O brinde chegara de véspera e encaixava como uma luva na narrativa que o PSD quer vender no país e no continente. Num momento em que se antecipa o risco de o PSD depender de alianças à direita para preservar o poder na Madeira, o surpreendente rasgar do acordo de governação nos Açores serviu de guião ao apelo ao voto útil à direita: só um PSD reforçado e autossuficiente será capaz de garantir a estabilidade governativa.

Ainda que a decisão da Iniciativa Liberal tenha sido recebida com alguma perplexidade na direção do PSD, e percecionada com um ato isolado, fruto de inimizades regionais e feito à revelia da vontade de Rui Rocha, a verdade é que, sem nada fazer nesse sentido, os sociais-democratas ganharam redobrados argumentos para pedir uma maioria reforçada nos próximos atos eleitorais, Madeira e legislativas.

O primeiro a sugeri-lo esta quinta-feira, dia que marcou o arranque das primeiras jornadas interparlamentares na Madeira, foi José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD e chefe da delegação do partido no Parlamento Europeu, que não deixou de lembrar a importância de preservar o PSD como grande “referencial de estabilidade” na região e de fazer um apelo: “Os eleitores da Madeira sabem que não podem desperdiçar votos”.

Horas depois, e mesmo evitando comentar a situação dos Açores em concreto, Luís Montenegro não resistiu em dizer que, por oposição aos restantes partidos, “o PSD é o partido mais confiável”, acrescentando: “Nós somos confiáveis e previsíveis. Não somos repentistas, nem aventureiros”. Ora, mesmo num partido que vai mantendo o tabu em relação a futuras alianças, a estratégia de afirmação do PSD não andará muito longe disto no futuro: insistir na ideia de que os sociais-democratas precisam de força suficiente para abdicar de parceiros pouco confiáveis.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De resto, Montenegro aproveitou o discurso da noite para repetir a convicção em forma de apelo ao voto deixada minutos antes por Miguel Albuquerque: “Estou muito confiante de que vamos ter um excelente resultado e que vamos ganhar as eleições com maioria absoluta. Vamos de rua em rua construir o apoio que merecemos e que estou convencido que o povo madeirense nos vai dar: a maioria absoluta”.

Ainda em matéria de alianças, e uma vez que é taticamente assumido que não vai desfazer o tabu em relação ao Chega até às próximas eleições, Montenegro aproveitou a visita à Madeira para tentar virar o jogo contra António Costa. “Não somos o partido que aceita passar as linhas vermelhas e que aceita andar de braço dado com partidos que são anti-Europa, anti-Nato e um deles até pró-Rússia. É caso para perguntar ao primeiro-ministro se continua disponível [a fazê-lo] por questões de sobrevivência”, carregou Montenegro contra o adversário. A maior ajuda, no entanto, viria da própria família política.

Marcelo é apenas “mais um” eleitor. Mas agora deu um jeitinho

Apesar do clima de pré-campanha eleitoral, havia no ar uma grande expectativa para perceber o que diria Marcelo Rebelo de Sousa na entrevista à RTP e ao Público. O facto de ter sido gravada acrescentava uma outra dimensão: a partir do final da tarde, começou a circular pelos jornalistas e pela comitiva que acompanhava Luís Montenegro indícios de que o Presidente da República ia dar um puxão de orelhas ao PSD, alegando que o partido não estava ainda capaz de oferecer uma alternativa séria aos socialistas.

Durante a tarde, Luís Montenegro esforçou-se por esvaziar a tensão, garantindo que não esperava qualquer recado presidencial. Mais: o líder social-democrata fez questão de dizer que votou “duas vezes, sem hesitação”, no atual Chefe de Estado e que não estava “minimamente arrependido“. Nos intervalos, Montenegro não deixou de lembrar que Marcelo vale o que vale: um voto — é apenas “mais um” dos portugueses que tem de convencer.

Ainda assim, a entrevista de Marcelo foi seguida ao minuto pelo estado-maior do PSD. Hugo Soares, secretário-geral do PSD, acompanhou tudo na mesa de honra, com auscultadores sem fios sempre ligados. Paulo Rangel, primeiro vice-presidente do partido, esteve num piso inferior do restaurante, afastado dos demais, a seguir atentamente a entrevista — era ele quem tinha a missão de reagir às palavras do Presidente da República.

No entanto, Marcelo não cumpriu as piores expectativas do PSD. Mesmo sugerindo nas entrelinhas que os sociais-democratas ainda não estão preparados para assumir o poder, o Chefe de Estado foi muito mais cáustico com António Costa do que tem vindo a ser com o seu partido de origem. Sobre o PSD, o golpe foi desferido da seguinte forma: “Uma alternativa para ser forte tem de ter um partido liderante de um hemisfério mais forte do que os outros, claramente mais forte. O PS, mesmo com aquelas formas originais dos dois governos anteriores, era muito mais forte dos que os demais. O PSD tem acima do somatório dos outros dois mas não o dobro. E isso dá uma alternativa fraca na liderança”, observou Marcelo.

Todavia, a crítica violenta ao Governo socialista acabou por dominar grande parte do discurso do Presidente da República. E foi isso mesmo que notou Paulo Rangel na reação imediata à entrevista de Marcelo, sacudindo a pressão do PSD: repetindo várias vezes a expressão “maioria requentada e cansada”, o eurodeputado defendeu que a entrevista do Presidente da República é a materialização de uma “crítica fortíssima” e em toda a linha do Governo socialista. “O primeiro-ministro tem de tirar consequências”, rematou Rangel.

Tudo somado, foi um passeio feliz o de Montenegro pela Madeira — o primeiro de muitos até às eleições regionais deste ano, como prometeu o líder social-democrata. Durante a tarde, numa curta investida pelo centro histórico do Funchal, o presidente do PSD não deixou de confessar a Miguel Albuquerque, em modo cicerone, que não estava habituado às temperaturas tropicais. Com o aproximar das eleições, é bom que se habitue: a coisa vai aquecer.

Montenegro não antecipa puxão de orelhas de Marcelo