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Universal Images Group via Getty

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Lasers, braços robóticos e satélites em missões kamikaze. Não é ficção científica, são estratégias para limpar o espaço

O problema do lixo espacial não é novo, mas ganha proporções "preocupantes". Empresa suíça aposta em braços mecânicos, startup portuguesa em dispositivo insuflável.

Colisão após colisão. Uma vaga de detritos descontrolados a viajar mais rápido do que balas de alta velocidade. Sandra Bullock e George Clooney numa luta pela vida enquanto tentam chegar a todo o custo à Estação Espacial Internacional. O filme Gravity, de Alfonso Cuarón e vencedor de sete Óscares, representa o pior do pior dos cenários — ainda que com muita ficção à mistura — do que pode acontecer num choque em cadeia de equipamentos deixados em órbita pelo Homem. O fenómeno extremo, que no campo científico ficou conhecido como Síndrome de Kessler, parece distante. Ainda assim, há várias empresas e startups um pouco por todo o mundo a trabalharem discretamente em soluções para garantir que isso nunca se concretizará.

Num campo que está ainda na sua “infância” equaciona-se de tudo um pouco, sobretudo numa altura em que há várias órbitas à volta da Terra congestionadas com detritos e satélites, alguns inutilizados, e perante a perspetiva de um aumento significativo. Desde lasers de alta potência para destruir lixo espacial a dispositivos com braços robóticos para prolongar a vida de equipamentos. Não esquecendo satélites enviados para o espaço em missões kamikaze para testar a capacidade de desorbitarem por si próprios ao chegar ao fim de vida numa descida ardente pela atmosfera da Terra.

Ainda que a preocupação com o lixo espacial não seja nova, há para já uma grande falta de repostas para este problema, aponta ao Observador Luc Piguet, fundador e CEO da ClearSpace, empresa contratada pela Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) para orquestrar a primeira missão de limpeza de detritos no espaço. “É como se alguém administrasse estradas durante 60 anos e as deixasse crescer, mas não tivesse sequer reboques. O lixo espacial é o efeito colateral de uma indústria incompleta”, afirma.

“Se nada for feito podemos vir a ter cada vez mais órbitas inutilizáveis porque o risco de colisões será muito elevado. Isso pode ter um risco substancial para o futuro da exploração espacial e para as infraestruturas que temos.”
Luc Piguet, fundador e CEO da ClearSpace

O líder da ClearSpace sublinha que o problema dos detritos é já hoje “muito sério”. Ainda que comecem a apertar-se as regras em torno do espaço e até mesmo as multas — foi emitida pela primeira vez uma multa por lixo espacial —, o cenário é “preocupante”. “Se nada for feito podemos vir a ter cada vez mais órbitas inutilizáveis porque o risco de colisões será muito elevado. Isso pode ter um risco substancial para o futuro da exploração espacial e para as infraestruturas que temos em órbita”, alerta.

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É um problema que a ClearSpace, em parceria com a ESA, quer ajudar a resolver, mas está longe de ser a única a atuar nesta área. Em Portugal, a SpaceO, empresa criada em 2023 pelo português João Pedro Loureiro, está a desenvolver um dispositivo insuflável para acelerar significativamente a desorbitação de satélites e que espera que possa reduzir até dez vezes o tempo de saída da órbita de um satélite. “É um mercado que está a ser pensado, construído. Neste aspeto nós estamos na crista da onda”, diz ao Observador.

Houston, temos um problema

Desde o lançamento do Sputnik 1, o primeiro satélite de comunicação que viria a ficar para a História como marca do arranque da corrida espacial, em 1957, o Homem deixou milhares de objetos em órbita. Desde partes de rockets que fizeram caminho para o espaço a satélites inutilizados e deixados à deriva décadas depois do seu fim de vida — o Vanguard I, lançado pela NASA em 1958, detém até hoje o recorde do mais antigo. Viajando a velocidades sem qualquer controlo, correm o risco de colidir com infraestruturas em uso, incluindo constelações de satélites, como o enxame Starlink da Space X.

