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Marta Temido entrou pela primeira vez no Governo em 2018. Em outubro cumprirá quatro anos como ministra
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Marta Temido entrou pela primeira vez no Governo em 2018. Em outubro cumprirá quatro anos como ministra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Marta Temido entrou pela primeira vez no Governo em 2018. Em outubro cumprirá quatro anos como ministra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Marta Temido sob fogo. A ministra “resiliente”, “ambiciosa” e propensa a gafes que Costa continua a segurar

Na pandemia "ganhou lutas" no Conselho de Ministros. É atacada por ser "muito ambiciosa" e elogiada por ser "rija". Retrato da ministra debaixo de fogo (que ouvia o hino da Intersindical para acalmar)

No início, ainda a pandemia ia no adro, quase tudo eram incertezas. Depois de semanas consecutivas em que as televisões mostravam cenários de catástrofe em hospitais estrangeiros, os primeiros casos de Covid-19 eram confirmados em Portugal no dia de aniversário da ministra da Saúde, a 2 de março. Seguiram-se Conselhos de Ministros tensos, em que cada ministro puxava pela sua opinião – e pelos interesses do seu setor. Quem esteve presente nessas reuniões recorda que Marta Temido “tinha muitos opositores às medidas de confinamento que sempre defendeu”. Mas venceria todas as lutas.

Dependendo de quem olha para a personalidade da ministra e pela sua forma de atuar na política, os adjetivos variam: “resiliente“, “determinada”, com capacidade de trabalho acima da média, alguém que dá o “peito às balas” por cada decisão que toma; mas no outro prato da balança, há quem a considere impreparada para o cargo, com um “currículo insuflado“, delfim político do ex-ministro Correia de Campos, a quem deve, em parte, a promoção, “arrogante”, capaz das maiores gafes por ter um preconceito de raiz contra médicos e enfermeiros — a quem já chamou pouco resilientes e “criminosos”, para logo pedir desculpa do “fundo do coração”.

Durante a pandemia, e nesses Conselhos de Ministro mais tensos, entre os que mostravam resistências contavam-se Pedro Siza Vieira, cuja pasta, a Economia, sofreria com medidas demasiado restritivas; Alexandra Leitão, então ministra da Administração Pública e Modernização do Estado; e somavam-se as dúvidas do próprio primeiro-ministro, que ia percebendo que o país tinha muito a perder em ficar fechado.

Durante a pandemia, e nesses Conselhos de Ministro mais tensos, entre os que mostravam resistências contavam-se Pedro Siza Vieira, cuja pasta, a Economia, sofreria com medidas demasiado restritivas; Alexandra Leitão, então ministra da Administração Pública e Modernização do Estado; e somavam-se as dúvidas do próprio primeiro-ministro, que ia percebendo que o país tinha muito a perder em ficar fechado.

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No entanto, depois dos Conselhos de Ministros, António Costa acabava mesmo por sair da sala e anunciar diante das câmaras de televisão novos pacotes de medidas. “Com o tempo, a Marta ganhou as lutas todas, todas. Foi mesmo ela quem nos conduziu nessas decisões”, nota um antigo ministro.

A pandemia acabou por valer a Marta Temido o título de ministra mais popular do Governo e algum peso, ainda que limitado, dentro do Executivo – noutras frentes de batalha que não a pandemia, quem negociou com a ministra notou menos autonomia ou, pelo menos, um alinhamento evidente com o primeiro-ministro. Entretanto, a pandemia (não) passou, mas acalmou; o assunto que abre os telejornais deixou de ser o boletim da Direção-Geral da Saúde; e com isso voltaram à ordem do dia problemas no setor que já eram conhecidos – e que ficaram, durante dois anos, ofuscados.

