Marcelo Rebelo de Sousa não está a gostar do que está a ver. O Presidente da República terá manifestado alguma preocupação com o rumo que o Governo socialista está a seguir nos primeiros meses da legislatura e terá desabafado isso mesmo nas audiências que foi mantendo com os partidos com assento parlamentar.
De acordo com o que o Observador apurou junto de fontes partidárias que estiveram nessas reuniões, Marcelo terá elencado vários motivos de frustração com os sinais que está a receber de António Costa. À cabeça, a forma como o Plano de Resiliência e Recuperação (PRR), a dita bazuca europeia, está a começar a ser aplicado.
Segundo as mesmas fontes, grande parte das preocupações do Presidente da República estarão em linha com o relatório do Ministério Público, revelado pelo Correio da Manhã, em que se analisa o sistema de vigilância implementado pela Comissão de Acompanhamento e Controlo (CAC) do PRR. As críticas são claras: o sistema de controlo interno “carece de melhorias, tendo em vista assegurar a sua necessária e integral conformidade com os requisitos regulamentares e as orientações aplicáveis” e não se percebe como se deu “luz verde” ao pedido do primeiro pagamento.
Marcelo, que tem falado insistentemente sobre a necessidade de uma boa e correta aplicação destes fundos europeus, não terá escondido algumas reservas com os primeiros resultados e terá chegado a dizer que teme que o Governo venha a cometer os mesmos erros do passado.
Os anseios sinalizados pelo chefe de Estado não terão ficado por aqui. Até agora, Marcelo não entenderá a orgânica do Governo e terá dúvidas sobre a pertinência de António Costa ter chamado a si pastas como os Assuntos Europeus e a Digitalização e Modernização Administrativa, importantes para impor reformas de que, no entender de Marcelo, Portugal precisa.
Além disso, o Presidente terá questionado ainda o facto de, num contexto tão particular, Costa ter abdicado de ter um ministro inteiramente dedicado aos fundos europeus, pasta que estava antes adjudicada a Nelson de Souza e que passou para as mãos de Mariana Vieira da Silva sem direito a Ministério próprio.
Marcelo está também muito pouco otimista em relação ao Banco de Fomento. Não que fizesse questão que fosse António Horta Osório – de acordo com o Expresso, o banqueiro terá declinado o convite do ministro da Economia, António Costa Silva –, mas porque o Governo continua sem encontrar uma solução para vitaminar aquela instituição.
Em cima de tudo isto, o Presidente estará preocupado com o que se está a passar com a descentralização – a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), liderada pela socialista Luísa Salgueiro, ‘chumbou’ a proposta de Orçamento do Estado para 2022, por entender que não dava resposta às necessidades das autarquias.
Esta posição da ANMP só vem dar razão aos piores anseios de Marcelo, que historicamente foi sempre contra a regionalização: se o processo de descentralização nasceu torto, a regionalização, que António Costa quer referendar em 2024, tem tudo para correr mal.
Presidente não consegue furar e já olha para as presidenciais
Nas audiências que manteve com os partidos, Marcelo terá ainda sugerido que não acredita que o PS venha a explorar politicamente o caso que envolve a Câmara Municipal de Setúbal e refugiados russos dada a proximidade entre os dois partidos — no entender do Chefe de Estado os socialistas quererão preservar o papel do PCP no tabuleiro político português.
Noutra frente, o Presidente terá também confessado alguma frustração por não estar a conseguir furar a agenda mediática para pressionar o Governo a arrepiar caminho. Marcelo está bem consciente de que a guerra na Ucrânia e ainda os efeitos da pandemia tornam o seu espaço na comunicação social muito mais exíguo.
Mais a mais, o principal partido da oposição, o PSD, continua com a casa por arrumar, o Bloco de Esquerda ainda está a lamber as feridas e o PCP está perdido na questão ucraniana. Com a oposição manietada e com o Presidente da República com dificuldades em marcar a agenda, António Costa vai passando por entre os pingos da chuva. Cenário que Marcelo não quererá ver prolongado.
De resto, o Chefe de Estado, que cumpre o segundo e último mandato, não terá resistido a comentar as próximas eleições presidenciais e os efeitos que podem ter à esquerda e à direita. E não se esqueceu de duas figuras sistematicamente apontadas à sua sucessão: Luís Marques Mendes e Paulo Portas. Marcelo joga no presente e no futuro.