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No centro de comando de operações da Missão Peregrine 1, na cidade norte-americana de Pittsburgh, o ambiente era, a 8 de janeiro, de grande expectativa, depois do lançamento bem sucedido de uma sonda na primeira tentativa da empresa privada Astrobotic Technology para chegar à Lua. A maior parte da equipa manteve-se acordada e a trabalhar “diligentemente” nas primeiras 24 horas para acompanhar permanentemente a operação, que rapidamente se viria a complicar depois de ser detetada uma anomalia no sistema de propulsão que acabou por determinar o fim da missão apenas dez dias após o seu início.
Foi a terceira tentativa de uma empresa privada para pousar na Lua — Israel e o Japão fracassaram nas missões de 2019 e 2023 — e, a ter sucesso, teria inaugurado um novo marco na exploração espacial dos Estados Unidos: seria a primeira sonda privada, e a primeira sonda norte-americana em mais de 50 anos, a pousar na superfície lunar. “A grande curiosidade partia do facto de ser uma missão privada à Lua, que é algo que no passado era reservado a agências espaciais, e que está agora a permitir testar novas abordagens e tecnologias“, destaca em declarações ao Observador o astrónomo José Augusto Matos.
Nesta missão não estava apenas em jogo o sucesso da Astrobotic nem da indústria norte-americana. É que a bordo do Peregrine seguiam equipamentos de recolha de dados de sete países e de 16 empresas. Cinco pertenciam à NASA, como parte do programa Commercial Lunar Payload Services (CLPS, na sigla em inglês), que levou a agência espacial a estabelecer acordos com um conjunto de empresas norte-americanas para, num primeiro momento, fazer chegar à Lua uma série de equipamentos, conduzir experiências científicas e testar novas tecnologias enquanto está a ser preparada a missão tripulada Artemis 2 — prevista para o final de 2025 e que transportará quatro astronautas, três homens e uma mulher, numa viagem em torno da Lua, mais de 50 anos depois da primeira vez que os humanos pisaram a sua superfície.
Apesar de a missão ter falhado o seu objetivo final, foi possível testar alguns novos equipamentos e fazer a recolha de dados que numa próxima fase serão estudados. “Em qualquer inovação revolucionária há recompensas e riscos. Cada empreendimento lunar aumenta as oportunidades para aprendermos e ultrapassarmos os limites do que é possível“, comentava recentemente numa publicação na rede social X (antigo Twitter) Nicola Fox, do Diretório de Missões Científicas da NASA, sobre o desfecho do Peregrine. No mesmo sentido, José Augusto Matos destaca que este é apenas um capítulo de muitos que se seguirão na exploração encabeçada pelas empresas privadas e que ainda têm muito a provar, especialmente num ano marcado por múltiplas missões espaciais de diferentes agências e países.
Esta sexta-feira, por exemplo, o Japão conseguiu colocar uma sonda na Lua, tornando-se, assim no quinto país a fazê-lo, depois dos Estados Unidos, da União Soviética, da China e da Índia. No entanto, a missão poderá acabar prematuramente. A Agência Espacial do Japão, responsável pelo lançamento, já adiantou que a célula solar não estava a produzir energia e que, por isso, o módulo operava com um bateria limitada e que deveria durar apenas algumas horas.
Os dez dias de missão atribulados do Peregrine
A contagem decrescente na Estação da Força Espacial de Cabo Canaveral, no estado da Florida, terminou precisamente às 2h18 locais (7h18, em Portugal) do dia 8 de janeiro, num lançamento bem sucedido que, com recurso ao novo foguete Vulcan Centaur — produzido pela United Launch Alliance –, dava início à Missão Peregrine 1. A expectativa era de que a sonda pousasse no polo sul da lua mais de um mês depois, a 23 de fevereiro.
O Vulcan elevou o Peregrine a uma altitude de cerca de 500 quilómetros acima da Terra e, aproximadamente 50 minutos depois do lançamento, o módulo separou-se do foguete e foi ativado com sucesso. Após a separação, a Astrobotic revelou que foi capaz estabelecer contacto. “A Missão Peregrine 1 alcançou vários marcos importantes”, sublinhava por essa altura o CEO da empresa, John Thornton, em comunicado.
Todos os olhares se concentravam na missão, acompanhada de perto pela NASA, que a financiou com 108 milhões de dólares, incluindo para que cinco dos seus equipamentos fossem transportados para a Lua. Estes destinavam-se a localizar moléculas de água, a medir a radiação e gases em torno do local de aterragem e analisar a exosfera (camada muito fina de gases na sua superfície). Seguiam também no Peregrine um detetor de radiação da Agência Espacial da Alemanha, cinco pequenos robôs de um projeto da Universidade Autónoma do México em colaboração com a Agência Espacial Mexicana e até um pequeno rover construído por estudantes da universidade norte-americana Carnegie Mellon.