Esmagada por uma onda de notícias que dão nota de cenários de caos nos hospitais e de falhas em serviços de urgências por todo o país, a ministra da Saúde encontra-se numa nova encruzilhada. A oposição pede a sua demissão de forma cada vez mais vocal, os anteriores titulares da pasta tecem críticas duras, o primeiro-ministro é desafiado de forma constante a abrir mão da ministra. Para já, tem resistido. Mas as chicotadas psicológicas não são uma novidade no universo costista. 

“O que importa no perfil da ministra? É a confiança que o primeiro-ministro tem nela”, comenta com o Observador uma fonte do setor. Esta semana, no Parlamento, António Costa fez questão de segurar Temido: apesar das “falhas inaceitáveis” que reconheceu existirem no setor da Saúde, acrescentou que a “responsabilidade” de tudo o que acontece no Governo é do primeiro-ministro. Assim como os nomes que fazem parte do seu elenco. Ponto.

Marcelo Rebelo de Sousa, que na sequência dos fogos de Pedrógão Grande não teve pejo em “despedir” a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, em direto, desta vez recusou que o problema fosse deste Governo em particular ou desta ministra em concreto, apontando antes para questões estruturais que se arrastam de legislatura em legislatura. Temido ficou, assim, blindada. Pelo menos, por agora.

O secretário-geral do Partido Socialista (PS), António Costa (3-E), acompanhado pela cabeça de lista do PS por Coimbra, Marta Temido (C), durante uma ação de campanha eleitoral em Coimbra, no âmbito das eleições legislativas de 2022, 25 de janeiro de 2022. Mais de 10 milhões de eleitores residentes em Portugal e no estrangeiro constam dos cadernos eleitorais para a escolha dos 230 deputados à Assembleia da República. MIGUEL A. LOPES/LUSA

Em campanha, ao lado do primeiro-ministro

MIGUEL A. LOPES/LUSA

PS reconhece tensão, mas nega campanha contra Temido. “É mito”

No PS, dirigentes e deputados reconhecem que o clima geral é de tensão – mas não colocam as culpas unicamente na ministra e negam a tese avançada por Luís Marques Mendes, que apontava uma “campanha” no interior do partido pela demissão da ministra.

“Não há um caso Marta Temido, há é uma letargia que toda a gente nota, um incómodo global, um cansaço do Governo. Quando há esse incómodo, as pessoas parecem perder o encanto”, nota um socialista, questionando: “O PS vai ou não conseguir agora, com maioria absoluta, fazer as reformas que importam?”.

Uma opinião reforçada por vários outros colegas de partido ouvidos pelo Observador: “Essa campanha contra a Temido é um mito. Ela é muito apreciada nas hostes do PS”, garante um dirigente. Outro membro da cúpula do partido chega a ironizar: “Só o Sérgio Sousa Pinto” – o deputado do PS que defendeu em público, na CNN, a demissão da ministra – “é que sabe dessa novidade…”.

Para já, e ainda na esperança de que o clima de pressão à volta do SNS se esgote nesta onda mediática, o PS cerra fileiras em torno da sua ministra. Uma ministra que, na verdade, só no ano passado se tornou militante do PS – recebeu o cartão das mãos do próprio António Costa, com pompa e circunstância, a meio do último congresso socialista – mas que há muito é conotada com aquela área política. E até cultiva a ideia de se situar, dentro do PS, na ala mais à esquerda do partido.

Quando recebeu o cartão de militante do PS das mãos de António Costa no congresso socialista

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Marta, a “esquerdista” q.b.

Temido é associada, há anos, ao antigo ministro da Saúde António Correia de Campos, de quem se diz, nos bastidores, ser o seu verdadeiro criador. Mas também a um grupo de “sampaístas” que o rodeia – no qual se incluem o “eterno” secretário de Estado, Francisco Ramos, que por várias vezes se disse ter estado na shortlist para se tornar ministro, incluindo quando Temido entrou no Governo (uma tese que o próprio nega); e o marido de Marta Temido, o especialista em Saúde Pública e antigo consultor presidencial, Jorge Simões – a quem muitos apontam a influência dentro do PS.

