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Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Não sei se é racismo ou se são só as regras. Quero é sair daqui"

Karim, egípcio, dorme na rua há dois dias à espera de um comboio. O vietnamita Nam fala numa viagem "complicada". Os dois estudantes fugiram de Kharkiv, mas ainda não chegaram aos seus países.

Texto e fotografias dos enviados especiais do Observador à Ucrânia, Cátia Bruno e João Porfírio

Karim Amasary tem passado as últimas duas noites a dormir na rua, à porta da estação ferroviária de Lviv. “Está muito frio e é muito cansativo”, admite, com um suspiro, ao Observador. Estudante universitário de Engenharia, abandonou Kharkiv com um colega há três dias, quando a chuva de artilharia e bombas do exército russo se intensificou. “Só quero ir para um sítio seguro, é tudo. Não gosto nada do que se está a passar na Ucrânia neste momento, não defendo isto minimamente, vivi aqui muito tempo. Só quero que tudo fique bem.”

Karim e o amigo não são prioritários para embarcar para a Polónia e também não têm onde dormir porque os abrigos para refugiados na cidade de Lviv estão cheios de crianças e das suas mães. A estação de Lviv já tem toda uma estrutura montada à volta, com cuidados médicos da Cruz Vermelha, chá e bolos quentes distribuídos aos refugiados e muita gente a aquecer-se em torno de fogueiras improvisadas em bidões. Por enquanto, estes dois egípcios fazem questão de pagar as suas próprias refeições, para não sobrecarregarem a estrutura de apoio. Também pagariam por um quarto, mas sítio onde dormir não há — a cidade está cheia.

“Hoje já são mais de nove horas à espera e nada. Dizem-nos que não há nenhum comboio onde possamos entrar já”, partilha o estudante que está a tentar partir para a Roménia, onde a embaixada egípcia está pronta para os colocar num voo de repatriamento de Bucareste para o Cairo. Chegar até lá, porém, continua a ser difícil

É esta a situação para a maioria dos homens estrangeiros que viajam sozinhos. Alguns falam em racismo, denunciando casos de guardas fronteiriços que não os deixam passar ou que os enviam para o fim da fila. Karim diz que também o sentiu ao longo destes dias. “Não posso dizer que não tenha encontrado isso”, confirma. Mas sublinha que compreende a situação delicada em que a Ucrânia está e não quer apontar dedos: “Nos geral, os ucranianos são muito atenciosos e tentam ajudar-nos ao máximo.”

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Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Voluntários organizam partidas e tentam estancar o pânico

É certo que muitos destes estrangeiros acabam por ser autorizados a partir, mas enfrentam algumas dificuldades até conseguirem sair do país. Em primeiro lugar, porque a regra oficial é a de dar sempre prioridade a mulheres e crianças, o que os deixa de imediato em desvantagem. Em segundo, o facto de serem muitas vezes homens jovens não joga a seu favor, num país onde os ucranianos da mesma idade estão proibidos de sair do país devido à lei marcial. No meio de situações tensas, entre milhares de pessoas desesperadas, não surpreende que haja momentos em que o racismo de alguns venha ao de cima.

O voluntário Taras Buhay, porém, garante que oficialmente tudo está previsto para que estas pessoas não sejam prejudicadas. “Há poucos homens, mas quando aparecem nós explicamos que não vão poder entrar a bordo do comboio. Se forem ucranianos com menos de 60 anos, não podem embarcar”, começa por explicar este antigo dono de uma empresa de renovações agora voluntário na estação, controlando a presença de quem está na plataforma para embarcar. “Mas estrangeiros é diferente. Ainda hoje tivemos o caso de um angolano casado com uma ucraniana e ele pôde passar, porque não é cidadão ucraniano”, explica.

Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A situação na estação de Lviv está muito diferente daquela que o Observador testemunhou há alguns dias. Inicialmente havia algum desespero entre os que tentavam partir, mas todos conseguiam embarcar. Dois dias depois, a estação tinha sido dominada pelo caos. Agora, as autoridades ucranianas intervieram e tentaram criar alguma ordem: a fila forma-se no piso inferior da estação e só passa quem mostrar documentos que comprovem que pode embarcar.

Para a plataforma só sobem os que vão apanhar aquele comboio, já contados. Aí está tudo calmo; mas lá em baixo, onde centenas se acumulam numa fila, continua a haver tensão. Mães com vários filhos, pessoas de bengala e estrangeiros acumulam-se num espaço apertado. Comem sopa quente em pé, acotovelando-se. No chão já se acumula o lixo. A prioridade de voluntários como Taras é sempre as mães e crianças: “É tudo um pouco caótico, porque as pessoas estão em pânico. A nossa principal tarefa é travar este pânico”, diz. “Se virmos uma mulher com muitos filhos, vamos ter com ela e levamos-lhe comida. As pessoas têm fome, mas estão tão em choque que nem se apercebem.”

Quanto aos estrangeiros, acabam por embarcar, mas ao fim de muito tempo de espera. O Observador não assistiu à partida de nenhum comboio ao longo daquela tarde, mas sabe que primeiro sobem a bordo apenas mulheres e crianças e que mais tarde, em número limitado, alguns estrangeiros são colocados na última carruagem.

Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Senti algum racismo neste processo todo”. Nam, o vietnamita que tenta proteger a família

Foi isso que aconteceu a Nam, estudante de Matemática com 20 anos, na viagem de Kharkiv para Lviv. Acompanhado da sua família, que há dois anos se mudou para a Ucrânia quando ele foi aceite na Universidade, o vietnamita enfrentou uma odisseia para chegar a esta cidade. “Nem sei como conseguimos”, desabafa.

“A viagem foi muito difícil, é muita gente a tentar chegar aqui. Chegámos hoje”, conta. Garante que só conseguiu embarcar graças ao apoio da comunidade vietnamita na Ucrânia, que agilizou o processo para que Nam, a mãe, a irmã e sobrinhos pudessem subir a bordo em Kharkiv. Agora, esperam um autocarro que os levará juntamente com outros cidadãos vietnamitas a Varsóvia.

Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Senti algum racismo neste processo todo”, afirma Nam antes sequer de lhe perguntarmos. “Já o sentia antes, em Kharkiv, mas compreendo que são culturas diferentes. Agora também senti isso em todo o processo de embarcar e ao longo da viagem, no comboio.” Nam compreende a regra de dar prioridade a mulheres e crianças, mas sente que esse pode ter sido um argumento invocado para o deixar a si e à sua família mais e mais para trás. “Não sei se é racismo ou se são só as regras. Mas já aqui estamos, pouco importa. Agora quero é sair daqui e por a minha família em segurança.”

Já falta pouco para isso. Os autocarros organizados pela comunidade vietnamita já esperam por Nam e por dezenas de outros compatriotas, identificados com a bandeira do respetivo país. A família pega nas suas malas e sacos, pronta para subir em direção à Polónia. Pouco depois, Karim e o seu amigo passam pelo mesmo sítio, em passo lento, sem destino. Vão enfrentar mais uma noite na rua, à espera de um comboio que não sabem quando chegará.

Reportagem na estação de comboios de Lviv, com cidadãos estrangeiros que querem sair da Ucrânia em direção da Polónia. A Rússia, a mando do seu presidente, Vladimir Putin, invadiu a Ucrânia no passado dia 24 de fevereiro de 2022. Lviv, Ucrânia, 3 de março de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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