É quase uma da manhã e o ar quente que se faz sentir no exterior do Aeroporto Harry Reid é praticamente irrespirável. Não muito longe, no horizonte, já se veem os casinos que tantas vezes aparecem em filmes e séries: as torres do Venetian, a pirâmide negra do Luxor ou a fonte do Bellagio. Chegámos a Las Vegas, cidade que acaba de ser palco da cerimónia anual do World’s 50 Best Restaurants, aquele que será, talvez, o mais global e relevante acontecimento do sector da gastronomia e que, no passado dia 5 de junho, viu o português Belcanto de José Avillez ficar na 31ª posição da lista dos 50 melhores restaurantes do mundo.
Mas, afinal, o que é que se come e bebe aqui? Todos conhecem a fama desta cidade do Nevada, no oeste dos EUA, no que toca a casinos e espetáculos, mas sobre gastronomia é uma incógnita. Não faltam projetos de nomes ultra mediáticos como Gordon Ramsey ou Wolfgang Puck. E além disso? Foi essa questão (e o 50 Best, claro) que motivou esta viagem na busca da identidade gastronómica de uma das mais intrigantes cidades do mundo.
O melting pot que a máfia aproveitou
“Amigo, ninguém é de Las Vegas”, diz Ebo, o taxista natural da Etiópia, que nos leva até ao hotel. Entre risos, vai explicando a sua agridoce história de vida, a forma como fugiu do seu país por causa da guerra e foi parar a Las Vegas no início dos anos 90, atrás da promessa de emprego e vida fácil. A sua frase é importante para entender a história de Las Vegas. Fundada em 1905, ela surge como uma típica cidade mineira. Tendo nessa altura pouco mais de 100 habitantes, como explica Claire White, a diretora do serviço educativo do Mob Museum (“Museu da Máfia”, em português), é apenas um ponto microscópico rodeado pelo deserto Mojave. Durante muito tempo a relativa pacatez reinou.
Mas em 1910, muito pouco tempo depois do magnata da indústria mineira William A. Clark ter oficialmente fundado a cidade, as autoridades estaduais decidem banir o jogo, tornando-o ilegal. Ninguém se preocupou muito: os poucos casinos e salas de jogo que existiam passaram à clandestinidade, cenário que muito potenciou a criação e desenvolvimento de speakeasies durante a Lei Seca, lei que esteve em vigor entre 1920 e 1933 e que proibia totalmente o consumo, comercialização e produção de bebidas alcoólicas. Perante a incerteza, e privação, do futuro, cidades por todo os EUA organizaram festas de arromba que serviriam não só como forma de “despedida”, mas também como maneira de escoar o seu stock de álcool, já que ninguém sabia se se poderia voltar a tocar em algo do género.
Paralelamente à lei, destilarias secretas de “moonshine”, como lhe chamam os norte-americanos (trata-se de um destilado altamente alcoólico e agressivo feito a partir do milho), surgem por todo o lado. A reboque aparecem também os tais bares escondidos e começa a dar-se uma enorme mudança social. “Por um lado”, explica Claire, estes negócios paralelos fazem com que “mafiosos de bairro se transformem em poderosos milionários à conta dos rios de dinheiro que este tipo de negócio gerava; e ao mesmo tempo os speakeasies criavam a base daquilo que é a cocktelaria que conhecemos hoje”. Até em termos de restauração as coisas começam a mudar, com “muita gente a ser apresentada à cozinha italiana e até chinesa graças a estes bares [speakeasies], que a começaram a servir.” Quando a Lei Seca é implementada Las Vegas já tinha fama de ser uma cidade de festa. Talvez como incentivo para atrair habitantes e trabalhadores para as minas, tanto a cidade como todo o estado de Nevada já tinham leis bastante liberais — até o divórcio viria a ser facilitado, sendo apenas necessário viver seis semanas em Las Vegas para se poder pedir a separação oficial, algo que não acontecia tão facilmente noutros sítios.
Até que tudo mudou novamente: em 1931 o jogo volta a ser legal e dois anos depois também o consumo de álcool é liberalizado. Chegava ao fim a Lei Seca.
