Jean-Claude Juncker está prestes a fazer o seu balanço do último ano e a traçar as linhas do futuro da política da Europa. No discurso do Estado da União, que faz quarta-feira de manhã perante o Parlamento Europeu em Estrasburgo, o presidente da Comissão não vai esquecer a crise dos refugiados, o impasse na Grécia e a possível saída do Reino Unido. O Observador antecipa os temas em debate, o balanço do (quase) primeiro ano da Comissão Juncker e antecipa o maior medo: a possível vitória de Marine Le Pen nas presidenciais francesas de 2017.

Ainda não tem a dimensão nem o alcance do discurso que é proferido anualmente pelo Presidente dos Estados Unidos – embora partilhe o mesmo nome -, mas os momentos de tensão vividos na Europa durante o último ano fazem com que este discurso seja aguardado com expetativa um pouco por toda a Europa e não só. Até agora, só Durão Barroso proferiu este discurso, já que este momento da vida política europeia foi implementado em 2009, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa e a ocasião foi sempre aproveitada para deixar recados aos Estados-membros e apresentar novas medidas – o pedido desesperado de Durão Barroso por mais “amor” para com a União ocorreu durante este discurso em 2011.

O atual presidente da Comissão estará a preparar há pelo menos duas semanas este discurso, que assinala também a rentrée política em Bruxelas e Estrasburgo, com as instituições europeias a funcionarem a pleno gás depois do interregno de agosto. Segundo o site noticioso Politico, Juncker reuniu todos os seus comissários, incluindo Carlos Moedas, num género de retiro para ouvir as propostas de todos e o balanço das suas pastas. Haverá dentro da própria comissão algum lóbi interno para que determinado assunto passe à frente de outro, de modo a notabilizar este ou aquele comissário.

Para já, sabe-se que a agenda para lidar com a crise dos refugiados será detalhada esta quarta-feira e Juncker deverá apresentar um plano reformulado para o asilo na Europa, concertado com um novo mapa de distribuição de pessoas pelos vários países europeus. Fora das contas, ficarão Itália, Grécia e Hungria, que são neste momento os principais países de acolhimento, e a medida deverá abranger 120 mil pessoas, sendo que a maioria ficará repartida entre França, Alemanha e Espanha. Portugal deverá duplicar a capacidade disponibilizada pelo Governo de Passos Coelho e deverão chegar mais de três mil pessoas ao país.

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Tanto o Parlamento Europeu como a Comissão apostam neste discurso para cativar os europeus, já que tem o seu site próprio e foi criada uma hashtag para acompanhar o evento nas redes sociais (#soteu). Mas os desafios que aí vêm vão pôr em causa os pilares da União, ao mesmo tempo que dossiers como a Grécia ou a possível saída do Reino Unido continuam por fechar.

Os desafios do próximo ano

“Este será um ano extremamente complexo a vários níveis”, disse ao Observador Paulo Sande, professor da Universidade Católica. Desde logo, tendo em conta os poderes efetivos da Comissão Europeia, que com o avanço no terreno do Conselho Europeu e protagonismo do Eurogrupo nos anos de crise, tem perdido alguma da sua capacidade de intervenção, embora com Juncker as coisas pareçam estar a melhorar. “Há neste momento mais capacidade de proposição e presença da Comissão do que no tempo de Barroso. Os problemas são muito maiores e maiores do que os próprios Estados-membros e a Comissão parece mais presente”, justifica o académico.

Talvez a diferença esteja na figura do presidente. Segundo Viriato Soromenho Marques, professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Juncker tem “uma personalidade complexa”. “Tem talento e capacidade de sobrevivência. Pensa de forma autónoma, mas vai fazendo navegação à vista. Na crise grega foi factor positivo, evitou extremos e fez auto-crítica, mas não tem pensamento estratégico vasto”, considera.

Alexis Tsipras, leader of the radical leftist party Syriza, gives a speech at the Syriza party's central committee in Athens, on August 29, 2015. Greece geared up for a snap election next month, with an opinion poll showing the leftist party Syriza ahead despite a wave of defections over the country's massive new bailout. AFP PHOTO / ANGELOS TZORTZINIS (Photo credit should read ANGELOS TZORTZINIS/AFP/Getty Images)

Tsipras fala ao comité central do Syriza antes das eleições

A Grécia é exatamente um dos principais desafios deste próximo ano, já que vai voltar às urnas no próximo dia 20 de setembro ainda sem resultados claros. Caso o Syriza volte a ganhar, Alexis Tsipras deverá apoiar o terceiro resgate e retomar o processo de reformas que ficou suspenso pela convocação destas eleições, mas pelo caminho, o seu partido ficou dilacerado por conflitos internos nos últimos meses. O Syriza poderá agora ficar obrigado a uma coligação obrigatória com a Nova Democracia – de quem dista apenas 0,5% nas intenções de voto -, uma posição desconfortável para um partido de ruptura. Já a Nova Democracia vê oportunidade, com o seu líder, Evangelos Meimarakis, a dizer publicamente que convidará Tsipras para formar Governo.

