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Melina, a cadela de Noah, não foi atrás dele porque não conseguiu passar a vedação. Pelos encontrados foram importantes para a investigação

Polícia Judiciária encontrou um buraco numa vedação a um quilómetro da casa da criança onde havia vestígios do pelo da cadela Melina e percebeu porque ficou ela ali parada até ser encontrada.

Melina, a cadela que acompanhava o menino de dois anos que esteve desaparecido 36 horas, não seguiu atrás de Noah porque não conseguiu. A cadela foi encontrada a um quilómetro de casa, em Proença-a-Velha no concelho de Idanha-a-Nova, horas depois de os pais terem reportado o desaparecimento da criança. E foi nesse local que as autoridades encontraram um buraco na vedação onde estavam vestígios do pelo da cadela.

Segundo fonte da Polícia Judiciária ao Observador, Melina terá seguido Noah naquela manhã de quarta-feira, mas quando ele passou pelo buraco na vedação, ela não conseguiu acompanhá-lo. Disso mesmo dão conta os pelos de cão presos na vedação e encontrados durante as buscas. Melina permaneceu por ali, “quem sabe à espera que ele voltasse”. Metros à frente de onde foi encontrada a cadela, e do outro lado da vedação, as autoridades acabariam por encontrar a primeira peça de roupa da criança, que poderá precisamente ter saído do corpo de Noah quando ele passou aquele estreito buraco na vedação.

Ao olhar para este percurso a partir da casa da família, não muito longe do centro de Proença, e seguindo o rasto aos objetos que foram sendo encontrados (uns calções, uma t-shirt, uma bota e uma fralda), as autoridades acreditam que a criança de pouco mais de dois anos seguiu praticamente sempre em frente, na direção contrária à sua casa. Atravessou o rio Torto, que fica a cerca de três quilómetros de casa, provavelmente numa parte mais seca que permite a qualquer um fazer a travessia pedonal. Cerca de um quilómetro mais à frente, acabaria por deixar a marca dos seus pés já descalços numa poça enlameada para continuar a andar num terreno de densa vegetação, atravessado por vários caminhos em terra íngremes, até chegar à aldeia de Medelim.

Esta é a conclusão que a Polícia Judiciária agora faz, numa fase em que a investigação está praticamente terminada. Fonte desta polícia explicou também que, neste momento, o processo só não é fechado por questões burocráticas. Faltam, por exemplo, os resultados de ADN do material apreendido — e que a polícia já espera encontrar a presença de ADN de terceiros dada a quantidade de pessoas que participaram nas buscas. Falta também o relatório médico do hospital. Por fim, e se assim o entender, deverá ser o Ministério Público a arquivar o caso.

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As pegadas que deverão pertencer a Noah indicavam a direção que tinha seguido

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Contactada pelo Observador, a presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Idanha-a-Nova confirmou estar a par da caso e acompanhá-lo com as autoridades. “A Comissão está a analisar e a acompanhar a situação em articulação com as autoridades judiciárias”, lê-se na resposta. Ivone Rente congratulou-se “com o desfecho que o caso teve”. “Foi essencial para este resultado o envolvimento e o cuidado de toda a comunidade local, voluntários, Proteção Civil, bombeiros, Câmara Municipal, Junta de Freguesia e autoridades policiais”, respondeu ao Observador por escrito.

Tempo precioso e decisivo nas buscas

Eram 15h00 de quinta-feira quando GNR, Proteção Civil e Polícia Judiciária pararam por momentos as buscas para definirem um novo plano. Nesta altura a hipótese mais forte era que Noah tivesse sofrido um acidente. Os mergulhadores da GNR procuravam-no nas águas do Rio Torto e outros militares e civis batiam o terreno. Era uma luta contra o tempo. No entanto, o material encontrado parecia trilhar um caminho e num briefing entre polícias realizado ainda antes de uma conferência de imprensa, as autoridades decidiram alargar o perímetro de buscas dos quatro para os 20 quilómetros, ou seja, a partir das pegadas da criança. “Aí começámos a perceber que já não havia muito tempo”, confessou uma fonte da PJ ao Observador.

Pelas 17h00, e depois de chegarem bombeiros de várias corporações vizinhas, bombeiros e militares alinharam se numa linha continua, de costas para a casa de Noah e começaram a varrer todo o terreno dali para a frente, em direção à aldeia de Idanha-a-Velha. Noah de facto estava quilómetros mais à frente, mas acabaria por ser avistado por um casal junto a um barracão. Vinha a caminhar, “de pé”, sempre de costas para a casa de família. Apesar de durante aquelas 36 horas poder ter parado “para dormir, ou dormitar”, para depois retomar caminho, acreditam as autoridades.

Que história conta a fotografia do reencontro de Noah com os pais

Quando o encontraram, Leandro, o pai, não estaria muito longe. E depressa correu para junto do filho, assim como a mãe, como mostra a imagem que tem circulado do momento de encontro. Noah estava despido, sujo, com algumas escoriações e desidratado.

