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R©Rui Valido/Divulgação SIC

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Maria João Abreu. A "atriz preferida do público" que soube esperar pelo papel principal

Maria João Abreu estreou-se no teatro há quase 40 anos, esperou por um golpe de sorte na TV e tornou-se numa das atrizes mais acarinhadas. Morreu esta quinta-feira aos 57 anos.

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Quando lhe perguntavam quais eram as suas origens, Maria João Abreu costumava dizer que na família é tudo gente humilde: os pais, ele de Braga e ela de Torres Novas, vieram cedo para Lisboa, para trabalhar, e tiveram uma vida dura; os avós eram essencialmente do campo. Mas se a atriz quisesse recuar a fundo no tempo e na árvore genealógica, a conversa era outra: em 2013, quando participou no programa da RTP “Quem é Que Tu Pensas Que És?”, descobriu que era descendente de D. Pedro I e Inês de Castro. O achado deixou-a surpreendida e em lágrimas. Mais tarde, à revista Sábado, comentaria o seguinte: “Quando, durante as gravações, visitei o Mosteiro [de Alcobaça] e vim a saber que descendo daquelas duas criaturas, entrei em catarse logo ali. Foi a cereja no topo do bolo!”.

Independentemente das origens, foi o caminho que percorreu que fez dela uma atriz acarinhada pelo público. Maria João Abreu morreu esta quinta-feira, quase duas semanas depois de se ter sentido mal durante as gravações da novela em que participava, “A Serra”, no passado dia 30 de abril — entre os sinais de mal-estar estavam falhas de raciocínio. Foi internada de urgência depois da rotura de um aneurisma cerebral, primeiro no Amadora-Sintra e depois no Garcia de Orta. Terá sido submetida a duas operações. Tinha 57 anos.

A infância pobre e a descoberta dos palcos

A carreira de quase 40 anos, dividida entre teatro, cinema e televisão, começou com o musical “Annie” de Thomas Meehan, em 1983, mas podia não ter descolado de todo. Maria João Abreu tinha 19 anos e, até um amigo a inscrever nessa audição, queria ser engenheira agrónoma — chegou a ingressar numa escola agrícola no 10.º ano. O facto de conseguir o papel após o casting fê-la mudar de ideias e seguir o caminho da representação.

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O gosto pela agricultura era fácil de compreender, estava enraizado na família, sobretudo aquando das visitas à casa da avó materna. Maria João sempre trabalhou muito, mesmo em nova, e recorda-se da avó a puxar pelo seu sentido de responsabilidade: “Às vezes saía da cama, ia tomar o pequeno-almoço e a minha avó dizia: ‘Já o ganhaste?'”. A preocupação com o dinheiro era real: a atriz recordou ao programa Alta Definição como, a certa altura, andava por casa a abrir e a fechar gavetas à procura de tostões para comprar um quilo de arroz para o jantar. A mãe trabalhava muito, o que a fez crescer depressa — talvez fosse por isso que dizia que a filha não sabia brincar.

A atriz nos Globos de Ouro 2017

ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

A veia artística brotou mesmo perante uma infância de maiores dificuldades. A atriz lembra-se de ser pequena e brincar aos espetáculos, de calçar os sapatos de salto alto da mãe, meter fitas no cabelo e ensaiar à frente do espelho textos e palavras improvisadas. A isso acresce o gosto pelos musicais protagonizados por Fred Astaire e Ginger Rogers, revelando desde logo vontade para cantar e dançar. “Para mim o teatro sempre foi o teatro total: cantar, dançar, interpretar”, chegou a dizer ao Diário de Notícias, fazendo jus à grande estreia em palco.

Após o musical “Annie”, dirigido por Armando Cortez, Maria João participa em vários espetáculos de revista no Parque Mayer e no Teatro Maria de Matos, participando também, em 1991, na Casa da Comédia em “O último dos Marialvas” de Neil Simon. O amor pelo teatro foi tanto que em 1998 funda a produtora Toca dos Raposos com o então marido, o também ator José Raposo, através da qual surge o espetáculo “Isto Vai Com Elas” e, juntamente com o encenador, ator e dramaturgo Hélder Freire Costa, a revista “Ó Troilaré, Ó Troilará” e o musical “Mulheres ao Poder”, entre outros títulos. “Trabalhámos tanto, tanto, que nos separámos”, brincou certa vez, referindo-se a José Raposo. O certo é que o divórcio acabou por ditar também o fim da produtora.

