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Mário Nogueira: "Foi o meu pai que me ensinou a nunca baixar a cabeça"

Fez natação, foi escuteiro e explorou grutas em Tomar. Numa entrevista de vida, o dirigente da Fenprof, Mário Nogueira, conta como chegou à luta sindical e como ainda pensa voltar a dar aulas.

Começou por dizer que não gostava muito deste tipo de coisas, leia-se: entrevistas de vida. Explicou que já estava demasiado exposto e que assim ainda mais ficaria. Finalmente, acabou por aceitar falar do seu percurso, embora pouco convencido. Recebeu o Observador na sede da Fenprof, em Lisboa, na segunda-feira a seguir à festa do título do Benfica — e acabou a entrevista a rir.

Ao longo de uma hora e meia de conversa, o sindicalista Mário Nogueira falou das suas memórias e mostrou até algumas fotografias a preto e branco, dos seus tempos de “miúdo pequeno”. Poucas, que nunca gostou muito de ser fotografado, e as que sobram estão em Tomar, em casa da mãe, onde vai de fugida, sempre que tem algum tempo.

Amante da natureza, explorou grutas e foi escuteiro durante oito anos. Ou era isso ou a Mocidade Portuguesa. Com 58 anos feitos em janeiro, o secretário-geral da Fenprof contou como foi viver o 25 de Abril. A sua faceta reivindicativa já tem cabelos brancos, sempre abraçou causas e chegou a dar banhos de água com mangueiras no liceu.

Lida bem com as críticas de que é alvo com muita frequência e sublinha que o que o preocupa é o que pensam os professores que representa. E apesar dos momentos tensos vividos na 5 de Outubro, em Lisboa, garante que nunca cortou relações com nenhum ministro da Educação, mas também não criou amizades. Agora, está envolvido numa nova polémica, por causa dos contratos de associação. Uma guerra que neste domingo traz os colégios privados em protesto para as ruas de Lisboa.

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Não deve estar com muita vontade de festejar. Afinal foi mais um campeonato que o seu Sporting não ganhou.
Como eu prezo muito e valorizo muito a qualidade não fiquei aborrecido.

Mas lida bem com derrotas?
Não. Mas para mim a qualidade é o que deve estar em primeiro lugar, mesmo que às vezes não se reflita nas vitórias. Porque se fossemos só daqueles que ganham, provavelmente não éramos dos melhores e isso é em tudo na vida e no desporto também.

E de quando vem essa paixão pelo Sporting?
De pequenino. O meu pai era sócio e de facto desde pequenino que me habituava a ir com ele, pela mão, ver o jogo ao café. Sobretudo ao domingo à noite quando davam os resumos. E o meu pai também era sócio do União de Tomar, que chegou a estar na primeira divisão, e quando o Sporting ia lá jogar não podíamos ir para a bancada dos sócios. É óbvio que, se andar num momento mais ocupado, ou se o Sporting andar num momento menos bom, às vezes à segunda-feira ainda não sei o resultado, mas organizo-me para ir vendo os jogos na televisão.

Também praticou natação no Sporting de Tomar, certo?
Sim, mas porque Tomar é uma terra pequenina que tem duas coletividades desportivas e elas dividiram as modalidades desde sempre. Comecei a nadar aos cinco ou seis anos. Íamos para lá às oito da manhã ter lições de natação e depois passávamos os dias com cartões comprados na Câmara para 30 entradas, 30 escudos, um escudo por dia. Entrávamos na piscina quando abria e saíamos quando o senhor nos punha na rua.

Vídeo: “Ia geladinho para a natação”

E a certa altura começou a explorar grutas.
Essa era a parte do liceu. Sempre gostei de estar em muitas atividades que o liceu tinha, fossem desportivas – joguei basket e fiz atletismo –, fossem outras. Portanto, fiz parte do grupo de espeleologia. Como estava já nos escuteiros, gostava muito de acampar, do convívio com a natureza e de estar fora da cidade.

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E é verdade que foi para os escuteiros em alternativa à Mocidade Portuguesa? O seu pai teve alguma influência nisso?
Na escola primária tive um professor que nunca alinhou muito nas atividades da Mocidade. Lembro-me de, ao sábado, ver as outras turmas a marcarem passo e nós andávamos a jogar futebol. Até que houve uma altura em que tínhamos de nos inscrever. E quem fosse dos escuteiros, porque as atividades coincidiam com as atividades da Mocidade, ficava dispensado. O meu pai, que não era nada das coisas da Igreja, disse logo: antes na Igreja do que na Mocidade Portuguesa. E os escuteiros também não nos obrigavam a estar muito tempo na Igreja. Tínhamos de ir à missa ao domingo e até já tínhamos um colega mais magrinho, com quem nós combinávamos, e dava-lhe sempre um desmaio a meio para nós podermos sair. Portanto, não era uma coisa muito exigente. O resto era de facto acampamentos e atividades.