Na destilaria do mesmo Mob Museum — museu que tem também o seu próprio speakeasy, claro, onde se servem cocktails inspirados nessa época — Claire começa por explicar o problema que surgiu com a legalização do consumo de álcool. “Durante a Lei Seca a máfia fez muito, muito dinheiro, mas dinheiro esse gerado de forma ilegal”, explica. Dinheiro ilegal é difícil de tornar legal e foi por isso que a máfia decidiu recorrer em escala massiva a algo que já tinha feito anteriormente, lavar dinheiro. “Era preciso investir esse dinheiro em algo, de forma a que as autoridade não se apercebessem de que havia qualquer coisa de errado a acontecer. Foi precisamente muito desse dinheiro que custeou a criação dos nossos casinos”, remata.
A partir daqui Las Vegas explodiu. Os casinos megalómanos que ainda hoje vemos brotavam do chão duro do deserto com a mesma facilidade com que se encontra uma slot machine em cada esquina. A máfia puxava os cordéis e a roda da roleta girava sem parar. E assim foi pelo menos até às décadas de 70/80, quando a influência do crime organizado começa a desacelerar.
Claire White explica que em 1970 o Governo dos EUA aprovou a declaração RICO (Racketeering, Influenced and Corrupt Organizations Act) “ e, pela primeira vez na história do país, passou a ser ilegal fazer parte de uma organização criminosa.” Esta decisão fez com que durante essas décadas “tenham surgido imensos casos judiciais que vieram a destruir a influência destas organizações”, pelo menos até 1994, ano em que foi encerrado “o último grande caso judicial” contra a influência da máfia no universo dos casinos. Hoje, segundo Claire, já não há influência de nenhuma organização criminosa na gestão dos casinos de Las Vegas, pelo menos dos principais, que se estendem ao longo da chamada “Strip”.
A imigração senta-se à mesa
A volta rápida que demos à história desta cidade permite destacar pelo menos dois conceitos chave que se refletem na comida e bebida menos exuberante de Las Vegas. O impacto da imigração é claramente um deles. À boleia da história de vida do motorista Ebo, percebemos a importância que as pessoas de outros países tiveram na consolidação e crescimento da cidade: no início do século XX, a indústria mineira vibrava um pouco por todo o estado do Nevada, muito graças ao grande filão de Comstock, por exemplo, rico em prata. Explorado desde um pouco antes da criação oficial de Las Vegas, é responsável por uma enorme vaga de imigração, que tem como objetivo criar mão de obra para a exploração mineira. A consequente descoberta de mais uma mão cheia de outros filões a partir de 1901 entre as cidades de Tonopah e Goldfield, ambas bastante perto de Las Vegas, só fizeram crescer ainda mais essa população. Entre o potpourri de nacionalidades que chegavam a maioria eram europeus ou então asiáticos, principalmente cidadãos chineses (muitos deles acabariam por trabalhar na construção dos caminhos de ferro).
Se os nossos guias não nos tivessem levado aqui, dificilmente daríamos com o restaurante ShangHai Taste. Localizado no fundo de uma espécie de praceta, bem no coração da Chinatown de Las Vegas, mora esta casa pequena cuja especialidade são Xiao Long Bao — “Servimos cerca de 3000 mil, diariamente”, conta Joe Muscaglione, o proprietário que nos cumprimentou em português, já que durante muitos anos trabalhou na área do vinho e o Douro era um bestseller.
Fundada em 2019, esta casa é uma das mais de 200 que se espalham ao longo da Spring Mountain Road, estrada à volta da qual se concentra esta comunidade que ocupa pouco menos de cinco quilómetros da via. “Tudo começou em 1996, com a abertura do Chinatown Plaza [um centro comercial ao ar livre com vários restaurantes chineses]”, conta Joe enquanto nos oferece um copo de água fresca. A década de 90 foi altamente efervescente em Las Vegas, com a abertura de grandes hotéis e casinos como o MGM Grand (93), Treasure Island (93), Luxor (93), Bellagio (98), o Venetian (99) e o Paris (99), por exemplo, e isso fez catapultar o número de pessoas que vinham para esta cidade em busca de trabalho. A comunidade asiática, principalmente a chinesa, já há várias décadas que era uma das mais representadas e isso só cresceu ainda mais nesta altura movimentada. Joe, que trabalha com a comunidade há mais de 20 anos, explica que sendo esta muito zelosa das suas especialidades e tradições gastronómicas, não tardou a que o aumento de população se refletisse no número de restaurantes.