Em 2016 havia ainda quem na rua a chamasse “estrela de revista”, muito embora o percurso de Maria João se estenda para lá do palco, com a atriz a fazer nome também no cinema e na televisão.

A atriz na companhia de João Baião, em 2014, durante as gravações de "Mar Salgado"

Nuno Pinto Fernandes / Global Imagens

De Lucinda, em “Médico de Família”, à já famosa Maria do Céu

“Sei que trabalho muito, tento superar-me a mim mesma em tudo o que faço na vida”, comentou em 2019 no programa Alta Definição. A verdade é que, olhando para o currículo da atriz, fica em evidência os sucessivos projetos em que participou, uns com mais projeção do que outros, sobretudo no pequeno ecrã.

A estreia em televisão acontece alguns anos após o teatro, em 1988, na comédia “Uma Bomba Chamada Etelvina”. Segue-se “Canto Alegre”, no ano seguinte, onde contracena com Marina Mota, Fernando Mendes e até José Raposo. Posteriormente é a vez de “Caixa Alta” (1989) e do “O Cacilheiro do Amor” (1990), ainda na RTP. Já em 1993, com a chegada da TVI ao mercado, a atriz muda-se para a estação de Queluz de Baixo onde participa em produções como “Cos(z)ido à Portuguesa” (1993), “Trapos e Companhia” (1994) e “Quem Casa Quer Casa” (1994).

Em 1995, agora na SIC, faz parte dos programas “Big Show SIC” e, no ano seguinte, “Os Malucos do Riso” e “Camilo e Filho Lda.”. Mas é com “Médico de Família” que tudo muda, com a personagem “Lucinda” a tornar-se numa das mais populares da sua carreira. O sotaque de Braga, que foi buscar à família do pai, fez com que “Lucinda” ficasse automaticamente minhota — não raras vezes, a atriz ligava às primas nortenhas para se inspirar e reunir termos próprios. Não foi só uma língua afiada que Maria João emprestou à personagem, mas também o gosto para cantarolar “Ó troilaré, ó troilará, vieste para mim, vieste para cá”.

“Aquilo foi uma cena em que a Sara Norte zangava-se com o Fernando Luís, partia um copo, eles saíam os dois de cena e eu ficava a varrer. Como o assistente nunca mais dizia corta, de repente, comecei a cantar isso e inventei um bocadinho a letra”, contou em 2017, numa entrevista ao programa “Túnel do Tempo” onde recordou “Lucinda” como, muito provavelmente, a personagem mais inocente e pura que já interpretou.

“Conta-me como foi”, emitida entre 2007 e 2010, é uma série que também a marca particularmente. Mas outro projeto que deixa rasto, embora num contexto muito diferente, é a novela “Paixão”, onde a atriz veste a pele de uma personagem deprimida, tanto que no final das gravações recorreu a apoio psicológico para se libertar de “Isabel”. “Foi muito intenso. Era uma personagem muito pesada, uma vítima de violência emocional”, disse à TV7 Dias. “Eu entro a fundo nas coisas, às vezes demasiado… e todos os dias levava a personagem para casa.” Maria João já antes tinha esclarecido que todas as personagens a que deu vida tinham um pouco de si, por mais antagónicas que fossem.

A atriz com Âgenlo Rodrigues © mariajoaoabreuoficial/Instagram

“Jardins Proibidos”, “Morangos com Açúcar”, “Espírito Indomável” e “Amor Maior” são outras novelas em que Maria João participa, mas “Golpe de Sorte” foi efetivamente um golpe de sorte para atriz, com a história da milionária Maria do Céu a cair nas boas graças dos telespetadores, tornando-se líder de audiências logo após a estreia. Não foi à toa que o apresentador (e amigo) João Baião defendeu que há muito tempo que Maria João merecia o papel principal num programa de televisão. A própria atriz chegou a garantir no Alta Definição que aquela era a personagem da sua vida, com a qual se identifica pela simplicidade e maneira de estar.

