A JS já não assistia a uma luta pela liderança desde 2006, altura em que o atual líder do PS, Pedro Nuno Santos, se recandidatou e teve como opositor João Tiago Henriques. Dessa disputa não resultou grande história — Pedro Nuno controlava a estrutura e assim continuou — e sucedeu-se uma longa lista de seis candidatos únicos (sempre próximos do atual secretário-geral do partido) que, agora, é interrompida por Sofia Pereira e Bruno Gonçalves. Têm dois anos de diferença, são ambos do Norte (ela de Lamego, ele de Braga) e alinham com o pedronunismo. Não é tanto o posicionamento ideológico dentro do partido que os distingue, mas mais o estilo, as amizades políticas e o grau de rutura com o que está instalado.

Sofia Pereira tem 25 anos, Bruno Gonçalves 27. Ele é mestre em Engenharia Mecânica e é atualmente o eurodeputado português mais novo (foi uma aposta de Pedro Nuno na lista das europeias). Ela é licenciada em Comércio e Relações Internacionais. Fazem os dois parte da direção cessante, liderada por Miguel Costa Matos, embora Bruno esteja lá apenas por inerência uma vez que é secretário-geral da International Union of Socialist Youth. Sofia tinha o pelouro do Ambiente no atual secretariado da JS. Depois de tantos anos sem debate interno a este nível, nas últimas semanas trocaram alguns ataques entre os dois, da “condescendência” ao “mansplaining”, da “desorientação” à “arrogância”, como se viu nos debates promovidos pela TSF e Expresso.

“São de grupos de intervenção distintivos dentro da JS”, explica uma socialista ao Observador. Embora Costa Matos se tenha mantido neutro nesta disputa, não é segredo para ninguém que apoia a candidata. Já Bruno Gonçalves aparece mais ligado a figuras como a anterior secretária-geral da estrutura socialista, Maria Begonha, João Torres (que também já liderou a JS) ou a ex-ministra Marina Gonçalves — todos membros da direção de Pedro Nuno, com as duas secretárias nacionais a terem surgido mesmo na apresentação da candidatura de Bruno.

Para já, a candidatura de Sofia Pereira diz partir com vantagem para o congresso, onde conta com mais de 60% dos delegados eleitos, o que é significativo num congresso com poderes para eleger o líder. Tem também o apoio maioritário das Federações da jota. Está “confiante”, mas recusa embandeirar em arco. “Não há vitórias garantidas”, diz a própria ao Observador.

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Bruno Gonçalves tenta corrigir as expectativas da adversária, dizendo que “não há uma expressão óbvia dos delegados eleitos”. “Na esmagadora maioria das concelhias houve apenas uma lista a votos, são pessoas que querem participar no congresso”, afirma o eurodeputado, esperando que os delegados eleitos “votem livremente” no domingo para onde parte “irritantemente otimista”.

Nas moções notam-se algumas diferenças programáticas. Bruno Gonçalves aparece focado em questões internas, a defender a abertura da JS à sociedade e também formas de organização diferentes, a começar pela eleição do líder da Juventude em diretas — ainda é em congresso eletivo, como que se vai realizar este fim de semana na Nazaré.

Já Sofia Pereira traz como uma das grandes bandeiras da sua candidatura o alargamento do limite  legal Interrupção Voluntária da Gravidez em quatro semanas, das atuais 10 para 14 semanas — o PS vai propor o alargamento para as 12. No mesmo sentido, quer também acabar com período de reflexão de três duas entre a consulta prévia e a realização da IVG.

Na Habitação, têm ritmos (e não só) diferentes na reposta àquele que é um dos temas mais centrais para os eleitores que querem representar. Ambos querem apostar no parque habituacional público, mas a velocidades diferentes. Quem os ouve, no partido, vai catalogando Sofia como mais “radical” ou “ambiciosa; e Bruno como mais “moderado” (no sentido negativo do termo) ou “realista”.

Habitação e Salários nas prioridades dos dois

A Habitação é a natural prioridade nos candidatos à jota. Sofia Pereira defende a construção de 600 mil novas casas (10% do parque habitacional) em 10 anos e Bruno Gonçalves quer chegar ao investimento 2% do PIB anual nesta área ao longo dos próximos 20 anos. A resposta do eurodeputado passa também por estímulos à iniciativa privada na construção de casas com “renda controlada”, de forma a garantir uma resposta mais imediata ao desafio. “É preciso muito mais responsabilidade do Estado, mas a responsabilidade social não deve ficar reduzida a isso”, diz o candidato ao Observador.

De resto, ambos alinham na necessidade de promover a habitação cooperativa, de agilizar a reabilitação de casas — e aqui os dois defendem o IVA à taxa reduzida nesta área. Nos debates já citados, a disputa maior foi precisamente na área da Habitação. Quando, na TSF, Sofia Pereira defendeu a construção de 600 mil casas e disse que poderia suportar parte desse investimento com o imposto sobro os casinos, Bruno Gonçalves respondeu que, para tal, o dinheiro dos casinos não chegava e que precisava de gastar 5% do PIB — um momento que rapidamente viralizou pela evidente dificuldade de Sofia Pereira em responder ao adversário.

Na segunda metade da partida — ou, melhor dizendo, no segundo debate entre candidatos, promovido pelo Expresso, Sofia Pereira corrigiu as contas de Bruno Gonçalves e disse que o esforço de investimento público que defende não é, afinal, muito diferente do do seu adversário. O que lhe faltava era “ambição“.