O seu é realmente impressionante (nessa mesma tarde visitou-se o Noodle Head e o Shang Artisan Noodles que também eram igualmente interessantes). Estão mais pessoas na cozinha, quase, do que sentadas a comer. O espaço é muito pequeno, tal como os “raviolis” recheados de carne de porco, gengibre, soja e um sem fim de condimentos e caldos, que se agigantam a cada dentada. Delicados e altamente aromáticos, são a prova irrefutável do mérito do chef Jimmy Li, que em 2023 foi semi-finalista dos prestigiados prémios gastronómicos da James Beard Foundation, a maior autoridade gastronómica dos EUA.
À nossa volta só se sentam locais, mas não apenas asiáticos: “Toda a gente vem aqui. E quando digo aqui não falo só do ShangHai Taste, mas sim de toda a Chinatown. É um espaço totalmente aberto para a comunidade e as pessoas sentem isso”, explica Joe. A população asiática (na sua maioria chinesa) é a segunda mais representada em Las Vegas, a seguir à comunidade Latina, compondo 23,6% da fatia de população estrangeira residente na cidade, segundo o Centro de Cultura Democrática da Universidade de Las Vegas.
Luzes, câmara, refeição!
Músicas de Elvis e de Frank Sinatra, os grandes combates de boxe de estrelas como Muhammad Ali, o brilho de vedetas de Hollywood como Marilyn Monroe… Por mais que se tente, não dá para ignorar esta aura quando se fala de Las Vegas. Quando a “cidade do pecado” entrou em velocidade cruzeiro, tornou-se numa espécie de Meca para as maiores estrelas do mundo — ainda hoje é, claro. A luz dos néon, o som das slot machines e o consumo liberal de álcool e sexo cedo se tornaram quase como ímans para estas celebridades que vinham a Las Vegas como uma criança vai a uma loja de gomas. E tudo isto começou a consolidar-se no início dos anos 50, criando uma ideia de glamour e boémia no qual o famoso “Rat Pack” rapidamente se destacou.
Apesar de na sua história ter contado com vários integrantes, aqueles que mais fama deram a este Rat Pack foram sem dúvida Sammy Davis Jr., Frank Sinatra e Dean Martin. Músicos, cantores, atores e tudo mais que envolvesse deslumbrar multidões era o esperado deste grupo que muito cedo começou a ter concertos e espetáculos praticamente regulares em Las Vegas — lenda diz que as ligações de Sinatra à Máfia potenciaram esta realidade. Ao mesmo tempo que estas estrelas iam deslumbrando o seu interminável público, nos arrabaldes de uma ainda jovem Las Vegas nascia em 1958 o Golden Steer. “Nós abrimos enquanto um “western frontier restaurant”. E o que quer isso dizer? Bem, tínhamos postes à entrada para os clientes amarrarem os seus cavalos, por exemplo, e frequentemente recebíamos e cozinhávamos aquilo que os nossos clientes caçavam no deserto, de cascavéis a furões e javalis”, conta-nos Nick McMillan, um dos atuais proprietários e gerentes deste espaço. Vestido como se estivesse pronto para ir a um casamento (fato completo em azul claro, com direito a colete), foi ele e a esposa Amanda Signorelli que nos deram as boas vindas e fizeram o tour a esta que é a steakhouse mais antiga de Las Vegas.
À medida que o casal nos mostrava as inúmeras salas de refeições ia explicando o legado de quase 70 anos do Golden Steer. Todas as salas são lindas, cheias de detalhes em madeira e cabedal, com uma meia-luz romântica que as tornam ainda mais parecidas com um cenário de filme de gangsters. Logo na entrada há a zona do bar e cada lugar ao balcão tem um ecrã a passar jogos de azar para manter os clientes entretidos. À esquerda mora a nova ala do restaurante, inaugurada em fevereiro deste ano, e à direita ficam as salas de refeição originais. “O nosso bar só foi construído em 1978, antes era uma loja de vestidos. Supostamente, o dono da altura estava a lamentar-se com uns ‘amigos’ de que não conseguia expandir mais o restaurante e que por causa disso teria de sair da cidade”, explica Amanda. “Em duas semanas a loja de vestidos que existia na porta ao lado ardeu misteriosamente”, remata a anfitriã entre risos, aludindo claramente à “ilegalidade” desta expansão. Não seria Vegas se não existisse uma história assim. Mas voltemos ao Rat Pack.
