915 milhões e 900 mil euros. O Ministério das Finanças (ainda com Fernando Medina) teve de registar um encargo desta magnitude nas contas públicas de 2023 por se ter reconhecido perdas com a carteira de crédito do antigo BPN – créditos considerados irrecuperáveis e outros ativos que se confirmou valerem menos do que se estimava. Sem o impacto da longa e difícil digestão dos problemas do banco nacionalizado em 2008, o excedente orçamental de 2023 poderia ter sido ainda maior: teria ficado perto de 1,6% do PIB.
“A dimensão do excedente orçamental de 2023 apurado foi penalizada em 1.261 milhões de euros (0,5% do PIB)” por três efeitos extraordinários, referiu a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) num relatório de análise à execução orçamental de 2023. A maior parte desses 1.261 milhões – os tais 915,9 milhões de euros – diz respeito a só um desses três efeitos: o “registo de perdas de créditos não passíveis de recuperação detidos pela Parvalorem, no âmbito do processo de nacionalização do BPN”.
O encargo não agravou o défice porque ele não existiu em 2023 – pelo contrário, as contas públicas tiveram um resultado positivo de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas o superávite teria ficado perto de 1,6% sem essa penalização causada pela Parvalorem, já que o impacto é contabilizado em 0,35% do PIB. E teria chegado perto de 1,7% sem os outros dois fatores (menos pesados) que prejudicaram o equilíbrio financeiro do Estado em 2023: a “conversão de ativos por impostos diferidos” relacionados com o Novo Banco (117 milhões) e, ainda, uma “decisão judicial que sentenciou a devolução à EDP dos valores pagos em 2009 pelos direitos de exploração da barragem do Fridão” (228 milhões), projeto posteriormente cancelado.
A líder do Conselho das Finanças Públicas (CFP), Nazaré da Costa Cabral, já se referiu aos “restos” da nacionalização do BPN como um “sorvedouro” de dinheiro dos contribuintes. Os ativos e passivos do banco, responsabilidades que o Estado assumiu totalmente, foram colocados em três entidades públicas criadas para o efeito: a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas. O único ativo que não foi aí colocado foi a própria atividade comercial bancária, que foi vendida em 2012 ao BIC (hoje EuroBic, banco que está agora a ser comprado pelos espanhóis do Abanca).
Ao longo dos anos aquelas três entidades foram-se desfazendo do que tinham no balanço: vendendo pacotes de créditos (com baixas taxas de recuperabilidade e quase tudo em contencioso), carteiras de imóveis, ativos financeiros e até obras de arte. À medida que as exposições foram liquidadas, sobretudo até 2019, a Direção-Geral do Tesouro e Finanças (acionista único) foi fazendo novos financiamentos para compensar as perdas relativas à diferença entre o valor a que os despojos do BPN estavam contabilizados e o valor real a que foi sendo possível vender.
“A Parvalorem e a Parups são, nos últimos anos, sorvedouros de dinheiros públicos — não há outra forma de o dizer — com permanentes injeções de capital, desde logo sob a forma de empréstimos”, disse. O Tribunal de Contas calculou que, desde a nacionalização até 2022, ascendeu a 6.032 milhões de euros a diferença entre as despesas e as receitas, tendo sido recuperado até agora menos de um terço do valor dos créditos (segundo as últimas contas disponíveis). “É uma ferida que está nas nossas finanças públicas”, atirou a líder do Conselho das Finanças Públicas.
Em meados de 2021, quando já havia menos ativos e passivos para gerir, foi tomada uma decisão pela equipa das Finanças (o ministro João Leão e o secretário de Estado João Nuno Mendes): uma reestruturação que levaria a que a Parvalorem absorvesse os balanços da Parups e da Parparticipadas, centralizando ali toda a gestão. A Parups tinha a gestão de ativos imobiliários e as obras de arte do antigo banco de José Oliveira e Costa (que morreu em março de 2020).
Segundo o Governo, na altura, tal decisão foi tomada para haver uma “minimização do esforço do acionista” e para se conseguir emagrecer os custos de gestão daqueles veículos (uma poupança de 270 mil euros por ano). O Governo iniciou a reestruturação com a intenção de também a Parvalorem ser liquidada, mais à frente. E, nesse momento, o desequilíbrio que ainda existia entre ativos e passivos remanescentes levou a que os capitais próprios (negativos) fossem calculados em 4,9 mil milhões de euros.