Vídeo: “Antes na Igreja que na Mocidade Portuguesa”

E durante quanto tempo andou nos escuteiros?
Dos sete aos 15 anos. Gostava porque tínhamos muita atividade a nível regional e nacional. Participávamos nos acampamentos regionais e nacionais, conseguíamos ganhar prémios que tinham a ver com atividades de campo. Eu diria que aquilo foi um período muito de aprendizagem de trabalho em grupo. De alguma forma, também algum trabalho de coordenação, porque eu era guia de patrulha. E isto a par de outras atividades, nomeadamente no liceu. Sempre me envolvi nas atividades das associações de estudantes. Também em casa ia tendo algum exemplo do que era não baixar a cabeça ao poder fascista da altura.

Mário Nogueira no tempo que era escuteiro (à frente)

Mário Nogueira no tempo que era escuteiro, a liderar o grupo e com um sorriso no rosto (D.R.)

Por parte do seu pai?
Do meu pai, sim. Foi sempre um homem da oposição. A sede do MDP/CDE quase que era em minha casa. Portanto, sempre me habituei, desde pequenino, a ver o meu pai a ter que sair de noite, às escondidas, para ir pôr papéis da propaganda da oposição debaixo das portas e a minha mãe a ficar a chorar em casa com medo que ele fosse preso.

Alguma vez aconteceu?
Nunca aconteceu. Houve avisos fortes, desde o senhor padre a avisar a minha mãe que era bom que dissesse ao meu pai que havia coisas que em público não convinha dizer, expressar, manifestar. E a minha mãe tinha muito medo e sofria muito com isso. E eu era miúdo e para mim era uma confusão porque é que havia coisas que, não sendo mal nenhum, as pessoas não haviam de poder dizer, ou porque é que ele tinha de ir à noite as escondidas meter coisas debaixo das portas.

Vídeo: “A minha mãe ficava a chorar com medo que o meu pai fosse preso no caminho”

Portanto teve uma grande influência da parte do seu pai no que toca ao gosto pela política.
Sim. Houve claramente influência do meu pai. Lembro-me também de no próprio liceu haver abertura. O reitor era aqui de Cascais e era um homem da oposição. E foi um tipo que, antes do 25 de Abril, nós organizávamos a feira do livro e púnhamos a tocar “Os Vampiros” de Zeca Afonso, imagine. E o reitor não chegava lá a dizer “têm de tirar”. Dizia: “Ponham baixinho senão eu é que ainda me lixo”. Nunca tive, enquanto estudante do liceu, esse tipo de censura ou condicionamento, pelo contrário. E em casa havia uma cultura democrática. Por isso eu lido muito mal quando percebo que alguém acha que deve condicionar outros.

"Em casa ia tendo algum exemplo do que era não baixar a cabeça ao poder fascista da altura."

Aos 18 anos decidiu apoiar Otelo Saraiva de Carvalho. Porquê?
Eu vivi o 25 de Abril de forma intensa, porque acho que o vivi na melhor altura. Nem era daqueles meninos muito pequeninos, que faziam os desenhos de uns soldados com uns cravos sem saber muito bem o que representavam, nem tinha a responsabilidade de ser uma pessoa já verdadeiramente adulta, que não podia fazer o que quisesse. Com 16 anos é bom, é a liberdade que se conquista. E quando chegou àquela altura sinceramente achei que [apoiar Otelo Saraiva de Carvalho] simbolizava o que era o 25 de Abril.

Onde é que estava no 25 de Abril?
Estava em Tomar. A minha mãe ouviu dizer na rádio que havia qualquer coisa em Lisboa e não me queria deixar ir às aulas. O meu pai é que disse “Deixa lá ir o rapaz!” e eu fui. Foi um dia normalíssimo, com a diferença que podíamos dar uns gritos à porta, que até ali não se podia dar. Em casa foi bom. Ainda hoje a minha mãe diz que, para ela, o que mais significou o 25 de Abril foi o filho não ter de ir à Guerra. Acho que para uma geração que estava em vias de ter que entrar na recruta e embarcar para o Ultramar era de facto um alívio, porque nós não tínhamos cunhas para dizer que eu tinha os pés chatos.

E o seu pai também não teve de se esconder mais.
Não. E a partir daí foi bom. O MDP/CDE era lá em casa no meu quintal. O meu pai faleceu há um ano e pouco e eu andei a arrumar as coisas e encontrei algum material desse tempo: emblemas, livrinhos, muitas coisas ainda de antes do 25 de Abril.

E o professor quando é que se filiou no PCP?
Nos anos 80. E no dia em que terminei o meu curso fui-me inscrever no sindicato.