“Uma das primeiras celebridades a vir ao ‘Steer’ foi Sammy Davis Jr.”, explica a jovem que em 2001 viu o seu pai comprar este espaço aos donos originais, deixando-a a ela e ao seu marido, Nick, a gestão. Durante os anos 50, especialmente, Las Vegas era particularmente suscetível à política de segregação racial que proliferava por todo os EUA, de tal modo que o mesmo Sammy Davis podia atuar nos maiores palcos e casinos da cidade mas, assim que terminava o seu show, tinha de sair, muitas vezes pelas portas dos fundos, e rumar às zonas onde negros também eram aceites. O Golden Steer era um desses poisos: o cantor ia quase todos os dias lá parar, ficando sempre no mesmo “booth” que, até hoje, leva o seu nome. Claro que em pouco tempo Frank Sinatra e Dean Martin seguiram as suas pisadas, ficando cada um com a sua área especifica. Seguiram-se outras celebridades como Marilyn Monroe — “Costumamos dizer que o Joe DiMaggio, o seu segundo marido, tinha dois booths para ele: um em frente ao de Marilyn, para quando estavam bem, e outro no fundo da sala, para quando estavam a discutir”, diz Amanda —, Muhammad Ali e, claro, Elvis Presley. Todos aqueles que fazem a mística desta cidade passaram aqui, a memorabilia pessoal que se encontra espalhada é prova disso. É a alma da cidade servida à mesa. Mas e o que se come aqui?
“O Brian é o nosso chef de sala e vai mostrar-vos a nossa famosa salada César”, conta Nick depois de nos ter encaminhado para uma sala privada. Preparada à beira da mesa por um muito bem penteado e vestido Brian, a salada fresca e pungente é o tiro de partida perfeito para o que aí vinha. Tomahawks gigantes são trazidos em tábuas de madeira juntamente com uma manteiga especial, feita no restaurante, assim como um sal combinado com vários temperos mistério, também eles criados aqui. Sumarentos e deliciosos (Nick gaba-se do seu fornecedor de carne que, segundo ele, é o único nos EUA que faz testes de ADN ao seu gado, para garantir que é 100% Angus Beef), os bifes fazem-se acompanhar por caudas de lagosta maiores que a mão de um adulto. Vêm da Austrália e são servidas com um pequeno pires metálico cheio de manteiga derretida: “Mergulhem a lagosta ai à vontade, é assim mesmo que fazemos aqui”, explica Amanda. Nos copos ainda borbulha um champanhe francês de qualidade quando Brian vem à mesa outra vez, agora por causa da sobremesa, uma espécie de spin-off do crepe suzette chamado “bananas Foster”, que combina este fruto tropical flambé com gelado de baunilha. Tudo simples mas de qualidade superior. Quase que vemos Sinatra e os amigos a cantar entre as mesas, de charuto numa mão e uísque na outra — aparentemente faziam exatamente isto com alguma regularidade.
O espírito da Las Vegas do nosso imaginário comum vive tanto neste Golden Steer como noutras casas muito semelhantes em termos de aura, como o Piero’s Italian Cuisine — deliciosas almôndegas caseiras com molho de tomate e ricotta batida com manjericão — ou até mesmo o caricato Peppermill, que mistura um clássico diner norte-americano, de um lado, e do outro um bar de cocktails saído diretamente de um videoclip dos Bee Gees, cheio de sofás vermelhos rebaixados, neóns azuis e rosa e uma lareira a gás a boiar numa espécie de mini piscina. Não é à toa que Martin Scorsese escolheu estes três sítios que visitámos como cenários do clássico “Casino”, com Robert De Niro, Sharon Stone e Joe Pesci. Esta é mais uma Vegas diferente que há por provar.
O clichê vs o futuro
Na “Strip”, o local onde se concentram os principais hotéis e casinos de Las Vegas, não há como fugir aos “chefs celebridade” e usar aquele-tipo-que-cozinha-na-tv é o isco perfeito para levar alguém a jantar.
Gordon Ramsey no Caesers Palace (existe um Hell’s Kitchen aberto ao público, sempre cheíssimo e a vender merchandising por largas centenas de dólares), Martha Stewart, Guy Fieri, Buddy Valastro (mais conhecido como “Cake Boss”), José Andrés, Wolfgang Puck, Thomas Keller, Joël Robuchon, David Chang e muitos, muitos mais. Curiosamente a Michelin não atribui os seus galardões nesta cidade, fê-lo apenas em 2008 e 2009.
