A oposição interna tem menos um nome em quem pode depositar confiança: Miguel Quintas não vai ser candidato à presidência da Iniciativa Liberal. Não agora, pelo menos. O liberal, que chegou a animar parte dos descontentes com Rui Rocha quando mostrou disponibilidade para regressar à vida política, considera que o tempo joga contra si e que não tem condições para liderar uma candidatura alternativa à liderança do partido.
“Estarei sempre disponível para defender os valores do liberalismo desde que enquadrados dentro da transparência, da democracia, do mérito e coragem. Neste momento não considero que estejam reunidas as condições para o fazer. Nomeadamente no que se refere a uma candidatura à Iniciativa Liberal”, revelou Miguel Quintas ao Observador.
Miguel Quintas justifica a decisão com “condições de tempo útil, de estrutura organizativa e do próprio sistema que se tem vindo a edificar na IL, a par das suas idiossincrasias internas não me permitiriam fazê-lo de forma competente neste momento”. Ainda assim, reafirma que estará “sempre disponível para o fazer, seja numa plataforma partidária se tal fizer sentido para mim, ou extrapartidária”.
Apesar de considerar que este não é o timing perfeito para se juntar à corrida, até porque faltam cerca de dois meses para a convenção eletiva — que será marcada no Conselho Nacional deste sábado — Quintas considera que “a IL necessita verdadeiramente de se refundar”, designadamente “nos princípios liberais mais profundos básicos da sua fundação e que fizeram muitos sonhar, se alistar e combater pela causa”.
A falta de uma vaga de fundo
O Observador sabe que vários liberais da oposição interna fizeram aproximações a Miguel Quintas nos últimos dias, tanto do movimento alternativo “Unidos pelo Liberalismo”, como fora dele. Contudo, as demonstrações de apoio não foram suficientes para convencer o liberal de que este era o momento certo para avançar. Pelo contrário.
Apesar de haver dentro da oposição, nomeadamente em duas das listas ao Conselho Nacional que irão a votos na próxima convenção, quem tenha confirmado que demonstrou apoio a Quintas, há pessoas próximas do empresário que consideram que não havia tempo suficiente para preparar a equipa que ambicionava e entrar na corrida a tempo de fazer mossa à liderança de Rocha.
“Acho que Miguel Quintas não encontrou uma vaga de fundo que considerasse suficiente para avançar agora”, explica ao Observador fonte do partido ligada à oposicão. Mais do que os “apoios que foi recebendo de vários lados”, e que o chegaram a entusiasmar, a mesma fonte recorda que o liberal apareceu como opção apenas há uma semana e não tem uma estrutura forte que o faça dar o passo decisivo. “Era preciso mais tempo”, remata o mesmo liberal, justificando que uma entrada nesta fase podia vir a prejudicar ambições futuras de Quintas.
“Não há tempo para se lançar uma candidatura como deve de ser”, acrescenta outro liberal, que fez as contas e comparou com o que se passou na última disputa interna da IL com o que poderia acontecer agora. “Carla Castro estava no partido há anos, tinha uma equipa fantástica e em três meses não conseguiu.” Recordando que avançar com uma candidatura não é apenas atirar um nome e esperar os resultados, o liberal ouvido pelo Observador considera que “seria sempre super arriscado” tomar uma decisão desta envergadura a tão pouco tempo das eleições.
A necessidade de “mudar cadeiras” e políticas: o sonho de refundar
Em declarações ao Observador, Miguel Quintas disse que, na sua opinião, parte dos “princípios liberais mais profundos” estão “muito afastados do rumo da IL”. “Deve olhar-se para as idiossincrasias internas no que toca à gestão própria e hierárquica do aparelho organizativo assim como à necessidade de reorientação estratégica política no espectro nacional”.
E quando fala em “idiossincrasias internas” está a referir-se, por exemplo, “às razões que levam as pessoas a sair da IL” e que, sublinha, “fazem muitíssima falta” ao partido, já que considera que “todos” são “poucos para defender o liberalismo em Portugal”.