De resto, foram públicas as vezes em que Jorge Simões intercedeu diretamente por Marta Temido e comprou uma série de polémicas nas redes sociais.  Criticou abertamente figuras como Ricardo Mexia, social-democrata e então presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), ou até Marcelo Rebelo de Sousa, a quem chegou a acusar de estar a “faltar à verdade” sobre a falta de vacinas para a gripe.

Antes de chegar ao Executivo para substituir Adalberto Campos Fernandes, o currículo de Temido – licenciada em Direito, mestre em Gestão e Economia da Saúde, Doutorada em Saúde Internacional com uma tese sobre gestão de recursos humanos na Saúde – mostrava uma jurista que, com o passar dos anos, se aproximou da área da Saúde, como administradora hospitalar ou membro do conselho de Administração de oito hospitais.

Para algumas fontes, se estas várias passagens profissionais são prova do seu “conhecimento e experiência” na área, para outras, as rápidas transferências e o pouco tempo que passou em cada cargo apontam mais para um “currículo insuflado”, com mais “linhas” do que conteúdo.

Temido chegaria ao Executivo com fama de “esquerdista”, como a própria assumiria na entrevista à Notícias Magazine – a mesma em que admitiu que gostava de ouvir, quando precisava descontrair, o hino da “CGTP Intersindical”.

Certo é que, em 2016, depois de uma passagem pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical, como subdiretora, foi nomeada pelo Governo para presidir ao conselho diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Apesar disso, não manteve uma boa relação com o então titular da pasta da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, e chegou a enfurecer o Executivo quando admitiu a necessidade de o Governo avançar com um “orçamento retificativo” para a Saúde.

Sobre o consulado de Adalberto, chegou, aliás, em entrevista à Notícias Magazine, a referir secamente que o Orçamento com que estava a trabalhar era apenas da responsabilidade do seu antecessor. Até disse descortinar na relação entre as Finanças de Centeno e a Saúde de Adalberto uma “desconfiança” – quando eram semi-públicas as discordâncias entre os dois titulares das pastas no primeiro Governo de António Costa.

Adalberto Campos Fernandes, antecessor de Temido que acabou despachado por António Costa, chegou a ironizar sobre isso publicamente com uma frase que ficaria para a memória coletiva: naquele Governo, eram “todos Centeno”, dada a mão férrea com que o ministro geria as Finanças e o Orçamento.

“Houve uma rutura tática”, comenta fonte do setor. Temido chegaria ao Executivo com fama de “esquerdista”, como a própria assumiria na entrevista à Notícias Magazine – a mesma em que admitiu que gostava de ouvir, quando precisava descontrair, o hino da “CGTP Intersindical”.

À esquerda, entre as fontes partidárias que se sentaram para negociar com a ministra em pastas cruciais como Orçamentos ou a Lei de Bases da Saúde, a forma como a substituição de Adalberto Campos Fernandes por Marta Temido foi concretizada estava relacionada com a necessidade de dar um certo conforto a bloquistas e comunistas. Mas caiu em saco roto.

A ministra, que esta semana, em plena crise das urgências, já ficou a trabalhar no gabinete “até às cinco e meia da manhã”, é descrita como “incansável”, com “uma capacidade de trabalho inesgotável”, alguém que até se esquecia de comer dado o volume de trabalho que tinha em mãos.

“Houve uma intenção tática em mudar de ministro numa pasta frágil no Governo, quando se sentiu que estavam a perder a esquerda. Mas, no que toca a conteúdo, não mudou grande coisa. O esquerdismo notou-se mais em entrevistas do que noutra coisa”, comenta um dos dirigentes à esquerda do PS que teve de negociar com Temido.