Todas as partes envolvidas saem bem deste casamento: os chefs ganham acesso a um mercado que movimenta diariamente milhões de dólares, os hotéis e casinos passam a ter mais um atrativo para chamar clientes, e mesmo esses passam a ter acesso à comida de alguém que podem nem conhecer muito bem mas conhecem do pequeno ecrã. Contudo, falta a novidade: o próprio restaurante pode ser um “copy/paste” do aspeto do original, os pratos servidos os mesmos. Felizmente, há toda uma nova geração de cozinheiros em Las Vegas, muitos deles longe da “Strip”, a construir a sua própria carreira.
Só no bairro de Spring Valley, por exemplo, moram três exemplos da nova cozinha de Vegas. Inaugurado em 2017 pelo chef e proprietário Brian Howard o “Sparrow + Wolf” iniciou a tendência de “jovem talento a sair do palco da Strip e dos grande hotéis e casinos para lançar-se a título próprio”. A mudança foi um sucesso. No espaço de sete anos estabeleceu-se como um dos “imperdíveis” para qualquer foodie que visite a cidade, tendo este ano sido semifinalista dos James Beard Awards, na categoria de “Melhor Chef”. Howard não se prende a géneros ou estilos e junta um pouco de tudo aquilo que aprendeu ao longo dos mais de 20 anos que passou em cozinha: imagine o seu húmus de rabo de boi, os tortellini ‘birria’ encharcados num consomé de cabra ou a espécie de taco de arroz preto com pato em três maneiras (moído, confitado e foie gras), cogumelos e jícama (conhecido como “nabo mexicano”). Não há barreiras, vale tudo — bem ao estilo de Las Vegas.
A menos de dez minutos de distância do “Sparrow + Wolf” moram outros dois exemplos da nova comida “lasveguiana”. Primeiro há o “Milpa”, do chef DJ Flores que, por levar tão a sério o seu legado mexicano, já é conhecido como “o rei das tortilhas” de Las Vegas. No seu espaço profundamente descontraído, tacos, quesadillas, burritos e outros clássicos mexicanos são servidos com descontração e uma elevada dose de técnica – o que não é por acaso, tendo em conta o trajeto profissional de Flores, que passou por grandes restaurantes como o Quintonil, na Cidade do México. Ele é dos únicos em Las Vegas a fazer tortilhas do zero, com milho azul, vermelho e amarelo que compra diretamente a pequenos produtores no México e que são depois moídos e cozinhados pela sua equipa. Flores, que também foi semifinalista dos James Beard Awards na categoria de melhor chef, tem no seu menu sugestões como as “tetelas”, pedaços de massa de tortilha em forma de triângulo que são recheados de abóbora, ovo estrelado, cogumelos shimeji, couve flor assada e molho “macha”. Os tacos são imperdíveis, sendo os de lombo de vaca grelhado e fumado e os de mahi mahi (tipo de peixe) panado alguns dos que mais se destacam.
Há ainda o “Edo Tapas & Wine”, que também fica a poucos passos tanto do Sparrow como do Milpa. Liderado pelo espanhol Oscar Amador Edo, que na sua carreira ainda na Europa passou por sítios tão icónicos como o El Bulli, por exemplo, também deixou o seu lugar num restaurante de fine dining na “Strip” para abrir este boteco que tanto serve uma série de tapas espanholas reinventadas — não faltam equivalentes às patatas bravas ou ao polvo à galega, por exemplo — como também dispõe de um menu de degustação completo, onde entram alguns pratos mais substanciais como a sua versão de um guisado de carne de vaca (que Edo faz com wagyu, porque, afinal, não deixamos de estar em Vegas) ou de um bacalhau com batatas assadas. Tudo num ambiente descontraído que convida a provar não só várias comidas como também diferentes vinhos — a sua seleção é extensa, algo raro no contexto norte-americano, onde o consumo de vinho é ainda baixo.
The World’s 50 Best. Belcanto é o 31.º melhor restaurante do mundo
A que sabe Las Vegas, afinal? Uma coisa é certa, modéstia e discrição não são os ingredientes favoritos. E sabores? Basta olhar para a história e o panorama social da cidade: “Ninguém é de Las Vegas”, como dizia o nosso amigo taxista, mas toda a gente vai lá parar, venha de onde vier. É essa mistura entre culturas, delírios e pecados que tempera os pratos que aqui se servem — e fez um dia Elvis cantar em “Viva Las Vegas”: “Bright light city gonna set my soul/ Gonna set my soul on fire”.
O Observador viajou a convite do Turismo de Las Vegas.