Em “Golpe de Sorte” contracena com o ator Ângelo Rodrigues, que há sensivelmente dois anos esteve internado vários dias no Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde a atriz também esteve internada nos últimos dias da sua vida. Foi durante as gravações da novela “A Serra”, emitida pela SIC desde fevereiro e onde dava vida a “Sãozinha Grilo”, que se sentiu mal no passado dia 30 de abril, tendo sido levada de urgência para o hospital.

Entre os trabalhos no grande ecrã, por onde também passa, estão ainda exemplos como “Amo-te Teresa”, de 2000, ou “Call Girl”, de 2017. A carreira ao longo de quatro décadas mostrou-se multifacetada e, em dezembro de 2020, Maria João era considerada a atriz preferida do público português numa sondagem da Aximage realizada para o Jornal de Notícias.

José Raposo e Maria João Abreu estiveram casados durante 22 anos

João Silva/ Global Imagens

O fim do casal exemplar e a adolescência tardia

Durante mais de 20 anos, Maria João e José Raposo foram apontados como o casal exemplo no meio artístico. Casaram muito cedo e cedo vieram os dois filhos, Miguel e Ricardo (de 35 e 28 anos, respetivamente). A vida a dois, a maternidade, as peças de teatro e as infindáveis novelas fizeram com que a “vida passasse a correr”. Mas a relação haveria de chegar ao fim na sequência de uma alegada traição por parte do ator, que fez com que Maria João mergulhasse numa depressão tal que coube ao filho mais velho andar com ela “ao colo”, segundo disse no programa “24 horas de vida”.

Sobre a mediática separação, Miguel Raposo, atualmente com 35 anos, chegou a comentar, numa entrevista à TV7 Dias, o seguinte: “O divórcio afeta sempre os filhos. O facto de sair nas revistas sempre foi indiferente. Doeu-me a separação dos meus pais por si mesma, não pela exposição que tiveram. No caso dos meus pais fez-me aprender que a generosidade salva tudo e cura tudo. Eles, sendo pessoas tão generosas, reaproximaram-se outra vez. Eles pensaram: ‘Temos dois filhos, gostámos um do outro durante tanto tempo, temos de ser amigos’. Há muito a aprender com essa generosidade também, porque, no fundo, nenhum sentimento é final”.

“Comecei a transgredir depois dos 40 e tal anos, depois do divórcio”, chegou a contar em 2019 no programa Alta Definição. Se até ali a atriz tinha sido “sempre tão certinha”, o fim do casamento abriu outros horizontes e, do dia para a noite, deu por si a fazer coisas que nunca imaginou, como sair à noite com os filhos para sítios que até então não conhecia, incluindo festivais de música. A ideia feita de que a idade está na cabeça parecia fazer todo o sentido para Maria João, cuja adolescência, disse, começou aos 44 anos, altura em que mudou de postura e deixou de ser tão séria. “Agora quero ser um bocadinho louca, quero estar descontraída na vida.”

Maria João Abreu com o músico João Soares. Estão juntos há 13 anos

Pedro Rocha / Global Imagens

A atriz refez a vida na companhia de João Soares, mesmo depois de acreditar que nunca mais voltaria a apaixonar-se, quando conheceu o músico num “encontro súbito num banco de jardim” — foi no final da estreia do musical Jesus Cristo SuperStar, no Algarve, que os dois foram apresentados por um amigo em comum, tal como contou no programa “Casa Feliz”. O marido, dez anos mais novo do que ela, trouxe-lhe “frescura” e “cumplicidade”, e fê-la conhecer novas bandas de rock — em troca, Maria João apresentou-o ao mundo do fado. Descrito como “uma pessoa muito calma”, João Soares era presença assídua nas redes sociais da artista, onde também não eram raras as declarações de amor. “É ele que me diz todos os dias que envelhecemos juntos! É ele que cuida de mim! É ele que ama tudo o que faz na vida! É ele que prolonga o amor que me tem a todos os que me pertencem! É ele, generoso, profundo, cauteloso”, escreveu em junho de 2019 por altura do 45.º aniversário do companheiro. Apesar de o casal não poder ter filhos, João Soares não deixava de ser o avô dos dois netos da atriz: Matias, de cinco anos e Noah, de três.