Voltando à sua formação. Estudou sempre na escola pública?
Eu acho que só pude fazer até ao 7.º ano no liceu precisamente por ser uma escola pública. Havia em Tomar um colégio particular, o Nuno Álvares, que era o colégio para onde iam os miúdos que, tendo más notas, mas tendo dinheiro, passavam. Eu fui para o liceu. O que também já não era fácil. Lembro-me que quando concluí o meu ciclo preparatório (1.º e 2.º anos, o 5.º e 6.º anos de agora) houve um drama enorme em minha casa, porque havia que ter que escolher entre ir para o liceu ou ir para a escola comercial industrial. A escola industrial era para as pessoas que, não tendo dinheiro, acabavam o 5.º ano (atual nono) e iam trabalhar. Quem ia para o liceu, por norma, tinha de acabar até ao 7.º ano e a partir daí ia para a universidade. E isso era um drama. Resolveu-se porque tive a intervenção de uns tios e mais uns quantos que foram pressionando os meus pais e acabei por ir. A minha intenção desde sempre era ser professor.

Mário Nogueira (à frente na ponta direita) numa visita de estudo com a escola (D.R.)

Mário Nogueira (à frente na ponta direita) numa visita de estudo com a escola primária de Tomar (D.R.)

O que faziam os seus pais?
A minha mãe foi operária fabril e o meu pai era representante de uma marca de confeitaria e percorria a zona centro na promoção e venda de doçaria. Trabalhava para um armazém. A ideia de ser professor não tinha nada a ver com eles. A ideia de ser professor acho que veio da escola primária, precisamente desse professor que era anti-Mocidade Portuguesa e que, desde miúdos pequenos, nos dizia que isto de ser professor era uma desgraça e que ameaçava que nos ia puxar as orelhas se algum de nós fosse para professor. Isso fez com que muitos de nós, hoje, sejamos professores.

E sempre quis ser professor do 1.º ciclo?
Não. A minha opção era matemática. Era a minha melhor área. Acabei o 7.º ano (atual 12.º) com 17 em matemática, que naquela altura era difícil. Quando acabo o 7.º ano, estávamos já todos com as malas aviadas para ir para Coimbra, criaram o serviço cívico. Era um ano de paragem para reorganizar o ensino superior para receber os alunos. Foi em 75. Só as escolas do Magistério, que davam, ou para educadores de infância, ou para o primeiro ciclo, é que não exigiam ter de o fazer. Eu ainda me inscrevi no serviço cívico – e durante um ano fui colocado num hospital em Tomar a fazer limpezas – mas concorri simultaneamente para a Escola do Magistério, em Coimbra. Para 90 vagas inscrevemo-nos mil e tal alunos. E lá fizemos os exames de admissão. A ideia era fazer o curso, de três anos, já ficávamos fora de casa, começávamos a trabalhar rápido e depois inscrevíamo-nos na universidade e fazíamos então aquilo que queríamos.

"Eu quis sempre ser professor. A minha primeira opção era matemática, porque gostava. Queria ser professor de matemática. Entretanto, por estas voltas todas, entro na escola do Magistério e tiro o curso [de professor do 1.º ciclo] que depois completei com a especialização em problemas comportamentais, o que é até muito bom para aturar alguns governantes e alguns políticos."

E como correu?
Fiz o exame de admissão e entrei. Fui logo para a associação de estudantes. Fiz o curso todo e quando acabei fui-me inscrever na universidade, ainda fiz umas quantas cadeiras em Economia, mas entretanto fui chamado para a tropa, em 1979, e ainda apanhei quase dois anos. Saí da tropa e nasceu o meu filho, em 1982. Portanto o estudar foi uma chatice. Fui colocado numa escola em Soure, ainda demorava uma hora para cada lado, e a Universidade de Coimbra não tinha aulas à noite.

Mas afinal queria ser professor ou seguir economia?
Eu quis sempre ser professor. A minha primeira opção era matemática, porque gostava. Queria ser professor de matemática. Entretanto, por estas voltas todas, entro na escola do Magistério e tirei o curso que depois completei com a especialização em problemas comportamentais, o que é até muito bom para aturar alguns governantes e alguns políticos. Ajuda-me. Foi um complemento do que eu já tinha. Faltavam-me dois anos para concluir a licenciatura.