“Estou a referir-me às inerências organizativas com e sem apoio estatutário que há muito deviam ter sido corrigidas; à transparência interna absolutamente fundamental para um partido que se queira chamar liberal; à comunicação com o eleitorado e com os membros porque todos somos iguais e assim queremos ser tratados”, explica.
“Finalmente, é preciso olhar para as políticas nacionais e para a coragem que é necessária ter para se assumir a defesa dos interesses de um futuro para Portugal e não se ficar refém da procura do voto útil e colagens a modelos destituídos de liberalismo e até, algumas vezes, “wokista”. A isto eu chamo: refundar”, explica o liberal que neste momento não é membro da IL, já que saiu quando foi afastado da candidatura à Câmara de Lisboa.
“Não quero com isto dizer que tudo está mal na IL. De forma alguma. Foi feito muita coisa e parte verdadeiramente boa. Mas não é o suficiente e o caminho dos últimos anos não deve ser seguido. Urge o tempo de mudança e em particular as cadeiras têm de mudar”, remata Miguel Quintas.
O ‘não’ a ser o número dois e a porta aberta
Tendo em conta os cenários que existem em cima da mesa — nomeadamente o movimento Unidos pelo Liberalismo que continua à procura de um líder internamente, através de uma espécie de primárias — há também quem acredite que “Quintas só teria impacto se constituísse uma lista com nomes fabulosos, de fora do partido, muito mais reconhecidos do que o próprio”.
Por outro lado, a questão de poder ser visto como uma segunda opção, mesmo que avançasse para uma candidatura em nome próprio, também não agradou a Miguel Quintas. Um liberal que acompanhou o processo explica ao Observador que se o empresário decidisse ir pelo movimento seria sempre o “substituto de Mayan” e teria de “fazer um esforço hercúleo” para fazer esquecer tudo o que se passou no Unidos pelo Liberalismo desde que Mayan se demitiu da junta que presidia por falsificação de assinaturas.
Por outro lado, a opinião é quase unânime entre os liberais ouvidos pelo Observador: Miguel Quintas, ao decidir não ir agora, tem todas as hipóteses de fazer melhor figura numas próximas eleições internas. “É a melhor decisão”, reconhece um liberal ao Observador. Mais, argumenta, que este período de nojo — já que a decisão judicial que o fez querer regressar à vida política foi há poucos dias — só vai fazer bem, já que numa candidatura neste momento Quintas iria ser “acusado de revanchismo” e as eleições tornar-se-iam uma “lavagem de roupa suja”.
E, além disso, há outra tese entre alguns dos liberais desalinhados com a direção que não estão conformados com a ideia de o movimento manter as intenções de ir a votos: “Se o Unidos pelo Liberalismo for a votos e tiver uma participação insignificante, morre.” Pelo que, antecipa-se, será preciso um novo rosto para “salvar” aqueles que se mantiverem como uma oposição interna à direção no futuro.
Oposição interna continua sem rosto
Desde a saída de Tiago Mayan Gonçalves da liderança do Unidos pelo Liberalismo que o movimento procura um no rosto. Depois de sondadas diversas pessoas e de algumas negas, a decisão foi avançar para umas primárias para escolher o novo líder e consequente candidato à liderança da IL — uma decisão que continua a dividir liberais, já que mesmo dentro do movimento há quem considere que o melhor era não ir a votos.
Seja como for, a decisão está de tal forma consolidada que, como explicou o porta-voz, Rui Malheiro, ao Observador, o processo está na fase de avançar para “uma espécie de eleição dentro do movimento para quem quiser avançar” para a liderança. O objetivo é “legitimar o próximo líder” através de uma eleição aberta aos subscritores e onde qualquer um deles, mediante critérios ainda não conhecidos, pode candidatar-se.
O próprio Rui Malheiro, que continua sem fechar a porta a uma eventual candidatura (dizendo que “se os subscritores entenderem que [pode] ser uma alternativa” terá “logicamente” de ponderar), é uma solução em cima da mesa. Apesar do processo eleitoral, há dentro e fora do movimento quem considere que é mesmo a “opção mais provável”. Resta saber se no momento da decisão, Malheiro avança num dos momentos mais difíceis da vida da oposição interna.
Oposição interna a Rui Rocha prepara primárias para escolher candidato