Índice
Índice
Começou. A hecatombe sofrida por Rui Rio no domingo devolveu o clima de pré-guerra civil ao PSD. Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz são os dois candidatos mais sérios ao lugar, estão a medir apoios e a perceber que condições dispõem para pegar no partido. Mas há muitos fatores (e outros protagonistas) a condicionar a corrida. Desde logo, dois aspetos: o tempo de Rui Rio e o tempo (longo) que o partido vai passar no deserto da oposição.
Apesar de ter sido ambíguo na noite eleitoral, Rui Rio deve mesmo deixar o partido pelo próprio pé – pelo menos, é essa a convicção dos homens mais próximos do líder social-democrata. A Comissão Política Nacional do PSD, que fará a leitura dos resultados, ainda não foi convocada, mas o mais certo é que Rio aproveite a reunião para confirmar a sua saída e discutir os prazos para o efeito. Também terá de haver um Conselho Nacional, que será necessariamente de análise dos resultados eleitorais, e onde haverá previsivelmente um primeiro medir de forças para a sucessão.
É o próprio núcleo duro do líder social-democrata a reconhecê-lo: o tempo de Rui Rio esgotou-se, não há margem para continuar, fim, finito, the end. Mesmo não havendo pressa para precipitar o ato eleitoral, é preciso permitir que o partido arrume a casa e encontre novos protagonistas. As eleições diretas não devem acontecer antes de abril.
A partir daí, a iniciativa deixa de pertencer a Rio. Até que o líder social-democrata diga ao que vai, todos os que mantêm aspirações de vir a suceder a Rui Rio vão manter-se discretos, no conforto da sombra dos bastidores. Prova disso é que depois de um resultado catastrófico, nenhum dos protagonistas do passado mais recente do PSD — Paulo Rangel, Luís Montenegro, Miguel Pinto Luz… — exigiu com clareza a cabeça de Rui Rio.
Pinto Luz falou, mas limitou-se a pedir, na TSF, que o partido respire fundo. É mais o contrário: estão todos a suster respiração e a pensar no que farão se tiverem de herdar um PSD em ruínas e que da última vez que passou por algo semelhante, durante a maioria de José Sócrates, despachou três líderes em quatro anos — Luís Marques Mendes, Luís Filipe Menezes e Manuela Ferreira Leite.
Montenegro na pole position
Mas as movimentações já começaram e há um protagonista na pole position: Luís Montenegro. O antigo líder parlamentar fez um processo de aproximação ao rioísmo durante o confronto entre Paulo Rangel e Rui Rio. Os apoiantes de Montenegro, que o eurodeputado julgava leais, tiraram o pé do acelerador e permitiram a Rio ganhar contra todas as expectativas. Alguns deles, de resto, acabaram premiados na lista de deputados. No congresso de dezembro, Montenegro elogiou a resiliência de Rio e Rio devolveu-lhe palavras simpáticas. Durante a campanha, Montenegro e Rio passearam de carro e de braço dado na incursão pelo distrito de Aveiro. Um antigo adversário convertido em aliado competente.
![ELEIÇOES LEGISLATIVAS: Rui Rio, lider do Partido Social Democrata (PSD), durante uma arruada em Santa Maria da Feira, acompanhado de Luís Montenegro. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de Janeiro. 22 de Janeiro de 2022, Santa Maria da Feira TOMÁS SILVA/OBSERVADOR](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:3000:2000/c:3000:2000:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2022/01/22165203/img-9458.jpeg)
▲ Rui Rio e Luís Montenegro no carro durante a campanha eleitoral
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
Salvador Malheiro, vice-presidente e king maker de Rio, terá sido instrumental na aproximação entre os dois. Se Montenegro decidir avançar, o autarca de Ovar poderá colocar a máquina que permitiu a Rio vencer três eleições diretas ao serviço do antigo líder parlamentar e aumentar (e de que maneira) as hipóteses de Montenegro vencer as diretas.
Essas contas estão a ser feitas, mas a ordem agora é para esperar – até para não correr riscos desnecessários. Porque também está em causa um jogo de perceções: Rio acabou de cair; e chutar um líder no chão seria mal interpretado pelos apoiantes de sempre do presidente do PSD. Para já, é tempo de intensificar os contactos e esperar que Rui Rio ceda o palco a outros antes de anunciar o que quer que seja.
Será também um tempo para Montenegro pesar bem a decisão. O antigo líder parlamentar ainda não tem uma posição fechada sobre a sua candidatura à liderança do PSD e, entre os seus apoiantes, ninguém ignora o óbvio: mesmo ganhando o partido, serão sempre quatro anos muito difíceis e uma longa travessia no deserto que pode não servir para nada.
Na história do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes e Luís Filipe Menezes caíram exatamente nas mesmas circunstâncias sem nunca terem ido a votos em legislativas. Com uma agravante: tal como Menezes, Montenegro não está no Parlamento e tem pela frente um PS maioritário, duas condições que fazem do cargo de líder do PSD uma dos lugares menos apetecíveis da política portuguesa neste momento.
Depois existe o copo meio cheio. Este tempo na oposição vai permitir ao PSD reencontrar-se e reorganizar-se sem a pressão de atos eleitorais – as únicas eleições no horizonte são as europeias de 2024. Para Montenegro, que precisará desse mesmo tempo para se afirmar a nível nacional e resolver algumas resistências internas e externas, este período pode ser útil para ganhar o embalo que procura.
