A Direção-Geral da Saúde (DGS) deve publicar esta semana a atualização a uma norma que dispensa as pessoas vacinadas contra a Covid-19 de cumprirem isolamento profilático após um contacto com um infetado. Gustavo Tato Borges, coordenador regional de saúde pública nos Açores, avançou ao Observador que as novas regras serão publicadas “muito em breve”, possivelmente “ainda esta semana”, e aliviarão as medidas impostas aos vacinados, que geralmente passarão a ser considerados contactos de baixo risco.
O médico de saúde pública é um dos especialistas que não concorda que turmas inteiras sejam enviadas para isolamento profilático mesmo que os alunos já estejam vacinados. Ao Observador, admitiu que os delegados de saúde estão de “mãos atadas” perante as atuais normais em vigor, que fazem da sala de aula um local onde quase todos os contactos são considerados de alto risco: os indivíduos convivem em proximidade, durante mais de 15 minutos e com um grau de ventilação que, mesmo mantendo as janelas e as portas constantemente abertas, é difícil de apurar. São “atirados” a, na teoria, avaliar todos os contactos como sendo de alto risco, mesmo quando, na prática, não consideram ser.
Só que isso não faz sentido, considerou Gustavo Tato Borges: “O que devia acontecer idealmente é ter em conta o estado vacinal daquela população, dos indivíduos de que estamos a falar“, além de aspetos como a distância entre os estudantes e os funcionários na sala e os contactos que ocorrem fora dela. “A planta da sala deve ser constante. Se o caso positivo se sentar no canto da sala, não se pode considerar que o colega da outra ponta está num risco tão alto como o que se senta ao seu lado”, exemplificou o médico. E isso é ainda mais flagrante quando se toma em consideração a vacinação dos adolescentes: “Isso tem de se traduzir num alívio de medidas. Não podemos estar prestes a abrir bares e discotecas, mas ainda a enviar turmas inteiras para casa”, considerou.
O epidemiologista Manuel Carmo Gomes também defendeu que os estudantes completamente vacinados contra a Covid-19 e sem sintomas da doença não devem ser considerados contactos de alto risco quando expostos a um caso positivo de infeção — por isso também não devem ficar em isolamento profilático. Em declarações ao Observador, o especialista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa defendeu que essa ideia deve estar espelhada numa atualização às normas da DGS e deve ser válida em quaisquer outros contextos, incluindo no local de trabalho.
Mas sem a atualização destas normas, prometida há cerca de três meses, a avaliação das autoridades de saúde continua sem ter em consideração o estado vacinal dos indivíduos. A única alínea onde esse fator poderá ser levado em conta (mas não está especificado) é o número 35 da norma relativa ao rastreio de contactos. Segundo o documento, “em situações em que o risco de geração de cadeias de transmissão a pessoas com condições associadas a evolução para Covid-19 grave é baixa”, o isolamento não está dispensado, mas é encurtado para 10 dias (em vez de 14 dias) após a realização de um teste PCR negativo. Nesse caso, a avaliação é feita “caso a caso”, mas nunca dispensa totalmente o isolamento em função do estado vacinal da pessoa em causa.
Também Henrique Barros, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, disse ao Observador que a estratégia nas escolas devia passar por olhar para o estado vacinal dos contactos com um caso positivo e confiar na testagem para tomar decisões sobre as medidas não-farmacológicas. “Na minha opinião, a nossa atitude devia ser diferente”, partilhou o especialista: “A gestão de risco não pode ser igual agora à que tínhamos quando não havia vacinas nem tanta capacidade de testagem. Não se deve mandar para casa pessoas, e no fundo prejudicá-las, se não for realmente necessário”.
Essa adaptação acompanhou toda a epidemia de Covid-19: longe vão os tempos em que muita gente desinfetava os produtos que comprava no supermercado ou colocava-os mesmo de quarentena, exemplificou Henrique Barros; e mesmo a duração da quarentena foi reduzida, de 14 para 10 dias, quando se percebeu que a malha estava demasiado apertada para o período de infecciosidade e transmissibilidade do coronavírus. O epidemiologista defende, portanto, a mesma adaptação em contexto escolar, mesmo que possa haver uma avaliação caso a caso, conforme o quadro clínico do indivíduo, por exemplo.
