A procissão ainda vai no adro. Apesar dos recente sinais dados por Mário Centeno de que está disponível para entrar na campanha presidencial, estreitando o caminho para quem se quisesse intrometer na luta, Augusto Santos Silva não estará disposto a abandonar tão cedo uma corrida que, nunca tendo confirmado, nunca rejeitou verdadeiramente. E mesmo com sondagens consecutivamente pouco animadoras, o antigo presidente da Assembleia da República ainda não colocou completamente de parte a ideia de ser um dos protagonistas na luta pela sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa.
Depois da entrevista de Mário Centeno ao Expresso, que foi genericamente interpretada como uma forma de o antigo ministro das Finanças se posicionar como candidato presidencial, seria de esperar que outras figuras do PS se encolhessem e se retirassem do jogo — sobretudo aquelas que representam uma ala mais ao centro do partido. No entanto, vão avisando alguns socialistas, é ainda muito prematuro dar por arrumadas as hipóteses de outras figuras do partido. À cabeça: Augusto Santos Silva.
Há anos a alimentar essa hipótese, não a assumindo completamente mas nunca a descartando, Santos Silva parecia ter ficado sem espaço, olhando, precisamente, ao perfil de Mário Centeno. Seria o suficiente para que o antigo presidente da Assembleia da República moderasse as expectativas e não fosse a jogo. Não parece ser (ainda) o caso. Atendendo à interpretação que alguns dos seus mais próximos vão fazendo dos sinais que transmitiu depois desse posicionamento de Centeno, Augusto Santos Silva não deu como perdido o objetivo “Presidenciais 2026”.
“Augusto Santos Silva ainda pode ter vontade. Não o retirem já da equação”, sugere ao Observador fonte socialista próxima do antigo presidente da Assembleia da República. “Não me parece que tenha desistido de entrar na corrida”, acrescenta outra fonte do PS. De resto, e apesar de ninguém desvalorizar por completo o perfil de Mário Centeno, existe quem suspire abertamente por Santos Silva. “Primeiro, há que ter competências — e ele tem para dar e vender. É um académico reputado e um político de mão cheia“, defende ao Observador um destacado e influente socialista.
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A mesma fonte vai mais longe nos elogios rasgadíssimos a Santos Silva. “Depois, há que ter conhecimento do Estado, nas suas diversas funções. Foi quem mais e mais vastas funções desempenhou a seguir ao António Costa. Fê-lo sempre com brilhantismo. Tem uma relação de grande conhecimento com a dimensão externa do Estado e com as comunidades portuguesas”, sublinha.
Mas tudo depende, naturalmente, da vontade do próprio. O Observador procurou contactar Augusto Santos Silva até à publicação deste artigo, mas não foi possível obter qualquer resposta. Vale por isso, e até ver, uma das últimas entrevistas que deu, já depois de ter falhado a eleição como deputado pelo círculo Fora da Europa. Nessa entrevista, à SIC Notícias, o antigo presidente da Assembleia da República reservou para mais tarde qualquer decisão sobre o assunto. “O tempo das presidenciais abrandou e haverá tempo para pensar noutros assuntos”, limitou-se a dizer o homem que, depois de António Costa, mais tempo passou como governante.
No passado, mais concretamente em setembro de 2023, Santos Silva tinha ido ligeiramente mais longe em relação às suas alegadas pretensões presidenciais. “Não enjeito em absoluto qualquer candidatura, seja a ela a que cargo for, incluindo à minha junta de freguesia”, sugeriu o socialista. Já nessa altura, a bolsa de apostas para possíveis candidatos socialistas às presidenciais, com figuras óbvias como António Costa, António Guterres ou António, e outras menos óbvias, como o próprio Mário Centeno, Alexandra Leitão, António José Segurou ou Ana Catarina Mendes.
Porém, e até pelos sinais públicos e privados que o próprio ia dando, a que se somava o braço de ferro permanente com André Ventura no Parlamento, o nome de Santos Silva era o que dominava invariavelmente o debate sobre os candidatos da área socialista à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa. E já nesse período, como explicava aqui o Observador, havia quem, no PS, torcesse timidamente o nariz: muitos socialistas apontavam a Santos Silva o perfil ideal para uma corrida a Belém, mas as sondagens pouco animadoras, a popularidade e a aparente incapacidade de conseguir uma margem ampla de apoio social preocupavam e muito. E isto ainda durante a era de António Costa, que tinha em Santos Silva um dos mais próximos conselheiros. Hoje já não é assim.
Pedro Nuno e Santos Silva: uma relação difícil
Ora, num ano, o mundo do PS mudou por completo. António Costa caiu, a maioria absoluta esfumou-se, a direita chegou ao poder, Pedro Nuno Santos subiu à liderança do PS e Santos Silva desapareceu do Parlamento. A margem do antigo presidente da Assembleia da República para crescer enquanto candidato a Belém, que já não era muito, parece agora bem mais diminuta. E não é segredo para ninguém que Pedro Nuno Santos, que prometeu apoiar ativamente uma candidatura presidencial a partir do Largo do Rato, não morre de amores por Augusto Santos Silva.
Em 2018, em plena ‘geringonça’, os dois protagonizaram um debate público e ideológico, através das páginas dos jornais que contaminaria o congresso socialista desse ano, sobre o que era e deveria ser o PS. Se Santos Silva argumentava que o partido socialistas não podia enterrar a terceira via e devia afastar-se dos extremos, Pedro Nuno respondia que “o sucesso” daquele Governo e daquela maioria “nada” devia “à terceira via”. “Não é preciso afastarmo-nos da esquerda”, acrescentava então o agora secretário-geral do PS.
A vida seguiu o seu rumo e, na sucessão de António Costa, houve a devida clarificação de águas: entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, Santos Silva não só apoiou o segundo como disse que o fazia porque este demonstrava a “prudência”, a “empatia”, a “maturidade” e a “paciência” necessárias para o cargo. Sintomaticamente, estes atributos psicológicos (ou a alegada falta deles) seriam usados contra Pedro Nuno Santos pelos seus adversários à direita. Pedro Nuno Santos não terá esquecido a provocação.
Se tiver de escolher entre um e outro, o líder socialista escolherá previsivelmente Mário Centeno, ainda que o ainda governador do Banco de Portugal esteja longe de personificar a ideia de um candidato capaz de liderar uma frente de esquerda. No PS, quem prefere Santos Silva, deixa a pressão do lado de Pedro Nuno. “É ao secretário-geral que compete jogar. A primeira jogada é sempre dele. Ele disse que queria ter candidato próprio. E escolhido com tempo”, recorda, em jeito de aviso, um influente socialista. “Mas há mais interessados. Isto ainda vai mexer muito até lá”, profetiza a mesma fonte. Feitas as contas, no final, tanto Santos Silva como Centeno podem ficar a assistir na bancada.
“Desfaçatez”. Ensaio presidencial de Centeno não comove o Governo (nem o PS)