a ser o espelho de uma geração.

Vamos à música. A RTP passa concertos, promove e trabalha a Eurovisão. Pensando no futuro, veremos outras abordagens?
A música é fundamental nos mais novos. Ainda há duas semanas estivemos no Primavera Sound a transmitir grande parte dos concertos. No NOS Alive vamos ter conteúdos específicos para este tipo de público, sendo um festival generalista. No Iminente, há dois anos, estivemos com a RTP Palco. A ligação tem de ir além disto. Com a área de música e artes performativas estamos a pensar em mecanismos para acompanhar os artistas e a comunidade à volta dos artistas.

É extra evento?
Queremos ir além dos eventos. Queremos estar na música. A Antena 3 tem vários produtos dedicados a bandas emergentes com quem trabalha. Esse tipo de trabalho pode ser ainda mais aprofundado.

"Um algoritmo de serviço público implica uma empresa de serviço público com uma série de obrigações para com a sociedade, dentro da lei e de um determinado mercado. Já quanto às outras plataformas, sim, são regulamentadas, mas nem se sabe bem como."

Quanto ao Livro Branco da RTP, onde se pedia ao serviço público que trabalhasse mais a digitalização do canal. O que achou?
É uma excelente ferramenta de consulta feita por várias pessoas com contributos generosos. O tema da digitalização é mais complexo. Houve uma grande revolução nos media que começou no final do século passado que foi a digitalização, que é o motor para uma transformação total. Não é só digital. É tudo. Ao nível dos fluxos de conteúdos, tecnologia, sistemas de contratação. Se essa transformação de media na RTP acontece? Não tenho a certeza. E por aqui há muito a fazer. Quando se apontam caminhos para aprofundarmos a transformação, faz sentido olhar para isto. Para conseguirmos a tal agilidade de que falava no início. O Observador, que é nativo digital, já terá. Nasceu depois dessa transformação, a RTP não. É preciso fazer esse processo e muita coisa já está feita. A RTP Play, não puxando a brasa à minha sardinha, é uma das melhores plataformas de streaming em Portugal.

O que é necessário fazer? Um exemplo.
Era importante que a empresa fosse ágil, mas para o ser tem de se transformar e condições para o fazer. Tem a ver com o pacote legislativo, com contratos de concessões, e aí teremos agilidade para olhar para outro tipo de públicos.

Tem um horizonte temporal?
O plano está em marcha.

Leva muito tempo.
O plano é fazer. Não acaba. Quando digo que é preciso ser ágil a entregar, é também sobre transformar o que entregar.

O que quer dizer com o ágil?
É rapidamente agir sobre um problema. Como é que chego a um determinado público. Vou testar, analisar, ver reações do público. Transformo e volto a lançar.

A inteligência artificial entra nessa agilidade da RTP? Ou é um tema sensível?
Não é um assunto sensível. Podemos falar de tudo.

Na área de jornalismo, sim.
Já está a fazer um filme complicado. Mas, bem, a inteligência artificial vai estar em tudo à nossa volta.

É algo importante? Vê com bons olhos?
É uma oportunidade espectacular. Não usou nada?

Não.
Vai ver que tem grandes potencialidades. Claro que também abre questões por resolver. Mas isso é a história da nossa vida. Grandes invenções, grandes desafios. Não sei se as empresas de media estão já preparadas. Vai além das aplicações. Vamos estar numa relação com as máquinas. Aí é que começam os problemas.

Enquanto espectador, vê mais conteúdo para jovens? O que é que vê? Tem tempo?
Tenho, tenho. Gosto de histórias bem contadas.

É uma pergunta chata.
Pode ser um bom jogo de ténis ou o The Last of Us, que só vem para o ano. Vejo tudo.

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