Outro ponto central para os jovens é a progressão salarial e aqui os dois candidatos concordam num caminho a seguir: uma atualização automática dos salários à inflação. E estão também alinhados na defesa do fim dos estágios não remunerados, embora Bruno Gonçalves acrescente que a remuneração deve ser equiparada a 90% do salário mínimo nacional (mais alargado do que a trajetória que consta na Agenda do Trabalho Digno).

Neste capítulo, a linguagem usada por Sofia Pereira — tanto na moção que leva ao congresso como no discurso —, é mais colada à esquerda. Apresenta esse capítulo com um “viva o trabalho e os trabalhadores” e citando José Afonso — “Larga ó pescador / O que tens na mão / Que o peixe que levas /É do teu patrão.” Ao Observador, Sofia Pereira diz que “o PS tem de olhar para as políticas trabalhistas nesta geração”. Defende o aumento do salário mínimo para 1200 euros até 2028 e aumento da taxa de IRS sobre “rendimentos anuais superiores a cem mil euros”. Mais adiante, na mesma moção, defende que se taxem os “super-ricos”, que se aumentem os impostos dos “multimilionários” e sobre “os lucros extraordinários resultante de crises, inflação e situações inexpectáveis e anómalas”.

Bruno Gonçalves propõe a reversão das últimas medidas da troika que estão por reverter, pede a implementação progressiva dos 28 dias de férias anuais para todos os trabalhadores e a reposição do valor das compensações por despedimento — uma luta da esquerda à esquerda do PS que nem os tempos da “geringonça” conseguiram que vingasse. Nesta matéria, o candidato defende uma aposta na qualificações, sobretudo em quem acaba o 12.º ano e não segue para o ensino superior, promovendo “qualificações especializadas até ao nível cinco”, defende.

Combate à extrema-direita pedido pelo líder não surge nas prioridades

Os dois querem assumir a liderança da JS numa altura em que a extrema-direita tem crescido precisamente com a votação dos jovens e quando o próprio líder socialista, Pedro Nuno Santos, já incumbiu a estrutura de assumir essa reconquista de eleitorado. Ambos fazem esse mesmo diagnóstico, mas nem por isso o tema tem centralidade nos discursos ou uma estratégia de ataque delineada.

Ao Observador, Sofia Pereira diz que esse combate se faz “pelas ideias” e não entrando num confronto direto que considera que acaba por “normalizar” a extrema-direita. Na sua moção, escreve que a sua candidatura não procura “o post viral” ou alimentar-se da “extrema direita”, mas antes combater “os extremismos e o egoísmo com a força” das ideias: “Não os alimentamos, nem procuramos espaço mediático à sua custa”, sintetiza.

Já Bruno Gonçalves defende a estrutura deve estar presente no combate ativo contra a extrema-direta. “Não podemos desaparecer do combate, nem reduzi-lo a meros chavões. Porque essa é uma resposta que já se revelou insuficiente“, argumenta. “Não se pode deixar a extrema-direita ter palco sem contraditório.” Ainda assim, não considera que deva existir uma cartilha do partido para evitar dissabores como os que aconteceram com os autarcas socialistas de Loures, dizendo que “a linha orientadora deve ser a carta de princípios do PS”

Na sua moção, identifica o crescimento dos populismos e da direita radical e os “sinais de alarme” trazidos por este avanços. Quanto a respostas, a sua estratégia passa por “lutar por reformas que ajudem a combater a abstenção, facilitar o ato eleitoral e a melhorar a representação e a participação cívica, assegurando a verdadeira representação popular nas instituições democráticas”.

Um dos objetivos que tem é atrair mais jovens para a vida partidária, colocando como meta trazer mil novos militantes para o partido em 100 dias. E isto faz-se, diz, “voltando às escolas e às universidades, estando na rua e também no espaço digital”. Ao Observador, diz que este é um dos pontos onde se diferencia da adversária, já que Sofia Pereira “se propõe a continuara linha” seguida até aqui, enquanto a sua candidatura “considera que a JS deve ser mais aberta, mais participativa e não ser um grupo de amigos“.

Na frente interna, Sofia Pereira não propõe, de facto, alterações de fundo, ainda que para fora defenda o alargamento da “participação democrática dos jovens para os 16 anos para potenciar a representação e criar hábitos de participação”.

Durante a campanha, Bruno Gonçalves não teve grande pudor em recorrer à sua experiência política para minimizar a adversária, chegando mesmo a desafiar Sofia Pereira a visitar o que se faz no Parlamento Europeu (onde o próprio está há pouco mais de seis meses). Do outro lado, a candidata acusa o adversário de a tratar com “condescendência” por ser mulher e por ser, alegadamente, herdeira de Costa Matos. Ao Observador, garante que ser mulher é a sua “condição” e “nunca uma arma”, e, ao mesmo tempo, diz-se “cansada” de a colocarem como a candidata da “continuidade”, garantindo que não está ninguém que não ela mesma a representar a sua candidatura.

Os dois também têm argumentos para as eleições que se seguem. Primeiro as autárquicas, onde não é surpreendente que se alinhem no objetivo largo de conseguirem ter em órgãos autárquicos o maior número de jovens que já se verificou. Nass presidenciais, divergem: Sofia Pereira não escondeu a preferência por Mário Centeno; Bruno Gonçalves defende que o candidato apoiado pelo PS deve ser conhecido até abril, mas também diz que gostava de ter uma mulher no cargo e lançou mesmo como possibilidade Elisa Ferreira, antiga comissária europeia.

Socialistas pressionam guião para autarcas para evitar discursos parecidos com os do Chega