Outra fonte partidária da esquerda, que sempre reivindicou mudanças estruturais no SNS e particularmente nas carreiras dos profissionais de Saúde, nota o mesmo: “Notava-se que tinha conhecimento dos assuntos e era bem preparada, ideologicamente muito diferente do antecessor. Mas, do ponto de vista prático… o primeiro-ministro continua a mandar e a bitola que ambos estabeleceram foi não aumentar a estrutura do SNS. A estratégia de Costa foi concretizada de forma tão eficaz por Adalberto Campos Fernandes como por Marta Temido”, remata.

Nas reuniões, se havia discordância com a linha seguida pelo primeiro-ministro, progressivamente de maior rutura com a esquerda – não tanto por falta de investimento, mas pelas decisões de fundo sobre a gestão do SNS e das suas carreiras – não se notava. Só numa ocasião, à porta fechada e durante uma reunião do Infarmed, chegou a circular que a ministra ouvira um raspanete do primeiro-ministro depois de usar a palavra “confinamento” para classificar as medidas restritivas – Costa não terá gostado da expressão tão carregada, notaram fontes presentes, e irritou-se “desproporcionalmente”.

No dia seguinte, Temido não hesitou em responder aos jornalistas: “Se o primeiro-ministro puxou as orelhas à ministra da Saúde, teria certamente razão”, disparou. Estava assumido, tanto quanto possível, o desentendimento nunca oficialmente assumido entre Costa e a sua ministra. Mas Temido não hesitou em manifestar total lealdade, mesmo perante o óbvio embaraço público.

Cerimónia de tomada de posse do XXIII Governo Constitucional, no Palácio da Ajuda. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, deu posse ao Governo liderado pelo Primeiro-Ministro, António Costa. O Governo é composto por 17 ministros e 38 Secretários de Estado. Ministra da Saúde, Marta Temido Lisboa, 30 de Março de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Marta Temido entrou no Governo em 2018. Voltou a ser escolhida em 2019 e 2022

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Lealdade, noites sem dormir, sopa e morangos

A postura de Temido é, de resto, descrita por colegas e antigos colaboradores, com insistência, como sendo de uma “lealdade” à prova de bala. Se há quem lhe aponte uma “ambição desmedida“, também se fala no seu “espírito de missão” e entrega à causa pública.

Dentro e fora do PS, são várias as fontes que argumentam que teria sido fácil para a ministra abandonar o cargo com as eleições de janeiro e “sair em alta”, com a popularidade no auge e depois da difícil gestão da pandemia. Mas a ministra decidiu ficar. Porquê? Os motivos dependem de quem, mais ou menos benevolente, os explica. Há quem antecipe que Temido quer ser mais qualquer coisa no PS do que ministra da Saúde; e há quem diga, por outro lado, que a ministra achou que não podia abandonar o barco nesta altura do campeonato.

O desgaste a que Temido esteve sujeita não será difícil de compreender: a ministra, que esta semana, em plena crise das urgências, já ficou a trabalhar no gabinete “até às cinco e meia da manhã”, é descrita como “incansável”, com “uma capacidade de trabalho inesgotável”, alguém que até se esquecia de comer dado o volume de trabalho que tinha em mãos.

Durante a pandemia, não foi raro isso acontecer. Era a última a sair do gabinete nos dias mais críticos, conta a antiga assessora de comunicação, Ana d’Avó, que chegava a “ir a casa buscar sopa e morangos” a meio da tarde para a ministra, que ainda não tinha almoçado.

Os relatos são comuns a quem trabalhou de perto com a ministra na fase da pandemia: no gabinete imperava o sentido de humor, mas, e sobretudo, uma cultura de comprometimento total com o trabalho. “Às vezes, quando nos púnhamos a falar de outras coisas que não eram trabalho, ela dizia: ‘Xô, xô, temos de trabalhar!’”, recorda-se a antiga assessora. A antiga chefe de gabinete, Eva Falcão, corrobora. quando chega a altura de decidir, duvida pouco: “Não tem aquela angústia da decisão. Dá o peito às balas”.