Vídeo: “Quis sempre ser professor”

Vamos voltar um bocadinho atrás. Foi no liceu que começou a desenvolver o seu lado mais reivindicativo?
O meu liceu, depois do 25 de Abril, foi exemplar, até foi ocupado pelo COPCON [Comando Operacional do Continente], e houve para lá pancadaria. Ainda pus para lá umas carteiras a barricar umas escadas, porque às vezes há falta de tato. Antes do 25 de Abril, a média de dispensa de exame por disciplina era de 14 valores. Logo a seguir ao 25 de Abril, estava eu no sexto ano (atual 11.º), a média baixou para 12. E em 1975 o Governo voltou a recuperar a média de 14 para a dispensa de exame. Qual foi a inabilidade do Governo? É que, em vez de fazer um despacho, recuperou o despacho anterior ao 25 de Abril e quando é afixado na vitrina do liceu um despacho assinado pelo Veiga Simão, que foi ministro antes do 25 de Abril, a primeira coisa que se fez foi partir-se o vidro da vitrina. A nível nacional houve uma greve quase generalizada. Até para irmos fazer os exames do 7.º ano, o liceu estava completamente fechado, com a tropa lá dentro, só podíamos entrar um a um, identificados.

Foi essa a sua primeira manifestação?
Sim. A mais marcante sim. Depois houve uma grande reunião geral de alunos, que encheu o gimnodesportivo de Tomar, onde os pais dos alunos mais pequenos foram lá para tentar impedir que nós encerrássemos as aulas no liceu e o pessoal barricou aquilo.

E estava à frente disso?
Não. Mas estava lá também. Estava envolvido. A nossa arma era ligar as mangueiras às torneiras das casas de banho e dar uns banhos. Tudo por causa da recuperação desse despacho fascista.

Vídeo: “As mangueiras do liceu foram uma arma”

Conseguiram levar a vossa em diante?
Não. Ficou à mesma o 14. Mas houve depois mudanças importantes que decorreram daí. Eu nem tinha problema, porque as três disciplinas em que tinha que dispensar, dispensava sem problema nenhum do 14, e as que tinha que ir a exame tinha que ir mesmo com o 12. Mas convenhamos que é um bocado provocador. E são aquelas coisas da juventude, rapaziada nova. Era o que lhe dizia há pouco, estávamos numa idade boa de aprendizagem e aprendemos muito. O meu ano apanhou sempre uma coisa tramada. Tivemos aulas numas instalações de um politécnico, que tinham sido uma antiga esquadra da polícia, depois no meu 4.º ano, atual 8.º, fomos mandados para o sótão dos bombeiros de Tomar. Depois no meu 5.º ano e 6.º, que aquilo estava tudo a cair, fomos mandados para uns pavilhões daqueles prefabricados à beira da estação, que tinha uma coisa boa, porque era ao lado da feira popular e portanto havia ali um período em final de setembro em que nós estávamos em festa. A seguir ao 25 de Abril ainda me lembro de termos de pôr o professor da Organização Política e Administrativa da Nação na rua. Mas depois ele foi preso, porque era da PIDE.

Com tanta atividade associativa e desportiva, conseguia ter boas notas?
Sim, e eu acho que um dos problemas que os miúdos novos hoje têm é não terem tempo para nada. A escola tem uma carga letiva brutal, uma exigência brutal, os miúdos passam o tempo em exames e provas. E eu acho que a escola não é só sair de lá a saber as equações e os autores. A escola é aprender para a vida. E nós tivemos tempo para isso e hoje em dia vejo que, com esta competição brutal, a rapaziada sai sem viver muito para além da escola.

"A seguir ao 25 de Abril ainda me lembro de termos de pôr o professor da Organização Política e Administrativa da Nação na rua. Mas depois ele foi preso, porque era da PIDE."

Em algum momento da sua vida regressou a Tomar, ou ficou sempre em Coimbra?
Já estou em Coimbra há 41 anos e em Tomar estive 17. Gosto muito de Coimbra. É uma cidade que não tem as confusões de Lisboa, chega-se rapidamente a todo o lado, não se precisa de ir para baixo da terra para ir de uns lados para os outros. É uma cidade média, não tão pequenina como Tomar, onde uma pessoa, qualquer coisa que faça, toda a gente viu.

Ainda vai com frequência a Tomar?
Sim, a minha mãe vive lá. E ainda tenho lá alguns amigos, do liceu, dos escuteiros, do curso, embora com algum distanciamento.

Mário Nogueira brinca com o padrão florestal da camisa que envergava nesta fotografia de adolescente (D.R.)

Mário Nogueira brinca com o padrão florestal da camisa que envergava nesta fotografia de adolescente (D.R.)

Esta atividade na Fenprof obriga-o a ir muitas vezes a Lisboa. Porque nunca foi viver para Lisboa?
Porque não. Mesmo que fosse por um período, não queria ter um sítio onde eu tivesse de fixar os meus papéis e deixasse de andar com eles no carro.

Mesmo que seja mais cansativo?
Sim. Mas daqui a Coimbra é só uma hora e meia.