A missão ClearSpace 1, da ESA, deverá ser lançada em 2026

Agência Espacial Europeia (ESA)

O Vega, parte de um foguete de 112 kg lançado há mais de uma década para o espaço, era até há pouco tempo um entre muitos exemplos e foi o alvo escolhido pela ESA para a primeira missão de remoção de detritos. Isto até ele próprio se tornar, em agosto do ano passado, vítima do problema que deveria ajudar a resolver ao colidir com detritos em órbita. “É irónico, mas uma prova da importância de dar resposta a este problema”, diz Luc Piguet.

A missão ClearSpace 1, que entretanto ganhou um novo alvo, um satélite europeu que está na órbita baixa da Terra desde 2021, está marcada para daqui a dois anos. O objetivo é que um aparelho com formato de aranha, com quatro braços mecânicos, capture o satélite e o obrigue a reentrar na atmosfera da Terra para que se desintegre totalmente e em segurança no processo. Um empreendimento “extremamente difícil”, reconhece Luc Piguet.

“É até difícil explicar o quão desafiante é apanhar destroços em órbita”, refere. Para isso recorre a uma ilustração. Imagine-se que é preciso prestar serviço de apoio a um carro avariado, só que este orbita a 28 mil km/h no vazio do espaço, em microgravidade, sem atrito, onde tudo flutua.

Apesar dos desafios, e de reconhecer que nem tudo pode correr bem à primeira, o fundador da ClearSpace mostra-se otimista na missão. “Estamos numa posição em que estamos confiantes com todos os testes, a validação, as simulações que fizemos no terreno. É inevitável que haja um nível de risco na primeira missão desse nível de complexidade, mas temos boas hipóteses de sucesso”, considera. Se algo falhar a lógica é simples: “Voar novamente e ter sucesso”, refere, numa lógica não muito distante da Space X com os seus sucessivos testes com o Starship, vários dos quais acabaram em explosões aparatosas.

Pelo caminho a empresa vai trabalhando também em soluções para prolongar a curta vida dos satélites em órbita. É que se um carro avaria ou fica sem combustível pode ser reparado e reabastecido, já um satélite é rapidamente descartado. Numa missão em parceria com o Reino Unido, a ClearSpace está a desenvolver um aparelho para reparar e reabastecer satélites ou simplesmente afastá-los de outros satélites ou detritos em órbita.

Navegar em mares nunca antes navegados

Até para quem está na indústria são novidades que parecem tiradas de um filme de ficção. “Esta ideia de ir com um satélite, acoplar noutro, reabastecê-lo e ele continuar a missão mais anos, embora neste momento já haja missões e projetos a desenvolver estas tecnologias, ainda parece um bocadinho ficção científica. Mas daqui a cinco ou a oito anos isto vai-se tornar muito comum”, acredita João Pedro Loureiro.

O especialista da área aeroespacial quer ser parte deste futuro, que implica “navegar em mares nunca antes navegados”, com a startup que criou, a SpaceO. Nesse caminho, a equipa — que para já é composta por apenas duas pessoas — está a desenvolver uma tecnologia que usa uma solução insuflável que estimam que possa reduzir entre cinco a dez vezes o tempo de saída da órbita de um satélite.

"É como se fosse um airbag. Usando o atrito aerodinâmico que existe em atmosfera baixa -- em órbitas baixas existe alguma atmosfera, um vácuo perfeito -- nós conseguimos acelerar o tempo de descida de um satélite."
João Pedro Loureiro, fundador e CEO da SpaceO

“É como se fosse um airbag. Usando o atrito aerodinâmico que existe em atmosfera baixa — em órbitas baixas existe alguma atmosfera, um vácuo perfeito — nós conseguimos acelerar o tempo de descida de um satélite”, explica. A ideia é que no final de vida do equipamento seja enviado um sinal para fazer o deployment do sistema. No eventualidade de um satélite deixar de funcionar antes do seu tempo útil, há uma bateria própria que permite acionar esse mecanismo e evitar que os equipamentos fiquem em órbita a ocupar espaço e a ser um risco para outros aparelhos. “É quase como se fosse uma bomba. Há um timer que é ativado se o sistema detetar que o satélite não trabalha. Durante um mês ou o período que for definido se ninguém disser que está a funcionar ele faz o deployment sozinho”, refere.