![39º Congresso PSD (Partido Social Democrata) - intervenção de Miguel Pinto Luz, no segundo dia de congresso. Santa Maria da Feira, Aveiro 18 de Dezembro de 2021 TOMÁS SILVA/OBSERVADOR](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:3000:2000/c:3000:2000:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2021/12/18185545/img-6546.jpeg)
▲ Pinto Luz no Congresso do PSD
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
Pinto Luz em reflexão
O vice-presidente da Câmara de Cascais está num estágio diferente. Ao contrário de Montenegro, Miguel Pinto Luz aproveitou o congresso de dezembro para se demarcar do unanimismo em torno de Rio e recusou fazer parte da peregrinação dos críticos internos para ver o líder social-democrata em plena campanha. Teve razão antes do tempo mas isso, em política, vale o que vale: muito pouco.
Ainda assim, no mesmo congresso, conseguiu fazer uma demonstração da vitalidade do aparelho que foi criando ao longo do tempo: liderou uma lista ao Conselho Nacional do PSD (órgão máximo entre congressos), foi o segundo mais votado e derrotou a equipa de Montenegro – que, na véspera da reunião magna, ainda tentou criar, sem sucesso, uma lista que juntasse toda a oposição a Rio.
Está, por isso, numa posição de algum conforto. Não se misturou com o rioísmo quando todos o fizeram, reforçou o seu quinhão interno de votos e sente não ter obrigação de fazer prova de vida num momento tão ingrato. Nos próximos dois anos, António Costa gozará de um estado de graça absoluto e haverá pouco mais do que o referendo à regionalização e uma eventual revisão constitucional para marcar pontos enquanto líder da oposição. Muito pouco para sobreviver internamente.
Pinto Luz, no entanto, não desvaloriza o efeito da passagem do tempo – sem poder ou sem um projeto de conquista de poder, os apoios não duram para sempre. Montenegro já deu sinais de querer disputar o aparelho do número dois de Carlos Carreiras; se Pinto Luz saltar a corrida (mais uma vez), fica difícil de segurar os apoios que foi semeando.
O próximo ciclo político (2024-2026), quando os efeitos da inflação forem já uma evidência, quando os juros dispararem, quando a governação socialista estiver a enfrentar reais adversidades, será muito mais apetecível. Em contrapartida, avançar agora seria desafiante do ponto de vista interno: Pinto Luz sabe que Montenegro dificilmente herdará todo o aparelho que era de Rui Rio e que estas diretas podem ser uma oportunidade única para ser líder do PSD. O vice de Cascais vai pesar todas estas condicionantes antes de tomar uma decisão.
![Jorge Moreira da Silva fora da corrida ao PSD](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:2222:1481/c:2222:1481:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2021/09/09194333/jorge-moreira-da-silva.jpg)
▲ Jorge Moreira da Silva está a medir o pulso ao partido
REINALDO RODRIGUES
Moreira da Silva outra vez. Rangel aguarda
Em teoria, só haveria um cenário que faria Miguel Pinto Luz avançar para a corrida sem grandes hesitações: se Jorge Moreira da Silva entrasse na disputa. O antigo ministro de Pedro Passos Coelho tem estado particularmente ativo nos bastidores e a tentar posicionar-se junto das tropas de Rui Rio – Salvador Malheiro, mais uma vez, poderia desempenhar um papel importante nesta eventual candidatura. Para Pinto Luz, se Jorge Moreira da Silva decidisse avançar, acabaria por dividir o aparelho que esteve com Rui Rio e aumentar as hipóteses de disputar a vitória.
No passado, Moreira da Silva já alimentou planos para concorrer ao lugar, mas acabou sempre por recuar na 25.ª hora. Agora, numas eleições mais livres – não está verdadeiramente em causa uma disputa pelo lugar de candidato a primeiro-ministro – as hipóteses para se mostrar e fazer um brilharete são mais atrativas. Seria uma forma de se posicionar com clareza para o futuro do PSD – ele que fez questão de fazer a tradicional arruada pelo Chiado, em Lisboa, ao lado de Rui Rio, no último dia de campanha eleitoral.
E depois existe Paulo Rangel. O eurodeputado sofreu uma derrota traumática nas últimas diretas e afastou-se da vida interna do partido. Tem a vantagem de ter dito claramente que ia acontecer o que aconteceu – uma derrota em toda a linha de Rui Rio – e a desvantagem de ter queimado uma oportunidade de ouro.
O aparelho que esteve com ele deixou-o cair com a mesma velocidade que o levantou em ombros e hoje, com a perspetiva de haver quatro anos de oposição pela frente, há protagonistas de outras gerações com vontade de ter uma palavra a dizer. Rangel não terá nada fechado na sua cabeça. Ainda não é o tempo de tomar decisões definitivas.
Haveria ainda Carlos Moedas, mas o calendário não joga a favor do presidente da Câmara de Lisboa. O autarca apareceu no hotel em que Rio assistiu à derrota eleitoral, foi um dos mais aplaudidos, recusou qualquer tipo de especulação e jurou lealdade à Câmara Municipal de Lisboa. Tem tudo o que os outros não têm: palco mediático de sobra, vitórias eleitorais no currículo e um reconhecimento generalizado do partido. Mas uma corrida à liderança do PSD não constará dos planos de Moedas.
![ELEIÇOES LEGISLATIVAS: Rui Rio, lider do Partido Social Democrata (PSD), chega à sessão de esclarecimentos do dia, em Viana do Castelo, acompanhado de Paulo Rangel, ex-rival nas últimas diretas do partido. As eleições legislativas realizam-se no próximo dia 30 de Janeiro. 23 de Janeiro de 2022, Viana do Castelo TOMÁS SILVA/OBSERVADOR](https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:3000:2000/c:3000:2000:nowe:0:0/plain/https://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2022/01/23181245/img-1636.jpeg)
▲ Paulo Rangel fez questão de se juntar a Rio na campanha do PSD
TOMÁS SILVA/OBSERVADOR