E faz isso quantas vezes por semana?
Depende. Vim ontem à noite para baixo e hoje já volto. E amanhã vou ao Porto e depois a Faro e quinta, sexta e sábado estou em Lisboa. Mas não me custa conduzir, e depois, os períodos de condução até me dão tempo para pôr em dia os meus telefonemas. Porque durante o dia não tenho tempo de atender, então vou juntando no telemóvel as chamadas e chego a fazer viagens em que ligo o telemóvel à saída e quando chego ainda me faltam uma ou duas.

Não tem é tempo para a família.
Eu acho que as coisas têm de ser todas com medida, com peso e com conta, portanto acho que as coisas são como são, e o tempo que tenho, faço a gestão.

Está como secretário-geral da Fenprof desde 2007. Ficou logo a tempo inteiro?
Já estava antes no sindicato [dos professores do Centro]. A questão do tempo inteiro no sindicato tem a ver com duas coisas: uma primeira tem a ver com o facto de vivermos num país em que só existe uma cidade que é Lisboa. Portanto, se há negociações no Ministério, se há declarações às vezes no telejornal, se o Ministério das Finanças marca reuniões, ou o primeiro-ministro, ou a Assembleia da República, não vão perguntar a que horas é que eu posso e se já saí das aulas. Nós temos uma prática: todos os dirigentes do sindicato de Lisboa têm serviço na escola. Não há nenhum a tempo inteiro. Em Coimbra isso não é possível. A questão da localização é um problema.

"Eu entrei para o sindicato mal acabei o meu curso. Quando comecei a trabalhar fui eleito delegado sindical pelos colegas. Em 1979 ainda trabalhei um bocadinho. Depois estive na tropa dois anos, depois ainda estive mais 10 ou 12 anos a lecionar."

Então ficou a tempo inteiro mal entrou para o sindicato?
Não. Eu entrei para o sindicato mal acabei o meu curso. Quando comecei a trabalhar fui eleito delegado sindical pelos colegas. Em 1979 ainda trabalhei um bocadinho. Depois, estive na tropa dois anos, depois ainda estive mais 10 ou 12 anos a lecionar. A questão dos tempos inteiros foi uma proposta feita até pelo Ministério da Educação da altura. Em qualquer setor de atividade, os dirigentes dos sindicatos têm direito a quatro dias por mês para a atividade sindical. E estes quatro dias por mês têm um problema para os professores: é que ao final do ano nós tínhamos faltado 40 dias aos alunos. Então o ministro fez a seguinte proposta: todos os dirigentes têm os quatro dias, mas alguns prescindem para ceder a outros. Como o mês tem 20 dias úteis, há quatro dirigentes que cedem os seus dias ao quinto, que acumula todos. Ao acumular os dias faz com que os outros colegas que cederam nunca faltem e nós somos substituídos por um professor na escola.

Não lhe custou deixar de dar aulas?
Sim, no início custou-me bastante. Depois a pessoa habitua-se. Muitas vezes ainda estou com os meus colegas, porque a minha escola é em frente à minha casa – se alguém quisesse dizer que estou no sindicato para não ser colocado longe não é bem assim porque eu estou efetivo, a pé, a dois minutos de casa. É evidente que no início de cada ano, e sobretudo nas alturas em que a pessoa anda mais cansada, mais estoirada, penso muito. Hoje o trabalho de um professor na escola é de uma exigência tremenda, mas quero-lhe dizer que nós temos períodos, momentos terríveis, em termos de negociação, em termos de trabalho. Isto não mata, mas mói. Tem momentos muito cansativos.

Vídeo: “Sou efetivo numa escola a dois minutos de casa”

Qual foi o ministro que lhe deu mais trabalho até hoje?
Não há ministros que deem mais trabalho.

Qual o mais difícil então?
Também não há ministros difíceis. Há ministros simpáticos ou antipáticos e depois há políticas mais tramadas que outras. A dificuldade na ação sindical não é quando andamos envolvidos nas grandes lutas, porque isso é o mais simples. Em 2008, as 100 mil pessoas que vieram para a rua – diria 50 mil mobilizadas por nós, outras 50 mil pela Maria de Lurdes Rodrigues… Nós não precisámos de fazer nada. Os tempos mais complicados são os tempos de construção, os tempos em que nós percebemos, como agora, que é possível eventualmente alterar algumas coisas. Num tempo, como os quatro anos que nós vivemos, em que aquilo que percebemos é que há uma estratégia de destruição da escola pública, o que temos é que cavar barreiras para tentar travá-la e isso não é o que dá mais trabalho. A única coisa que exige é explicar aos colegas o que está em curso. Uma coisa é chegar a uma reunião no Ministério de Nuno Crato e saber que podemos levar propostas melhores, piores, assim-assim, que aquilo para eles é zero. Fazem reunião porque a lei obriga e se nós virmos uma vírgula mal posta eles agradecem. É claro que temos que levar uma proposta, mas se calhar não temos de ter a preocupação de ser a proposta perfeita, porque é para o caixote do lixo.