Mas o voluntarismo de Temido tinha um lado negativo. Os colaboradores, como a própria reconheceu na mesma entrevista à Notícias Magazine, chegavam a avisá-la para ter cuidado com as palavras em público, para se “disciplinar” e calcular melhor a forma como comunicava as notícias. ´

“Éramos mais castradores do que ela”, assume Ana d’Avó, a antiga assessora. Com ou sem media training, com mais ou menos avisos, não faltaram deslizes a Temido. Acabaria por ser acusada de cometer várias gafes, umas mais leves e outras mais sérias, que espoletaram conflitos graves com alguns setores.

Numa das muitas conferências de imprensa durante a pandemia

LUSA

Ordem e sindicatos ao ataque. A “arrogância” e os pedidos de desculpas

“A experiência que temos com a ministra é que arrogantemente, durante três anos, não nos recebeu, apesar das solicitações”, dispara, quando questionado sobre a sua experiência a lidar com a ministra, o presidente do Sindicato dos Médicos Independentes, Jorge Roque da Cunha. “Não falar connosco deu no que deu. Foi um ponto de honra da senhor ministra, já que nós temos demonstrado que chegamos a acordo: já assinámos 36 acordos”, sublinha.

Do lado de Miguel Guimarães, da Ordem dos Médicos, o tom é o mesmo: “Não tenho muito a dizer porque não a conheço bem – só fez uma primeira reunião com a ordem no início deste mandato”, além de um outro encontro no primeiro mandato. Experiência diferente da que tiveram com Adalberto Campos Fernandes? “Era mais delicado. Nunca o vi a retratar publicamente mal os médicos”.

O “retratar mal” tem a ver com várias das frases mais polémicas da ministra – por algumas das quais já veio, a posteriori, pedir desculpa. Logo no início do mandato como ministra, dois meses após a posse, em tempo de greve de enfermeiros dizia em entrevista à TSF e ao Diário de Notícias que negociar com os que estavam em greve seria “privilegiar o criminoso, o infrator”.

“O problema da Marta é que não é médica. Ninguém teria sido melhor do que ela no combate à pandemia. Porquê? Porque disse aos médicos o que eles nunca tinham ouvido e que nenhum colega lhes diria”, garante um antigo colega de Governo. Curiosamente, a crítica que muitos lhe fazem, no setor, é precisamente o reverso da mesma medalha: não é médica e não ouve quem é.

Depois de várias manchetes que mostravam a ministra a “chamar criminosos a enfermeiros”, Temido foi obrigada a retratar-se e acabou por telefonar à bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, para pedir desculpas pela figura de estilo utilizada.

Questão parecida levantou-se quando em novembro de 2021, depois de uma audição no Parlamento, explodiram nas redes sociais os excertos das declarações da ministra em que dizia que na seleção dos médicos – a propósito de uma questão sobre as razões pelas quais estes decidiam não ficar no SNS – era importante considerar a “resiliência” e a “capacidade de resistência” desses profissionais. “Temos de investir nisso”, defendia.

A polémica rebentou, Marcelo veio a público garantir que a “resiliência” dos médicos, sobretudo após a pandemia, “está na cabeça de todos”, e a ministra voltou a fazer uma correção das próprias palavras: “Não disse aquilo que se refere que disse. Se causei uma má interpretação, peço desculpa por isso. Genuinamente, do fundo do coração”.

Entre os momentos mais tensos dos mandatos de Temido contar-se-á ainda a requisição civil dos enfermeiros para a qual o Governo avançou, em 2019, num período de greve em que o uso desse direito estaria a ser feito “de forma excessivamente gravosa e desequilibrada”.

“O problema da Marta é que não é médica”

A ministra que chegou a emocionar-se e a chorar num evento público, em 2020, não é, no entanto, tão frágil como poderia parecer, garantem colegas de partido e colaboradores: “É tesa”, “rija”, “debaixo daquela capa que parece frágil tem nervos de aço”, “não é ressabiada”, ouviu o Observador.