A carrinha que transportou o menino para o Hospital de Castelo Branco, já depois das 21h00

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Assim que foi chamada a Viatura de Emergência Médica para o local,  o Conselho de Administração do Hospital de Castelo Branco reuniu de imediato. O objetivo era encontrar uma forma de receber aquela criança e a sua família e concentrar a informação que devia sair para a comunicação social. O diretor de enfermagem do hospital, Carlos Almeida, explicou ao Observador que estavam todos “muito preocupados com esta família”. Primeiro Noah, depois os pais, que também não tinham descansado nada nas últimas 36 horas e tinham estado sujeitos a uma grande pressão.

Noah estava desidratado, “com sinais de arranhões” e foi logo colocado a soro, mas “comeu e bebeu muito bem”. Depois ele e a mãe dormiram a noite toda. Já pela manhã ligaram ao pai “que também estava preocupado”. O hospital colocou à disposição psicólogos, assistentes sociais para acompanharem o caso e não deverão dar alta a Noah antes que complete 72 horas de internamento. Não só pela desidratação, mas também porque foram feitas análises, que terão de ser repetidas e comparadas para “avaliar alguns valores”.

Para ter alta, têm de estar garantidas “condições clínicas de nutrição e de hidratação, que são rapidamente estabelecidas, e que haja estabilidade do ponto de vista emocional da mãe e do pai para a ter devidamente em casa”. É, assim, necessário garantir-se que “quando sai, não tem novamente nenhum perigo”, explicou por seu turno a diretora clínica do Hospital, Eugénia André.

Carlos Almeida explicou que o discurso de Noah é o normal de uma criança da sua idade, que quer é brincar e “que não dá importância a tudo o resto”. E que estrategicamente não lhe fizeram sequer perguntas sobre o que aconteceu, porque caso exista algum trauma não o querem agravar. “Temos que estar alerta. A estratégia é não estar a massacrá-lo, dar-lhe liberdade de se exprimir”, disse.

O enfermeiro Carlos Almeida tem 59 anos, 36 anos de serviço cheios de histórias, mas nunca como as de Noah. “Na minha história aqui, este é um caso único”, diz. Aliás, quando soube que a criança tinha sobrevivido a 36 horas no mato, reavivou na memória aprendizagens da Escola de Enfermagem. “Quando se fala em comportamento e nas crianças que vivem entre os lobos e que adotam os seus comportamentos”. Para o enfermeiro vale a Noah o facto de ter crescido no campo. Valeu-lhe também as temperaturas. A noite que passou na rua não esteve demasiado fria e os dias não estiveram demasiado quentes.

Uma das imagens dos pais de Noah numa viagem que ambos fizeram pelo mundo com uma carrinha movida a óleo alimentar usado

D.R.

Uma vida mais ecológica: de Lisboa para o mundo e depois para Proença

Os pais de Noah, Rita Caupers Bragança e Leandro Fans, foram viver para uma casa arrendada em Proença-à-Velha há pouco mais de um ano. Os pais dela já ali viviam há mais tempo, depois de deixarem a vida que tinham em Lisboa. E em 2013 o casal foi notícia em vários jornais por decidir dar a volta ao mundo numa carrinha de 1984 movida unicamente a óleo vegetal.

“A nossa motivação é a urgência em ser-se sustentável. Sempre viajámos, mas queríamos passar a fazê-lo de uma maneira simbiótica. Aprendendo também sobre permacultura e agricultura biológica”, explicou à data à Lusa a mãe de Noah.

Rita e Leandro viviam no Bairo Alto, em Lisboa, quando criaram o site Green Brick Road, onde iam contando as suas experiências em viagem e nas quintas WWOOF (uma rede de voluntariado ecológico) por onde passavam e onde aprendiam técnicas de permacultura. A última publicação é de junho de 2014, altura em que Rita terá engravidado da irmã de Noah que tem agora seis anos.

As horas em que Noah, de apenas dois anos, terá saído de casa, passado um rio e sobrevivido perdido no mato

No site, tanto Rita como Leandro deixaram uma breve apresentação que pode ainda ser lida.

“A Rita é portuguesa e em 2002 foi para Inglaterra aprender Direção de Cena. A ideia era estudar teatro na terra do teatro e voltar para trabalhar em Portugal. Inesperadamente (mas felizmente!) este movimento despertou o amor pelas viagens! Algumas voltas e reviravoltas depois, trabalhou como freelancer em produção de cinema, publicidade e eventos, o que lhe dava a liberdade de poder viajar sempre que possível”.

“O Leandro nasceu no Uruguai e vive em Lisboa desde o ano 2001. Desde sempre que desejava conhecer outros lugares e não hesitou quando surgiu a oportunidade de trabalhar em gastronomia, em Portugal. O trabalho árduo permitiu um crescimento profissional e também a possibilidade de viajar pela Europa e pela América do Sul, sendo inevitavelmente acompanhado pela sua curiosidade gastronómica pelos vários sítios por onde passa. Trabalhava como chefe de cozinha no restaurante Sul, no Bairro Alto”.

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