Mas, depois das boas notícias, vieram as más. No próprio dia do lançamento, a Astrobotic dava conta, num comunicado partilhado na sua página, que tinha detetado uma “anomalia” que estava a impedir o módulo lunar de ter uma posição estável e orientada para o Sol. A equipa encarregue da missão acreditava que estava em causa um problema de propulsão e por essa altura já admitia que, a comprovar-se, este “ameaçava a capacidade da sonda chegar à Lua”.
Nas sucessivas atualizações, a Astrobotic viria a confirmar a falha no sistema de propulsão, indicando que estava a provocar uma “perda crítica” de capacidade de movimentos. Apenas 32 horas depois do início da missão, e já depois de ter chegado a primeira imagem do espaço captada pelo Peregrine, a empresa anunciava que a perda tornava mesmo impossível a hipótese de finalizar a missão. O objetivo foi, então, ajustado: aproximar a sonda o mais próximo possível da Lua antes de perder a capacidade de manter sua posição voltada para o Sol e, posteriormente, perder energia, e simultaneamente recolher o máximo de dados possível.
Apesar do fracasso, a missão trouxe alguns avanços. Desde já, e como destacou o administrador da NASA, Bill Nelson, o “sucesso” do novo foguete Vulcan Centaur que levou a sonda até ao espaço. Um passo para que a NASA disponha de “mais ferramentas para explorar o espaço”, acrescentou logo após o lançamento. Este foi um passo bastante significativo para a Boeing e a Lockheed, que detêm a ULA, uma vez que é o primeiro de dois voos de certificação exigidos pela Força Espacial dos EUA antes de o Vulcan poder realizar missões lucrativas para o Pentágono, nota a agência de notícias Reuters.
Além disso, alguns equipamentos que seguiam na sonda chegaram a ser ativados, incluindo o Neutron Spectrometer System e o Linear Energy Transfer Spectrometer, ambos da NASA. Estes conseguiram recolher dados sobre os níveis de radiação no espaço, segundo revelou a agência espacial. É certo que se esperava realizar essas medições quando a sonda pousasse na superfície da Lua, no entanto os dados não serão desperdiçados.
No decorrer da missão, também foi possível ativar um novo sensor, designado Navigation Doppler Lidar, também este desenvolvido pela agência espacial para ajudar sondas a pousar na lua. “As medidas e operações dos instrumentos científicos fornecidos pela NASA a bordo vão fornecer uma experiência valiosa, conhecimentos técnicos e dados científicos para futuras missões CLPS lunares”, sublinhou Joel Kearns, vice-administrador do Diretório de Missões Científicas da NASA, citado pela CNN.
Outros instrumentos não chegaram a ser utilizados, entre eles um pequeno rover construído por estudantes da universidade norte-americana Carnegie Mellon e que se iria estrear no espaço. Também o Laser Retroreflector Array (LRA), pensado pela NASA para se tornar um equipamento permanente na lua e ajudar outras sondas a orientar a sua localização, acabou por não chegar a ser ativado.
Na quinta-feira, a Astrobotic revelou que, como previsto, tinha perdido a comunicação com o Peregrine por volta das 15h50 (20h50, em Portugal), uma indicação de que o módulo devia entrar na atmosfera, sob as águas do Pacífico Sul, por volta das 16h (21h, em Portugal) do mesmo dia. A empresa ainda aguardava a confirmação independente das entidades estatais, que chegou esta sexta-feira à tarde.
(2/2)Peregrine captured this video moments after successful separation from @ulalaunch Vulcan rocket. Counterclockwise from top left center is the DHL MoonBox, Astroscale's Pocari Sweat Lunar Dream Time Capsule, & Peregrine landing leg. Background: our big blue marble, Earth! pic.twitter.com/1y4OsosNDp
— Astrobotic (@astrobotic) January 19, 2024
Numa nota otimista, a empresa dava por terminada a Missão Peregrine 1, já de olhos postos na próxima viagem espacial: a Missão Griffin 1. “A experiência arduamente conquistada nos últimos dez dias no espaço, além dos anos anteriores de projeto, construção e testes do Peregrine, vai contribuir diretamente para formar a Griffin e as nossas futuras missões”, garantia. E acrescentava mesmo: “O Peregrine voou para que o Griffin possa aterrar.”