No PS, mesmo reconhecendo-se os problemas que o setor da Saúde atravessa, são muitas as vozes que preferem apontar o dedo ao corporativismo dos médicos ou ao poder das ordens e dos interesses em conflito na Saúde para explicar a pressão de que a ministra está a ser alvo.

“O problema da Marta é que não é médica. Ninguém teria sido melhor do que ela no combate à pandemia. Porquê? Porque disse aos médicos o que eles nunca tinham ouvido e que nenhum colega lhes diria”, garante um antigo colega de Governo. Curiosamente, a crítica que muitos lhe fazem, no setor, é precisamente o reverso da mesma medalha: não é médica e não ouve quem é.

Quanto à própria Temido, sempre assegurou que até pode ressentir-se com as críticas, mas seria capaz de seguir em frente: “Jamais a ministra da Saúde se sentirá fragilizada por aquilo que outros interesses, sejam eles quais forem, dizem, escrevem ou pensam. Não sou surda nem cega. Como pessoa, sinto-me. Mas como ministra da Saúde não me faz mossa”, garantia na mesma entrevista à Notícias Magazine.

Já como socialista, e principal figura do Congresso

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A ironia de Costa e o cartão envenenado

Outro dos momentos em que precisou dessa carapaça foi, ironicamente, um momento que estava preparado para a fazer brilhar – a já referida entrega do cartão de militante, pelas mãos de António Costa, em pleno congresso do PS. Abraçada por uma ovação intensa dos militantes, Temido recebeu o cartão, encostou-o ao peito e deixou juras de amor ao PS, enquanto lembrava a memória de António Arnaut.

Em entrevista ao Observador, nesse dia, António Costa nem deixava os jornalistas concluírem uma questão sobre a ministra para responder por sua iniciativa: “Sim, pode ser sucessora, pode. Daqui a dois anos já tem tempo de militância suficiente para concorrer a líder do PS”.

Dentro do partido, a manobra foi vista como pura tática ou até como uma “malandrice” de Costa para baralhar as contas a Pedro Nuno Santos, o possível sucessor a quem se aponta mais hipóteses de agarrar o aparelho do PS na próxima corrida à liderança, e aumentar a entropia. Os socialistas sorriram com a hipótese: muita simpatia por Temido, sim, mas “também não exageremos”.

No meio da euforia, Temido acabaria por não fechar completamente a porta a essa hipótese – embora rejeitando que o seu caminho “fosse por aí”, diria que “o futuro é sempre uma coisa sempre ampla, que não se sabe o que nos pode trazer”. Mas Costa fecharia a mesma porta, dias depois, com estrondo, explicando que tudo se tratara apenas de um recurso à “ironia”.

Dentro do partido, a manobra foi vista como pura tática ou até como uma “malandrice” de Costa para baralhar as contas a Pedro Nuno Santos, o possível sucessor a quem se aponta mais hipóteses de agarrar o aparelho do PS na próxima corrida à liderança, e aumentar a entropia. Os socialistas sorriram com a hipótese: muita simpatia por Temido, sim, mas “também não exageremos”, dizia ao Observador um dirigente. O embaraço estava criado – mas a popularidade de Temido seguia em altas.

Foi assim durante a pandemia, quando se manteve nas sondagens como a ministra mais popular do Governo (antes, a par de Centeno); foi assim quando um estudo de opinião perguntou sobre as figuras mais populares para sucederem a Costa no PS — cenário que está, nesta altura do campeonato, no plano do altamente improvável.

Continuava a ser assim pelo menos até à semana passada, na sondagem feita pela Intercampus já em plena crise das urgências, com Temido a segurar o lugar de ministra com mais opiniões positivas, apesar de registar uma queda parcial na sua popularidade. Até ver, Temido continua segura aos olhos da opinião pública – e, julgando pela defesa pública que fez da ministra, aos olhos de António Costa também.

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