Mesmo que situação na Grécia acalme, David Cameron continua o seu périplo pela Europa para uma reforma comunitária à medida do Reino Unido. Depois de Portugal e Espanha na semana passada, Cameron terá de bater a várias portas para encontrar resposta para os anseios dos britânicos mais eurocéticos e convencê-los que com uma mudança na Europa, a resposta ao Brexit (ou saída do Reino Unido da União) deve ser negativa. Com a crise dos refugiados e a já conhecida posição de partidos como o UKIP em relação à imigração, o conservador tem o trabalho dificultado, enquanto a Norte, na Escócia, o fogo da independência, acendido pelo referendo em 2014, volta a ser ateado – as eleições na Catalunha, em Espanha, são já dia 27 e as forças independentistas estão na frente das sondagens.

Juncker tem vindo a desvalorizar esta questão publicamente, dizendo que o referendo sobre a pertença do Reino Unido à União Europeia serve meramente para ligar mais o país ao projeto comunitário. “A possibilidade de Brexit não é um questão que se coloque, nem os britânicos querem isso. O que Cameron quer é ligar o seu país permanentemente à União”, referiu o presidente da Comissão em junho, em entrevista ao jornal alemão Sueddeutsche Zeitung. Mas quais as consequências das exigência do Reino Unido, nomeadamente no que diz respeito à livre circulação de pessoas dentro dos Estados-membros?

French far-right Front National party's president Marine Le Pen delivers a speach during the summer far-right National Front (FN) congress in Marseille on September 6, 2015. AFP PHOTO / ANNE-CHRISTINE POUJOULAT (Photo credit should read ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP/Getty Images)

Marine Le Pen fala aos jovens do seu partido durante uma escola de Verão da Frente Nacional

Uma questão que faz pensar a Europa e dá dores de cabeça também em França. Tanto Paulo Sande como Viriato Soromenho Marques consideram que o maior peso que paira sobre Bruxelas é a possível vitória de Marine Le Pen em França nas presidenciais de 2017. “Seria um terramoto. É inconcebível a União Europeia sem a França. Não acredito na saída do Reino Unido, até porque isso significaria a desagregação do próprio país e, apesar de tudo, a Europa poderia superar essa saída. Não sobreviveria à saída da França”, defendeu Paulo Sande.

“O que é preciso criar na Europa até 2017 é um horizonte de esperança, uma ruptura com a atual situação. Agora falta narrativa comum e a Europa não vive sem a França. A vitória de Marine Le Pen não seria compreendida pelos mercados e mesmo que ela lá chegasse e alterasse o seu discurso, não há regresso. É algo inconcebível”, afirmou Viriato Soromenho Marques. Na última sondagem publicada pelo Le Figaro no domingo, Marine Le Pen ganharia uma primeira volta quer face a Nicolas Sarkozy, quer face a Alain Juppé, possível candidato alternativo dos Republicanos – Hollande não passaria à segunda volta e 78% dos inquiridos não querem que ele seja o candidato socialista.

Os avanços da Comissão Juncker

Para além dos grandes temas políticos, Juncker deve acentuar os planos que pôs em marcha no último ano nas áreas que identificou como prioritárias no início do seu mandato. Soromenho Marques diz que muitos assuntos se têm acumulado em Bruxelas sem resolução à vista. “Os problemas têm sido remediados”, indicou o professor catedrático, afirmando que a situação não económica não está pior devido a fatores externos como a queda do preço do petróleo ou a desvalorização do euro, sublinhando o papel do BCE.

Um dos pontos principais de Juncker foi o plano de investimento – que ficou associado ao seu nome – que visa injetar 315 mil milhões de euros na economia europeia através de projetos estratégicos com parceiras entre dinheiros comunitários e fundos privados. Até agora, nove países já contribuíram mais de 40 mil milhões de euros e vários bancos europeus já disseram que vão assegurar o financiamento de vários projetos, no entanto, ainda estão a ser levadas a cabo conversações com os bancos de fomento nacionais. O Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos deverá estar operacional no final de setembro, segundo a Bloomberg. Em Portugal, as prioridades de investimento serão na indústria, na interligação das redes de gás e eletricidade e na integração transfronteiriça das redes de energia.

Paulo Sande defende que, em relação a muitos dos objetivos a que se propôs, “os passos foram dados” por Juncker e pelo seu colégio de comissários, mas é necessário que os Estados também trabalhem nessa direção. Outro tema importante, especialmente para os países do Norte, do Leste e do Centro, é a questão da União da Energia. Ainda com o conflito aberto com a Rússia devido à Ucrânia – com os acordos de Minsk em permanente sobressalto -, a Comissão Europeia já apresentou o quadro estratégico desta medida.

Quanto ao aprofundamento da união económica e monetária e, consequentemente, do mercado interno, o relatório dos cinco presidentes dá pistas para a governação económica da União entre 2015 e 2025, mas ainda não há consequências práticas. Também  o calendário de negociação do acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) derrapou, levando a crer que será impossível um acordo livre comércio entre os dois lados do Atlântico os próximos meses.