Imagem do esquema da SpaceO

SpaceO

A ideia partiu inicialmente de um projeto que venceram da ESA para estudar o uso de insufláveis para Marte e Vénus, mas rapidamente a equipa viu potencialidade para tornar o espaço mais sustentável. Pedro Loureiro espera que um dia os satélites possam transportar o sistema desenhado pela SpaceO, que se pretende que seja adaptável às dimensões e características destes. Na expectativa de o tornar realidade a startup candidatou-se este ano em consórcio europeu a uma projeto da ESA no valor de quatro milhões de euros. O objetivo é, numa primeira fase, construir um protótipo e testá-lo na Terra e, posteriormente, lançá-lo para o espaço.

Vencendo a candidatura — a resposta ainda não chegou, mas estão otimistas — e se tudo avançar a bom ritmo na construção do protótipo, admite que o podem estar a lançar para o espaço num prazo de três a quatro anos e a começar a ser comercializá-lo cerca de dois anos depois.

Um setor “caríssimo” e em construção

Além da ClearSpace e da SpaceO há outras empresas a atuar nesta área. A Sky Perfect JSAT, sediada em Tóquio, anunciou este ano a criação de uma nova empresa — a Orbital Lasers — para desenvolver poderosos lasers capazes de eliminar destroços em órbita. A multinacional Airbus patenteou em novembro do ano passado o Detumbler, um dispositivo de cerca de cinco centímetros de diâmetro para diminuir a taxa de rotação dos satélites em órbita e facilitar as missões de remoção. A startup norueguesa Solstorm quer enviar já este ano uma satélite numa missão kamikaze para testar um sistema de vela de arrasto que promete ser capaz de levar satélites a sair de órbita e autodestruir-se 16 vezes mais rápido do que os atuais.

Já a multinacional Northrop Grumman e a startup Starfish Space, com sede em Seattle (EUA), estão por sua vez a apostar no prolongamento do tempo de vida de satélites. A firma norte-americana, por exemplo, chegou a fazer uma tentativa infrutífera para acoplar o seu modelo Otter a dois satélites em órbita. Planeia uma nova investida já para o início do próximo ano.

Tudo isto se faz à custa de elevados investimentos e muitas vezes impossíveis sem o contributo de agências espaciais. A SpaceO, por exemplo, teve um investimento inicial de 125 mil euros da ESABIC Portugal e da Portugal Ventures. Já a ClearSpace, em preparação para a missão com a ESA, conta com um investimento de 120 milhões de euros. Desses, quase oito milhões provêm da Agência Espacial Portuguesa, diz ao Observador o presidente do organismo, Ricardo Conde.

“A missão tem um custo muitíssimo elevado e é apenas uma demonstração tecnológica, até o ponto de ser operacional vai muita distância”, refere Ricardo Conde, destacando o grande desequilíbrio na área. “Se temos um CubeSat [satélite com 10 por 10 centímetros] que custa meio milhão — não sei se é esse número, mas imagine-se — com lançamento e tudo incluído. Um dia que passe a ser considerado lixo espacial, porque não tem capacidade de manobra, não fez a reentrada, qualquer missão para o resgatar custaria muito mais de 40 a 50 milhões de euros”, aponta.

"Se o nosso e outros programas forem bem sucedidos, isso vai mudar o modo como os satélites são operados no espaço, a forma como os grandes lançadores, as estações espaciais e até os humanos vão operar em órbita."
Luc Piguet, fundador e CEO da ClearSpace

Ricardo Conde lembra que este tipo de missões não podem ser a única aposta. Para assegurar um futuro da exploração espacial sustentável destaca o papel da regulamentação. “O grande problema neste momento é tentar arranjar no âmbito por exemplo do COPUS [Comitê da Utilização do Espaço Exterior], da ONU, um conjunto de práticas para a regulamentação do acesso”, elenca.

Reconhecendo que a questão dos custos é um desafio em si numa área ainda em construção e arriscada, Luc Piguet destaca os benefícios produzidos pelas tecnologias espaciais. “O uso é diário. Usamos uns seis a sete serviços espaciais entre o momento que acordamos até que chegamos ao trabalho. Isto é tão fundamental para o nosso desenvolvimento completo como indústria, como economia em geral, são infraestruturas críticas”, sublinha. A questão é como esses investimentos produzirão retorno sobre o investimento, acrescenta. “Se o nosso e outros programas forem bem sucedidos, isso vai mudar o modo como os satélites são operados no espaço, a forma como os grandes lançadores, as estações espaciais e até os humanos vão operar em órbita”, sentencia.

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