Mas depois da fusão, concluída em 2022, foram feitas novas contas ao valor dos ativos e passivos. E o resultado dessas contas mostrou que os ativos valiam ainda menos do que se estimava. “Em 2023, no âmbito do processo de reestruturação das referidas empresas, com fusão das restantes na Parvalorem SA, foi elaborado um plano de negócios para o período de 2024-2027 com enfoque na estimativa de recuperação da carteira de crédito até ao fecho da empresa“, explicou o Instituto Nacional de Estatística no relatório sobre o chamado Procedimentos do Défices Excessivos.
“No âmbito desse processo”, indicava o INE nesse relatório de março de 2024, “foi apurado o valor dos créditos que não serão recuperados“, e esse valor – os 915,6 milhões de euros – foi “registado como transferência de capital com impacto no saldo das Administrações Públicas (AP)”, isto é, teve impacto no saldo das contas anuais do Estado que agora a UTAO estima em 0,35% do PIB.
No final de 2022, segundo as contas da empresa, a Parvalorem tinha 578,5 milhões em ativos (já contando com os 225,5 milhões vindos da Parups). Já o passivo totalizava 5.405 milhões.
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Sensivelmente ao mesmo tempo que o Ministério das Finanças de Fernando Medina registava nas contas de 2023 este encargo relacionado com o BPN, inscrevia-se no Orçamento do Estado (negociado em 2023, para 2024) um montante não muito diferente – cerca de 1.100 milhões de euros – para políticas públicas na área da habitação, designadamente os apoios extraordinários ao pagamento de rendas e de prestações de crédito.
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Depois de vendida a rede de banca de retalho ao então Banco BIC, os (restantes) ativos e passivos foram colocados em três entidades 100% detidas pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças: a Parvalorem, a Parups e a Parparticipadas. A vasta maioria dos créditos e exposições que foram colocadas nestas entidades estão, agora, em insolvência ou em pré-incobrabilidade.
No final de 2022, a carteira de crédito da Parvalorem tinha 5.886 devedores, embora 94% do valor da carteira sob gestão dissessem respeito a apenas 14% dos clientes. Eram, sobretudo, créditos a empresas (93% do valor e 69% do número de contratos).
Parvalorem tinha sob a sua alçada, por exemplo, uma dívida de aproximadamente 17 milhões de euros da companhia de aviação OMNI – que chegou a ser notícia pela utilização de um jato seu, um Falcon 900B, para transporte de mais de meia tonelada de cocaína. Depois há terrenos (sobretudo nos distritos de Porto e Santarém, onde estão 50% dos imóveis), imóveis para habitação, espaços comerciais e armazéns.
Nesse exercício de 2022, segundo o relatório e contas, a Parvalorem venceu processos judiciais que lhe conferirem ativos imobiliários importantes como um chalet em Madrid e um conjunto de terrenos na ilha de Porto Santo. Cerca de 57% da carteira imobiliária dizia respeito a terrenos, 22% a espaços comerciais e 9% a habitações. Quase 90% dos imóveis valia menos de 250 mil euros e 57% valem menos de 50 mil euros.
Entre os ativos estão, também, participações sociais em empresas insolventes.
Além de penalizar o exercício orçamental de 2023, o reconhecimento destas perdas colocou Portugal mal na fotografia, na última edição de um balanço feito anualmente pela Comissão Europeia sobre as ajudas estatais à banca. Segundo esse estudo, citado pelo Jornal de Negócios, o impacto da Parvalorem no saldo, somado ao efeito dos impostos por ativos diferidos do Novo Banco, deu a Portugal um registo ainda pior do que o da Grécia em 2023 – quase 0,5 pontos percentuais de défice adicional (na Grécia o impacto orçamental das ajudas à banca neste ano foi de 0,45% do respetivo PIB).
A boa notícia é que, neste exercício orçamental de 2024, “o efeito de base destas medidas temporárias ou não recorrentes, bem como o resultado orçamental apurado em 2023, constituem um ponto de partida anual substancialmente mais favorável do que o previsto” no Orçamento do Estado que está em vigor, diz a UTAO.
O Observador contactou o Ministério das Finanças (agora liderado por Joaquim Miranda Sarmento), para obter mais esclarecimentos sobre as perdas da Parvalorem e sobre os planos para o futuro mas a tutela não fez comentários.