DGS não identificou qualquer surto em agrupamentos, mas há 31 em creches
Até 20 de setembro, a DGS tinha identificado 31 surtos ativos em estabelecimentos como creches, ATL e jardins de infância, mas nenhum em agrupamentos de escolas, onde os casos confirmados continuam a ser isolados.
Até esse dia, data dos últimos dados ao dispor das autoridades de saúde, tinham sido registados 232 casos de Covid-19 acumulados nestes surtos ativos em escolas, que dizem respeito a alunos, profissionais e coabitantes dos mesmos, parte dos quais já estarão recuperados. Segundo a DGS, é “um número significativamente inferior ao início do ano” anterior, em que por esta altura já se contabilizavam 190 surtos ativos. O motivo é a política de testagem, aponta a DGS, que permite isolar casos positivos e monitorizar os contactos mais cedo.
Recorde-se que, na definição das autoridades de saúde, um surto ativo “é constituído por dois ou mais casos confirmados com ligação epidemiológica entre si no tempo e no espaço”. Só volvidos 28 dias desde a data do diagnóstico do último caso confirmado é que se considera o surto como encerrado. Ou seja, estes dados ainda podem sofrer atualizações.
Em Portugal Continental, na última segunda-feira, registavam-se 184 surtos ativos, com 1915 casos confirmados acumulados. A maioria foram identificados em Lisboa e Vale do Tejo, que detém 100 deles. Há outros 26 na região Norte, 24 no Centro, 22 no Alentejo e 12 no Algarve.
Turmas inteiras em casa porque salas de aula são de “alto risco”
Mesmo sendo pontuais e isolados os casos de infeção por SARS-CoV-2 a partir do primeiro ciclo, várias escolas têm turmas completas em isolamento profilático por decisão das autoridades de saúde. No ensino privado, uma turma do ensino secundário nos Salesianos de Lisboa terá sido colocada em isolamento profilático depois de os alunos e professores terem contactado com um caso positivo de infeção pelo SARS-CoV-2, informou um encarregado de educação ao Observador.
Esse contacto ocorreu ao longo de três horas, durante a manhã do primeiro dia de aulas naquele estabelecimento escolar. Os cerca 30 estudantes tinham cerca de 15 anos, muitos dos quais completamente vacinados, e foram todos colocados em isolamento após a avaliação das autoridades de saúde.
Noutra escola privada da Grande Lisboa, várias turmas foram totalmente colocadas em isolamento profilático. Apesar de muitos alunos já terem estado infetados com o SARS-CoV-2 e outros estarem completamente vacinados contra a Covid-19, as autoridades de saúde justificaram à escola que o contacto em ambiente fechado com um caso confirmado durante pelo menos 15 minutos, mesmo que não seja cara-a-cara, é considerado de alto risco.
Segundo Duarte Vital Brito, médico de saúde pública, essa avaliação baseia-se fundamentalmente na norma 015/2020 da DGS. E nesse documento um dos exemplos de contactos de alto risco são os que ocorrem em sala de aula — outros são a coabitação, uma sala de reuniões e uma sala de espera. Por isso é que os médicos tendem a decidir colocar turmas inteiras em quarentena: “No que toca às escolas, a única referência que se faz a isolar apenas os contactos mais próximos de um caso de infeção acontece quando ele ainda é só suspeito e ainda não foi confirmado”, indica o clínico, referindo-se ao Referencial para as Escolas publicado a 1 de setembro.
Mas há outros detalhes a tomar em conta, diz a norma: o risco é tanto maior quanto menor for a distância entre as pessoas, quanto maior for o tempo de exposição ao infetado ou a probabilidade de geração de gotículas ou aerossóis por ele — que é maior em reflexos como a tosse ou atividades como o exercício físico, o canto ou gritar. Mas, de acordo com Duarte Vital Brito, isso não significa que, dentro de uma sala de aula, alguns dos restantes membros da turma deixem de ser considerados contactos de alto risco: podem apenas ter menos risco que os que se sentam fisicamente mais próximos do caso positivo, por exemplo.