Então quer dizer que Nuno Crato foi o ministro que lhe deu menos trabalho?
Sabe como era a negociação com Nuno Crato sobre o despacho da organização do ano letivo? Éramos chamados um dia, sem documento nenhum enviado antes, sentávamo-nos numa sala, era projetado na parede um power point e perguntavam se tínhamos alguma coisa a dizer. E a negociação acabava ali. Era uma vergonha. E isso não dava trabalho nenhum. Já a Lurdes Rodrigues foi uma pessoa curiosa, porque eu acho que ela é uma pessoa que defende a escola pública, só se aborrece que haja lá professores. Ela entrou num conflito, em alguns casos, sem jeito nenhum. Com afirmações pouco simpáticas para os professores. Ela diz que nunca perdoou aos professores que logo no primeiro ano em que lá chegou tivesse havido uma greve em período de exames. E acho que ela nunca percebeu que aquela greve não tinha a ver com ela.

Por outro lado, qual o ministro com o qual a relação foi mais cordial e simpática?
Tivemos vários. Por exemplo, Guilherme d’Oliveira Martins.

E o atual ministro? Tem uma relação privilegiada com Tiago Brandão Rodrigues?
Rigorosamente nenhuma. Tivemos duas reuniões, exatamente o mesmo número que tiveram as outras organizações sindicais. A única coisa que é novidade é que, com ministérios anteriores, como o de Nuno Crato, houve sempre uma relação privilegiada com organizações da UGT. A Fenprof nem sequer era chamada. E é curioso que, agora que deixa de ser discriminada, há um conjunto de pessoas que consideram que tem um privilégio.

Mas sente que tem poder junto do Ministério da Educação?
Mas que poder nós temos? Fomos a reuniões negociais tal como as outras organizações sindicais. Não temos nenhuma relação privilegiada e basta ver o despacho de organização do próximo ano letivo para perceber que se a Fenprof tivesse poder, com certeza que aquele despacho seria outro que não aquele. Se a Fenprof comandasse o Ministério da Educação com certeza que muitos problemas já estariam hoje resolvidos. A direita ainda não percebeu é que a 4 de outubro perdeu a maioria e não pode a direita querer que um Governo do PS, que se apoia na sua esquerda, tenha políticas de direita. Como a direita não tem argumentos, nem pensamento para a educação, tenta isolar rostos que são conhecidos e insultá-los. Atacá-los e denegrir a sua imagem.

"Se a Fenprof comandasse o Ministério da Educação, com certeza que muitos problemas já estariam hoje resolvidos. A direita ainda não percebeu é que, a 4 de outubro, perdeu a maioria e não pode a direita querer que um Governo do PS, que se apoia na sua esquerda, tenha políticas de direita."

Uma outra crítica que lhe é feita muitas vezes é a de defender os direitos dos professores e tratar de matérias ligadas ao ensino quando não dá aulas há mais de 20 anos. Como responde a isto?
A primeira é assim: eu conheço uma série de gente que faz essas críticas, alguns estão ali na Assembleia da República. E há uma diferença entre o que eles conseguem dizer de mim e eu não consigo dizer deles. É que eles conseguem dizer há quantos eu não estou a desempenhar a minha profissão e eu não consigo, porque nem sei a profissão deles. Sei que a profissão deles foi, quando eram jovens, entrar para as jotas, ir aos congressos das jotas com os dedos no ar e a seguir serem deputados. Depois, tenho outra coisa a dizer: isso só me preocupará quando forem aqueles que eu represento a dizer. Porque a Fenprof é uma federação de sindicatos e os sindicatos são associações e, portanto, quem tem que dizer se aquele sujeito não nos representa são aqueles que eu represento. E o que eu sei é que a Fenprof teve um congresso há 15 dias e que 97 virgula qualquer coisa por cento do congresso votou favoravelmente à minha continuidade e à direção que lidero. Se depois uns certos comentadores que eu cá sei, de alguns jornais, vêm incomodar-se com isso, isso é para o lado que eu durmo melhor. Aliás, alguns desses insultos, vindos de quem vêm, são verdadeiros mimos, porque é sinal que lhes está a doer. E há outra coisa que eu acho importante dizer-se: não há só a Fenprof no país. A Fenprof representa 70% dos professores sindicalizados, mas curiosamente há outras organizações, algumas até federações, cujos dirigentes estão há mais tempo que eu e eu não oiço falar disso, até acho injusto para eles, coitados.

Mas o professor é uma figura muito mais mediática.
Mas devia ser-se justo. Todos estão há muito.