Na equação da próxima experiência no espaço pesam também os custos. O CEO da empresa já admitiu que foram superiores aos lucros, mas garantiu em declarações à CNN, ainda antes do fim da missão, que o desfecho não significaria o fim da Astrobotic e dos seus empreendimentos. “Certamente terá algum impacto nas nossas relações e na nossa capacidade de garantir missões adicionais no futuro. Certamente seria um desafio, não o fim do negócio”, sublinhou, acrescentando que o alto risco faz parte da natureza dos empreendimentos no espaço.
Um ano de missões lunares, Intuitive Machines é a próxima aposta
A Missão Peregrine 1 foi a terceira tentativa fracassada de uma empresa privada para pousar na lua. Antes da experiência encabeçada pela Astrobotic, a sonda israelita Beresheet [Génesis, em hebraico], financiada por fundos privados e construída pela SpaceIL, partiu em 2019 a num foguetão Falcon 9 da SpaceX. Com cerca de 585 quilos e 1,5 metros, o aparelho viajou mais de 3.4 milhões de milhas à volta da terra e um milhão em torno da Lua. No momento da alunagem, o aparelho sofreu várias falhas técnicas que o fizeram despenhar-se.
Destino semelhante acabaria por viver a Hakuto-R, uma nave japonesa de 90 milhões de dólares desenvolvida pela empresa privada Ispace. Estava previsto que pousasse em Atlas — cratera de 87 quilómetros no hemisfério norte lunar –, mas já durante o processo para a aterragem o contacto perdeu-se e seis horas depois a Ispace anunciava que tinha falhado o objetivo.
Se uma empresa privada ainda conseguirá chegar à lua é uma dúvida que ainda permanece em aberto. O astrónomo José Augusto Matos sublinha que este ainda é o início de um capítulo novo da exploração espacial e que estas empresas ainda têm muito a provar. Nessa ótica, refuta que o fracasso desta missão signifique uma perda de confiança nestes novos atores. “É preciso ver que era a primeira vez que a Astrobotic estava a fazer uma missão destas. É natural que as coisas possam correr mal. Também não vamos dramatizar muito esta história”, aponta, acrescentando que o mesmo aconteceu com agências espaciais, mais recentemente com a Rússia. Em agosto do ano passado, tentou fazer aterrar uma sonda na Lua pela primeira vez desde a queda da União Soviética, mas a tentativa foi frustrada. Aliás, a Índia pousou na Lua com metade do dinheiro que a Rússia gastou na missão que caiu.
José Augusto Matos destaca que será um ano marcado por múltiplas missões privadas que trazem grandes expectativas. “Há uma expectativa de que os privados possam agora começar a ter uma palavra na expansão lunar. São novos atores que estão a entrar neste jogo da exploração lunar e que dão uma nova dinâmica à exploração”, aponta.
A NASA tem programadas várias missões entre 2024 e 2026 que envolvem naves de empresas privadas, numa lógica de alto risco, alta recompensa. A próxima poderá ocorrer já em meados de fevereiro, estando a empresa Intuitive Machines a preparar o lançamento da sonda Nova-C — com 4 metros de altura e 1,57 metros de largura — em direção à Lua num Falcon 9 da SpaceX. O objetivo é que seja possível pousar na cratera Malapert A, perto do polo sul da Lua, transportando cinco equipamentos da NASA.
Soon, @NASA science will launch to the Moon onboard @Int_Machines's Nova-C lander to study the lunar environment for future #Artemis missions.
Learn more in our latest Moon Minute: pic.twitter.com/mEaSBRDh87
— NASA's Kennedy Space Center (@NASAKennedy) January 19, 2024
A aposta da NASA também deverá continuar a passar pela Astrobotic, que na sua Missão Griffin 1 deverá transportar no final de 2024 um carga ainda mais valiosa: o Veículo de Exploração Polar para Investigação Volátil (VIPER, em inglês, sigla para Volatiles Investigating Polar Exploration Rover) até ao polo sul da lua. Se a operação for bem sucedida, este equipamento vai procurar “desvendar os mistérios da água na lua” e compreender melhor o ambiente em antecipação da missão Artemis. Vai estudar uma superfície de aproximadamente 93 quilómetros quadrados, incluindo crateras que se contam entre os lugares mais frios do sistema solar.
O VIPER tem um custo de mais de 430 milhões de dólares e será transportado a bordo da maior sonda da Astrobotic, o Griffin. O lançamento está previsto para novembro, mas a data foi divulgada antes do fracasso em fazer o Peregrine chegar à lua. Joel Kearns já admitiu que quer ver os resultados da investigação sobre o que correu mal antes de decidir se haverá alguma alteração no contrato. “Queremos ter certeza de que percebemos realmente a raiz do problema”, sublinhou esta sexta-feira numa conferência de imprensa, acrescentando que, se necessário, alterar-se-ão os planos para o Griffin.