Ultrapassados os tempos mais difíceis, Maria João e José Raposo reconstruiram as suas vidas amorosas e continuaram a trabalhar juntos — o ator juntou-se a Sara Barradas, com quem está desde 2011 e com quem tem uma filha, a Lua. Exemplo disso foi o trabalho feito na novela “Golpe de Sorte”, da SIC, onde voltaram a fazer par romântico e a trocar alianças, ainda que em favor da história contada no pequeno ecrã. Ao FamaShow, Maria João comentou como ela o ex-marido quase não se largavam, andando “de trabalho em trabalho”. “Quer dizer que esta dupla funciona. É para mim o melhor ator da geração dele, uma pessoa extraordinária e maravilhosa, pai dos meus filhos e é muito bom partilhar projetos com ele.”

Ex-marido e ex-mulher continuavam a ser os melhores amigos, tanto que numa entrevista recente a atriz defendeu que José Raposo será sempre família. “Vou amar o Zé para o resto da vida.”

O bullying em cena e os desafios acrescidos na pandemia

Apesar do trabalho árduo e da fama conquistada, Maria João não ficou imune a alguns dissabores da vida. Em 2019, mais uma vez no Alta Definição, a atriz confessou ter sido vítima de bullying quando estava a participar numa peça de teatro. Embora o contexto não seja claro, admitiu que um colega a prejudicou ao ponto de ir parar ao hospital com um ataque de ansiedade. “Foi grave, muito grave. Durante um ano quase não dormi e tive pesadelos. (…) Era uma coisa dissimulada mesmo em cena, no palco. Estilo estar a fazer par amoroso e a pessoa olha com ódio para ti e cospe-te na cara, e aperta-te a mão e empurra-te contra o regulador quando vais a entrar em cena”. A situação apenas ficou resolvida quando Maria João, na sequência do ataque de ansiedade, deixou aquele trabalho. “Há pessoas que nunca mais quero ver na minha vida, muito menos trabalhar [com]”, assegurou.

A atriz na companhia do pai (© mariajoaoabreuoficial/Instagram)

À semelhança do que aconteceu com muitos portugueses, também a fase da pandemia não poupou Maria João Abreu. Em novembro último, a atriz perdeu o pai. João António de Almeida Abreu tinha cancro no pulmão e acabou por morrer infetado com Covid-19. “Foi-lhe descoberto um cancro no pulmão há um mês e meio, mas o meu pai tinha outras complicações de saúde. Já estava doente há muito tempo”, disse em entrevista à VIP. No Instagram, a atriz acabaria por fazer uma curta homenagem ao pai: “Sempre disseste que a vida era uma fantasia e não podia ser levada a sério. Mas a tua partida deixa um vazio enorme no meu coração. Sempre foste distinguido pela tua bondade e generosidade. E assim perdurará a tua memória”.

Ainda no decorrer da crise sanitária, a atriz viu-se forçada a encerrar definitivamente o café/restaurante que tinha inaugurado um ano antes em Lisboa, na Avenida Duque de Ávila. O negócio “À da Maria – Café & Bistro” estava a cargo do filho mais velho e encontra-se agora permanentemente encerrado. Como se isso não bastasse, Maria João foi burlada em quase 7 mil euros pela mãe de Sara Barradas, a atual companheira de José Raposo, quando tentou comprar uma casa de férias. Segundo a revista Flash, a mãe da também atriz de 30 anos está agora a cumprir pena por burla. Mais recentemente, Maria João contou ainda como desde o início de 2020 vinha a sofrer com picos de dor por causa da fibromialgia, deixando-a, por vezes, incapacitada.

Maria João Abreu morreu esta quinta-feira ao fim de vários dias em coma induzido. O marido, João Soares, confirmou a notícia da sua morte nas redes sociais, com a seguinte publicação: “A minha João partiu. Infelizmente, todo o meu amor por ela, todo o amor da família e todo o amor dos amigos não foi suficiente para impedir que esta viagem se iniciasse. Algo ou alguém lá em cima, com muita força… com muita, muita, muita mais força levou-a para junto de si”.

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