Vídeo: “Nunca vi os que me criticam a desempenhar uma profissão”

E como é que lida com tantas críticas que vai ouvindo?
Já me habituei a não ouvir. Nem quero saber disso para nada. Sabe o que é que eu acho? Algumas das críticas que vêm da direita é por falta de qualidade. Porque houve um tempo em que podíamos não concordar com as coisas que dizia, por exemplo, Roberto Carneiro ou outros ministros ou secretários de Estado da Direita, mas reconhecia-se que era gente que tinha pensamento, era gente com uma ideia e com um projeto. Podíamos discordar do projeto ou de umas medidas, mas tínhamos de ser justos: o homem é de direita, mas tem cabeça e pensa. É que eu acho que os atuais não têm. E eu acho que esta insuficiência faz com que depois eles não consigam fazer mais do que repetir como papagaios sempre a mesma coisa: “Ai o tipo está há muito tempo, ai agora quem manda é a Fenprof, ai agora o ministro está ao mando da Fenprof”.

Mas incomodam-lhe estas críticas?
Rigorosamente nada, nem ligo nada a isso, nem quero saber disso para nada.

Está satisfeito com o rumo que está a seguir este Governo?
Não sei se estou satisfeito porque acho que ainda não há um rumo.

Mas já foram tomadas algumas medidas e alguns até dizem que foram precipitadas.
Mas há medidas que se não forem rápidas a ser tomadas nunca são. Eu penso que o Governo percebeu que havia um conjunto de guerrilhas sem jeito nenhum que criavam mal-estar, e da parte dos professores umas indignações, e levavam a umas lutas e portanto não quis comprar essas guerras: as bolsas de contratação de escola, as PACC [Provas de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades], as requalificações, essas coisas todas, não tinha sentido. Eram guerras sem jeito nenhum, que não levavam a nada e que a única coisa que traziam era intranquilidade e instabilidade ao sistema.

"Eu penso que o Governo percebeu que havia um conjunto de guerrilhas, sem jeito nenhum, que criavam mal-estar e da parte dos professores umas indignações e levavam a umas lutas e portanto não quis comprar essas guerras."

Qual é que foi a sua maior conquista enquanto secretário-geral da Fenprof?
Destacaria talvez as progressões dos professores em 2010.

E a maior derrota?
Não sei. Porque há pequenas coisas que não aconteceram, mas agora estão a acontecer. Foi uma grande derrota para todos nós não termos conseguido acabar com PACC [Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades], mas foi uma grande vitória já ter acabado.

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Pela primeira vez Mário Nogueira é eleito para o Conselho Nacional da Fenprof no final dos anos 80 (D.R.)

Há alguma coisa que se arrependa de ter feito, enquanto secretário-geral da Fenprof?
Há sempre coisinhas que a gente pensa que se fosse hoje tinha feito mais assim ou mais assado, mas nada que tivesse tido consequências desgraçadas fosse para quem fosse.

E acha que devia ter lutado mais do que lutou por algum direito dos professores?
Sabe que as lutas não são pessoais. Eu costumo dizer que a melhor luta de todas é aquela que não é preciso fazer, porque é a luta que, estando marcada, se conseguiu resolver antes de chegar à luta. Isso é que é o importante.

Mas é perito em marcar momentos de contestação…
Pois fazemos, sabe porquê? Porque infelizmente é a única maneira de termos força em sede de negociações. Porque senão, não temos força nenhuma. Quando os Governos não têm abertura para aceitar as contrapropostas só há uma maneira de eles perceberem: é nós estamos a negociar, lá dentro, e eles estarem a ouvir o ruído cá em baixo.

"Quando os Governos não têm abertura para aceitar as contrapropostas, só há uma maneira de eles perceberem: é nós estarmos a negociar lá dentro e eles estarem a ouvir o ruído cá em baixo."

A manifestação de 2008 é uma que lhe ficará para sempre na memória.
Não, as manifestações. Até porque a de 8 de março foi a que ficou mais no olho, foi a primeira, mas atenção, porque tivemos depois uma a seguir, a 8 de novembro, com mais pessoas. Com 120 mil pessoas. E se me perguntar qual foi o motivo, não há. Eu acho que cada um foi pela sua coisa. Uns porque se tinha alterado a aposentação, outros porque não conseguiam entrar nos quadros, outros porque estavam zangados com aquele regime de avaliação. E só havia uma coisa que todos achavam mal: era a maneira como a ministra tratava os professores.

2008

O líder da Fenprof, Mário Nogueira, durante a manifestação de março de 2008, no Terreiro do Paço. (D.R.)