O facto de haver pessoas que já tenham sido vacinadas contra a Covid-19 não é tomado em conta porque as medidas de saúde pública a aplicar não são diferentes para pessoas inoculadas e não inoculadas contra a Covid-19 — pelo menos por enquanto. É a própria DGS que diz que, “pelo princípio da precaução e até serem conhecidos mais dados de efetividade vacinal, sobretudo no atual contexto epidemiológico de circulação de novas variantes de preocupação, as pessoas vacinadas contra a Covid-19 devem manter o cumprimento de medidas não farmacológicas”. Só que o documento com esta informação, a Norma 002/2021, foi criado logo no princípio da campanha de vacinação e só foi atualizado em setembro para incluir as informações relativas à inoculação dos adolescentes.
Mesmo no caso de alguém já ter estado infetado com o coronavírus, essa pessoa só será considerada de baixo risco (não estando, portanto, obrigada a cumprir isolamento profilático) se a infeção tiver ocorrido há menos de 90 dias e se não apresentar sintomas da doença. Caso contrário, a norma que determina o isolamento profilático aplica-se igualmente a ela.
Casos de turmas enviadas para isolamento continuam “muito pontuais”
Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, confirmou ao Observador que os casos de turmas em isolamento profilático desde o início do ano letivo têm sido pontuais entre os estabelecimentos de ensino privado.
Mas só esta terça-feira teve conhecimento de uma escola na zona de Lisboa em que seis a oito turmas — todas no ensino pré-escolar, primeiro e segundo ciclos, em que a vacinação não foi aprovada ainda — foram colocadas em isolamento profilático após um professor de música ter testado positivo à infeção pelo SARS-CoV-2. Apesar de as aulas daquela disciplina serem lecionadas em espaços amplos e ventilados, as autoridades de saúde consideraram que todos os alunos sem exceção eram contactos de alto risco e receberam ordens para ficarem em casa.
Embora admita que nada sabe sobre saúde pública para avaliar estas decisões, Rodrigo Queiroz e Melo considerou-as “estranhas” por serem “exatamente iguais” às que vigoravam durante o estado de emergência: “Pelas declarações das autoridades de saúde, não temos a certeza se estão a ser suficientemente consideradas as necessidades dos alunos que vão entrar agora no terceiro ano letivo com perturbações”, disse o docente, afirmando que “não está a ser transmitida segurança” às escolas: “Não podemos ponderar abrir bares e discotecas, mas depois colocar turmas inteiras em casa”.
David Sousa, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), também não tem números que espelhem a dimensão do isolamento profilático em contexto escolar no ensino público, mas afirma igualmente que essas situações têm sido “muito pontuais”.
Questionado sobre se defende uma revisão das normas de isolamento nas escolas — as mesmas que motivam situações como a dos Salesianos de Lisboa — o professor defende que “há uma diferença entre o que desejaríamos e o que manda o bom senso e um certo cuidado”.
David Sousa comentou que, mais difícil do que enviar turmas inteiras para casa à conta de um contacto positivo, seria “de repente ter de fazer com que os alunos retomem procedimentos que foram precipitadamente interrompidos e depois têm de ser retomados”: “O melhor é deixar as autoridades de saúde trabalharem com calma e sem pressão”, considerou, para que não haja “medidas que desequilibrem a tranquilidade que as escolas já têm em pandemia”.
As regras relativas ao isolamento profilático de pessoas vacinadas que contactaram com um caso positivo de infeção pelo SARS-Cov-2 estão sob debate desde junho. Graça Freitas, diretora-geral da saúde, assegurou já este mês que a norma que alivia as medidas de isolamento para as pessoas vacinadas está pronta, mas que a sua publicação dependerá da cobertura vacinal, da evolução da epidemia (incluindo o surgimento ou não de uma nova variante que substitua a delta) e da entrada no inverno.
Atualmente, e de acordo com o último relatório de vacinação publicado pela Direção-Geral da Saúde (DGS), 87% das pessoas na faixa etária entre os 12 e os 17 anos — que corresponde aos estudantes a partir do terceiro ciclo até ao fim do ensino secundário — já receberam pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19; e que quase três quartos (72%) já completou o esquema vacinal.