“Uma mulher qualificada é um farol para toda a comunidade.” Foi com esta ideia em mente que 36 jovens moçambicanas estiveram esta quarta-feira na Fundação Champalimaud, em Lisboa, para apresentar os projetos de desenvolvimento que estão a aplicar naquele país — e com os quais se candidataram aos programas de formação de líderes que a Organização Não Governamental portuguesa Girl MOVE Academy tem vindo a promover.
São mulheres entre os 20 e os 30 anos que venceram obstáculos de todo o tipo e apostam em mudar a realidade de Moçambique, ainda hoje um dos países mais pobres do continente africano. Uma quer levar a tecnologia a toda a parte, outra aposta na saúde mental, sabendo à partida que o país tem as mais altas taxas de suicídio de África, e há também a geóloga que se propõe levar água potável ao maior número de aldeias possível. Mas há muito mais porque cada uma das 36 (escolhidas entre cerca de 2500 candidaturas) tem uma proposta diferente.
O poder do exemplo foi destacado pela embaixadora de Moçambique em Portugal, que acompanhou o evento. “Cada uma destas jovens está já a desenvolver trabalhos de extrema importância para a vida das nossas comunidades, em áreas como a educação para a literacia, a saúde, a escola, as tecnologias ou os recursos hídricos”, disse Stella Novo Zeca. Mas tão importante como esta missão “é o exemplo de empoderamento e capacitação que elas dão às mulheres e às meninas de todo o país”.
Vestidas com as capulanas tradicionais de Moçambique, as jovens movem-se em palco com um à vontade alimentado pela convicção. É o caso de Lorena Roberts, formada em Relações Internacionais e com um interesse particular nos temas da Segurança Internacional. Lorena ocupa-se “da tragédia das crianças-soldado, muito presentes na região de Cabo Delgado, onde, nos últimos tempos, se reacenderam velhos conflitos”. E avança: “Também, neste caso, as mulheres podem desempenhar um papel fundamental, impedindo que os filhos, ainda crianças, sejam retirados da escola e de casa para ir para a guerra.”
Neste momento, Lorena está em fase de conclusão do mestrado na área de Islão, Género e Sexualidade, na Universidade de Cape Town, na África do Sul. A adesão ao projeto da Girl MOVE Academy foi “o complemento prático da teoria que está a abordar na dissertação académica”.
Neste evento em Lisboa as 36 moçambicanas — as girl movers — contaram as histórias de vida e de relação com os outros, mas também interpelaram vários participantes portugueses com áreas de trabalho muito diversas, mas todos unidos pelo interesse no empreendedorismo e na inovação social. Entre eles, Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, Luís Amaral, João Maria Jonet, especialista em Relações Internacionais, a designer Inês Ayer, Rita Saias, consultora para a juventude do Presidente da República, Filipe Santos e Mafalda Rebordão, professores universitários, Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, Inês Relvas, membro da comissão executiva da Universo, Carla Mouro, secretária de Estado para a Igualdade, e Rui Diniz, presidente da comissão executiva da CUF.
A Girl MOVE Academy é uma academia de liderança, que capacita mulheres recém-formar na universidade para que sejam os agentes de mudança da próxima geração. Cada girl mover é responsável por um grupo de jovens adolescentes, de quem se tornam mentoras, exemplo e inspiração. Este programa já foi distinguido pela UNESCO como um trabalho de excelência na área da educação de meninas e adolescentes, de forma a superar desigualdades sistémicas, que perduram no tempo.
Na sua intervenção, a presidente da Fundação Champalimaud mostrou-se particularmente emocionada com a ideia de receber estas girl movers e os seus projetos mobilizadores na instituição. “Tenho a convicção de que elas conseguem ser um exemplo junto das suas comunidades, conseguindo com que um número crescente de mulheres se sintam cada vez mais fortes e capazes de superar os obstáculos, que são muitos”, disse Leonor Beleza. E evocou a sua própria experiência: “Embora a realidade portuguesa seja muito diferente, eu própria senti os desafios extra que se colocam às mulheres quando estão em lugares de liderança.”
Na ocasião, Leonor Beleza admitiu o seu carinho especial por Moçambique, desde que viveu em Nampula, no norte do país. “Foi há cinquenta anos, num momento muito particular da vida dos dois países, porque já tinha acontecido o 25 de Abril e estava a iniciar-se o processo independência. Eu estava lá a acompanhar o meu marido, militar português, mas estabeleci laços muito fortes com as comunidades locais. Foi muito exaltante.”
Na origem de toda esta dinâmica, explica Luís Amaral (acionista do Observador), co-fundador da Girl MOVE Academy, está o facto de “acreditarmos que, para melhorar o mundo, precisamos de mais liderança feminina”. E se isto é verdade na Europa, afirma o empresário, “em África é muito mais, onde as mulheres são basicamente um recurso desperdiçado, mas são elas que têm os valores certos”.
A razão da escolha de Moçambique para desenvolver esta iniciativa é simples: “É um país que está no coração de qualquer português e é suficientemente grande para que o trabalho ali desenvolvido ganhe dimensão e impacto.”
O efeito de repetição de cada um destes programas nas comunidades é também salientado pelo empresário: “Cada uma destas raparigas trabalha com 1200 outras, com o objetivo de as manter na escola, já que as taxas de abandono escolar nas crianças moçambicanas, sobretudo nas meninas, ainda é muito elevada.”