E a ministra acabou por sair bastante cansada.
Acho que acabou por ser um dos motivos de grande desgaste do Governo da altura. Há quem diga, mas não sei se foi, que a perda de maioria absoluta também teria a ver com esse conflito forte com os professores. E foi claro que, na legislatura seguinte, com Isabel Alçada, a intenção do Governo foi retirar do Ministério da Educação uma figura que mantivesse a dureza na relação com os professores. O próprio Nuno Crato percebeu isso e com políticas muito duras teve sempre um discurso não agressivo.

Mantém relações com ex-governantes da Educação?
Não. As relações que tenho com as pessoas são de ordem política. Muitas vezes até já nos conhecemos e quando eles chegam ao Ministério da Educação, alguns até para tentarem criar uma relação próxima, começam logo a tratar por tu, são o senhor secretário de Estado e o senhor ministro. Até porque acho que isso [tratamento por tu] não ajuda no relacionamento que temos de ter.

mário nogueira, fenprof,

Mário Nogueira, na sua mesa de trabalho na Fenprof, em Lisboa. (HUGO AMARAL/OBSERVADOR)

E há alguém com quem já tenha cortado relações?
Não. Porquê? Quando saem de lá, para nós passou. Até porque o problema são as políticas e eles são os executores. Mesmo quando estão lá, a minha relação fora do espaço formal é normal. Não tenho nada contra as pessoas.

E a nível pessoal, qual a maior vitória ou conquista? Foi o nascimento do seu filho?
Estar vivo, acho eu. Eu acho que ver nascer um filho é uma coisa normal da vida das pessoas. É um momento feliz e ter sido um rapaz atinado ainda mais.

Seguiu as suas pisadas?
Não. Ele é médico em Coimbra. É médico psiquiatra.

E é reivindicativo como o pai?
Muito. Ele é da direção da Federação dos Médicos. Sempre esteve ligado à associação de estudantes, sempre esteve nas lutas dos estudantes. Sempre esteve nas comissões de tudo e mais alguma coisa na universidade, sempre praticou desporto federado, na Associação Académica de Coimbra. Hoje tem participação em vários grupos musicais também. Dá aulas na Universidade, faz investigação, é médico, é músico, é dirigente sindical e tem um filho.

"Foi a escola pública que permitiu que um filho de uma operária fabril fosse professor e o filho de um professor fosse médico. E, portanto, a escola pública faz a diferença." 

E estudou sempre na escola pública?
Sempre. Foi a escola pública que permitiu que um filho de uma operária fabril fosse professor e o filho de um professor fosse médico. E, portanto, a escola pública faz a diferença. E eu sei-o bem, porque o meu filho sempre esteve em escolas públicas, na primária, depois no ciclo, e não esteve com aquela história de que tem de estar naquela da continuidade. Quando eu mudei de casa ele mudou de escola, ponto final. Eu tinha-lhe dito que ele podia fazer o curso [de Medicina], mas com uma condição: é que tinha que o fazer em Coimbra, porque se não entrasse em Coimbra tinha de escolher outra coisa.

Porquê?
Porque ficava muito caro. E se tem uma Universidade na terra não precisa de ir estudar para fora.

E conseguiu.
Eu acho que ele consegue fazer coisas sem muito esforço. Eu às vezes até me irritava com ele por achar que no dia a seguir tinha um teste e ia para a cama à hora do costume e via televisão como nos outros dias, mas depois não conseguia discutir muito, porque ele tinha notas boas.

Tem esperança de voltar a dar aulas?
Que remédio tenho eu. Remédio não tem a ver com não querer. Porque é uma coisa que eu gosto e sempre mantive uma relação próxima com jovens em várias atividades, nomeadamente atividade desportiva. Fui 17 anos dirigente da associação académica e sobretudo das classes mais jovens de hóquei em patins.

E acha que vai ser fácil voltar à escola e dar aulas?
Voltar à escola não tenho dúvidas nenhumas. Quanto mais idade tenho, mais anos me faltam para chegar à aposentação. Daqui a três anos, que é quando acaba o meu mandato, a reforma já vai para aí nos 93.

Vai saber dar aulas nestes tempos?
Eu nunca deixei de participar em formação. Quando tenho esse tempo e essa possibilidade gosto de o fazer, gosto de ler, de me atualizar, gosto de perceber o que se está a passar nas escolas, na conversa com os colegas. Agora, tenho consciência que o meu regresso à escola passará, provavelmente, num primeiro ano, por integração, adaptação ao trabalho e depois pegar numa turma sem problema nenhum. Não é coisa que me custe.

Mesmo com as novas metas, programas e currículos completamente diferentes daquilo que eram quando deixou de dar aulas?
Sim, mas também tenho esperança que possamos ter um tempo que acabe com alguns disparates que por aí andam.

Até voltar à escola.
Até acho que vai ser mais rápido.

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